Galeria do Rock comemora boa fase e renova público com shows no rooftop
Vibrante e relevante, a Galeria do Rock, um dos pontos favoritos da cidade, tem raridades e atrações de vários ritmos e quer atrair cada vez mais frequentadores

Há quem diga que as ondulações no concreto da fachada do Centro Comercial Grandes Galerias, na região central da cidade, indicam os períodos de altos e baixos de um dos mais famosos, queridos e celebrados espaços culturais paulistanos. Aliás, se alguém perguntar nas cercanias pelas Grandes Galerias é possível que os mais desatentos ao letreiro não saibam responder do que se trata. Agora, pergunte onde fica a Galeria do Rock. Não há quem não conheça.
Projetada em 1957 e inaugurada em 1963, a galeria, com acessos pela Avenida São João e Rua 24 de Maio, possui 450 lojas em seus seis pavimentos, incluindo o subsolo e a cobertura.
Atualmente, com 90% dos pontos comerciais ocupados, o prédio recebe cerca de 12 000 pessoas em dias úteis — o número dobra aos sábados, com a presença de pais, mães, avós e crianças —, menos do que no passado, antes da era digital e do esvaziamento do centro, é verdade mas continua não apenas relevante no cenário cultural da metrópole como acaba de inaugurar e ampliar um espaço antes praticamente desativado, o rooftop.





Ali, aos sábados, bandas se apresentam em um palco e o público, em pé ou sentado nas mesinhas, bebe chope gelado ao som do bom e velho rock. A partir de março, a área será aberta diariamente, no almoço e para a happy hour, com fechamento às 19h.
Embora a galeria seja do rock e o gênero permeie quase todo o ambiente, há outros segmentos musicais, como o hip-hop, presente no subsolo, que tem acesso direto das ruas por duas rampas. Ali, as lojas dedicadas ao estilo e também à cultura de rua, como o skate, vendem roupas, tênis, sprays, entre outros.





Nos três pavimentos acima, as lojas de discos e camisetas de bandas são as grandes estrelas do local, mas dividem espaço com um bar de cervejas importadas, mais lojas de roupas e tênis, além de muitos estúdios de tatuagem e piercing. Restam os dois últimos pavimentos de lojas, divididos entre distribuidores de produtos para estamparias, confecções e gráficas, muitos no local há décadas.

“Somos a segunda geração na loja de serigrafia do meu sogro e trabalhamos também para mostrar o nosso mercado para todo o Brasil”, afirma César Mansani, 33, criador e apresentador do Serigrafia Podcast, gravado em um aconchegante estúdio recém-construído no mezanino de uma loja que serve como depósito.
“Muitos roqueiros se interessam por serigrafia e nossa pegada é contar a história de pequenos e grandes empreendedores”, diz Cesar, que conta com patrocínios para bancar o programa. Quem está à procura não de patrocínio, mas de um sucessor, é o empresário Dionísio Febraio, o Magrão, que comanda há 35 anos a Aqualung, uma das lojas mais antigas do pedaço.

Com CDs e DVDs (novos e usados) para todos os lados, o negócio de Magrão vive apinhado de embrulhos e pacotes para serem entregues a clientes que compram on-line.
“Já, já as vendas pela internet alcançam as do balcão. Depois da pandemia, as pessoas ficaram mais em casa, e não tem nada melhor do que ouvir um som folheando o encarte”, diz o lojista, que vê no filho mais novo um possível herdeiro do negócio. “Ele hoje vive na Espanha, mas estou tentando convencê-lo a voltar e começar a tocar a loja. Já estou pensando na aposentadoria.”
Outro que também aposta no mercado virtual é o casal Giselle Gilek e Claudio Victorazzo. Com uma loja-hub praticamente escondida no mezanino da galeria, a Temple Music Store, eles voltaram para o local há um ano e comercializam CDs, DVDs e até fitas cassete.

“Temos cerca de 1 000 fitas e vendemos para o Brasil todo, sobretudo para colecionadores. Recebemos clientes apenas com hora marcada”, conta Claudio, que esteve à frente da Empire Music, uma das lojas mais famosas na década de 90 e que chegou a receber Bruce Dickinson, vocalista do Iron Maiden, para uma tarde de autógrafos.

“Foi uma loucura, as pessoas ficaram sabendo e correram para cá. Os demais lojistas ficaram bravos comigo, pelo tamanho da bagunça que a galeria virou”, conta, rindo, o empresário, que nos anos 1980 foi vocalista da banda de trash metal Vodu.
Casos de empresários que começaram do nada e permanecem até hoje na galeria são muito comuns por ali. Dono da loja de camisetas Consulado do Rock, Mauro Kiyoshi, 64, possui direito de uso, via licenciamento, de 45 marcas de bandas e artistas (a mais recente foi Raul Seixas, após anos de negociações com os herdeiros).

Além de vender centenas de modelos que ele mesmo confecciona fora dali e distribui na galeria, Mauro e um sócio montaram uma produtora responsável pelo festival (de rock, claro!) Summer Breeze Open Air, agora chamado de Bangers Open Air. Previsto para os dias 3 e 4 de maio, o evento trará bandas como Avantasia, W.A.S.P., Sabaton e a paulistana Viper.
Com tantas histórias individuais de sucesso na Galeria do Rock, alguém precisa se responsabilizar pelo coletivo. Encarregado de pôr ordem na casa, seja quando assumiu a sindicância da galeria, em 1994, seja atualmente, ao dizer quais comércios podem e não podem ser abertos nos pontos comerciais, o síndico Antonio de Souza Neto, 71, é uma mistura de prefeito com empresário.

Dono de duas lojas e sócio, juntamente com o filho Marconi de Souza, 38, do projeto do rooftop e do pub The Cave, no subsolo, Toninho, como é conhecido, foi um dos responsáveis por denunciar a presença de tráfico de drogas nos arredores da galeria.
Em 2016, VEJA SÃO PAULO fez uma reportagem e gravou em vídeo a movimentação de traficantes e usuários. Depois da matéria, os criminosos foram expulsos e não houve mais relatos. Cerca de vinte anos antes, o mesmo problema também foi enfrentado por Toninho.
“Até o fim da década de 1990, havia dezesseis pontos de tráfico dentro da galeria. Uma vez, com meu filho pequeno no colo, dei um tapa na mão de um homem que tentou cheirar cocaína na nossa frente. Arrumei muita briga aqui”, conta o síndico.
Além dos projetos já existentes, Toninho vai promover uma exposição com pinturas feitas por seu outro filho, o artista plástico Glauber Souza, ainda sem data para ocorrer. Ao mesmo tempo, o síndico tenta, junto à prefeitura, instituir o programa Ruas Abertas (que fecha as vias para carros) na Avenida São João, ligando a galeria ao Parque Minhocão, aos domingos.
“Já fizemos três edições e foi muito legal ver as pessoas aqui em um domingo, quando a galeria geralmente fecha”, diz. Se a empreitada der certo, seu próximo passo será convencer os lojistas a abrirem seus estabelecimentos no dia de descanso.
Procurado, o prefeito Ricardo Nunes afirma que a ideia passa por consulta pública e que ainda não há uma resposta sobre a ação na São João. Apesar da figura de Toninho sempre presente no dia a dia da Galeria do Rock, não são todos os lojistas que apoiam seu trabalho.

“O show que fazem na cobertura é uma barulheira só. Depois que reclamei, tamparam uma área de ventilação para amenizar o som, mas acabou esquentando a minha loja”, reclama Luiz Calanca, dono da lendária Baratos Afins, a mais antiga loja do condomínio, inaugurada em 1978.
“O Toninho pegou a galeria para ele. Deveriam mudar o nome para Galeria do Toninho”, rebate Calanca, que pensa em se mudar dali. “Só preciso achar um outro local para acomodar os mais de 120 000 títulos de LPs que temos”.

Mesmo com algumas críticas ao gestor, é nítido que a galeria se mantém como um local relevante e vibrante, apesar das décadas de processos de esvaziamento do centro.
Nos últimos tempos, a prefeitura intensificou os serviços de limpeza na região e aumentou a vigilância pela Guarda Civil Metropolitana, em ação conjunta com a Polícia Militar (há uma base da PM próximo à galeria).
Pelo menos por enquanto, é possível passar, antes ou depois de ir à Galeria do Rock, por Pátio do Colégio, Vale do Anhangabaú, Shopping Light e Theatro Municipal, entre outros, em um passeio mais do que agradável. Na icônica galeria paulistana, o rock não morre nunca.
ROSTOS DIVERSOS
Espaço é ponto de encontro de diferentes tribos e gerações




A Galeria do Rock abraça todos os nichos. É o que dizem os funcionários que frequentam diariamente o lugar. “Todo mundo é aceito, é um lugar sem preconceitos”, sintetiza Aline Prestes, da Blackout Tattoo.
Para Otimario de Jesus Flores, da Street Combat, o público da galeria “é a rua em si”. “Tem a criança, o adolescente, o jovem, o adulto, o senhor, e tem o respeito nessa diversidade.”
Para os músicos, é o santuário paulistano dos discos e camisetas. “Conheço a galeria desde o começo da adolescência. Meu avô me dava um dinheirinho e eu ia fuçar discos na Baratos Afins”, relembra Nasi, vocalista do Ira!.
Em abril de 2024, foi aberto o único ponto dali dedicado aos instrumentos, no terceiro andar: a Luthieria Fuschini. “O mais legal é que aqui a gente se conecta com o Brasil inteiro. Recebo desde iniciantes até músicos de carreira”, diz o luthier Renato Fuschini.
Um de seus clientes é Ricardo Comanche, baixista da banda Atormentado João. “Vejo a galeria muito melhor hoje em dia. O mais comum é encontrar, aos sábados, famílias passeando, seja filhos pequenos ou adolescentes com os pais. É incrível essa revolução, tanto que eu vou todo fim de semana. Dizem que shopping center é praia de paulista, né? Minha praia é a Galeria do Rock”, define. (Tomás Novaes) ■
Publicado em VEJA São Paulo de 17 de janeiro de 2024, edição nº 2927