Orgulho e preconceito: por que cinema LGBTQIA+ no Brasil não deslancha?
No mês da diversidade, cineastas paulistanos revelam as dificuldades no ramo audiovisual ao abordar narrativas com essa temática
Quais histórias nunca foram contadas no cinema e na televisão? Enquanto produções como Pose, Halston e Euphoria conquistam o público com protagonistas LGBTQIA+, profissionais do audiovisual brasileiro ainda não estão convencidos de que todas as cores do arco-íris têm sido bem retratadas. “O mercado não gosta de comprar nossos produtos e, quando tem interesse, precisa ser feito seguindo certas normas”, observa o cineasta Pietro Godinho, que assina curtas e videoclipes com essa temática — entre eles o novo vídeo da dupla 2DE1, que será lançado em 28 de junho, segunda, no Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+. “Nunca trabalhei com héteros”, diverte-se.
Após exibir um curta no Festival Berlinale, Gustavo Vinagre ganhou destaque com títulos LGBTQIA+ como Nova Dubai e A Rosa Azul de Novalis. Em enredos que costumam durar apenas um dia e exigem poucas locações, seus filmes ainda fogem do padrão comercial. “Eles tocam em pontos polêmicos e abraçam cenas de sexo explícito, por isso não podem ganhar editais. E tem o desafio de trabalhar em um país homofóbico, que não protege o cinema nacional e vende suas salas a preço de banana para os grandes blockbusters americanos”, alfineta. O carioca, que hoje vive na capital paulista, tem dois títulos previstos para este ano: Deus Tem Aids, gravado em apenas quinze dias, e Desaprender a Dormir, sobre um casal em isolamento social.
Também dirigido por Vinagre, o documentário Lembro Mais dos Corvos tem como protagonista a paulistana Julia Katharine, que passou a assinar produções a partir dos 40 anos, apesar de nutrir interesse por cinema desde a infância. Após lançar seu curta Tea for Two, ela se tornou um dos poucos exemplos de cineastas transexuais em circuito comercial. “Ainda quero que me reconheçam como boa profissional, não só como a pessoa trans que está fazendo cinema”, crava. Com Claudia Campolina e Tuna Dwek no elenco, Julia planeja lançar seu primeiro longa-metragem, Naked Cake, no próximo ano.
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Roteirista de uma produção da Netflix, Raul Perez trabalha há pouco mais de um ano no ramo audiovisual e tem notado as lacunas em lançamentos com essa temática. “Quando se pensa em uma série, primeiro criam a história e só depois vão entender quais personagens podem ser LGBTQIA+ porque em 2021 não é possível fazer algo sem eles, senão surgirão críticas”, acredita. “E a ideia é pensar desde o início com a diversidade do mundo. Existe essa demanda do público, que quer ver narrativas que não viram nos últimos sessenta anos.”
Esmir Filho conquistou o grande público ao lançar na Netflix a série Boca a Boca, com personagens LGBTQIA+. “Quase todos os meus trabalhos retratam questões dos jovens, o que é sempre um ponto de interrogação na cabeça dos mais velhos. Mas, ao apresentar de perto o universo íntimo dos personagens, mais pessoas podem se identificar”, pontua. “Sou sincero ao vender a ideia, e hoje os canais se interessam mais pelo tema.” Sua escolha por tramas adolescentes ressalta a escassez de histórias desse universo com foco em outras faixas etárias. “É mais fácil falar sobre a sexualidade do adolescente porque as pessoas têm na cabeça que essa é a idade que pode tudo.”
Com isso em mente, Lufe Steffen escolheu abordar sua infância usando uma linguagem lúdica e elenco adulto no inédito Nós Somos o Amanhã, que terá participação de Cláudia Ohana e Rico Dalasam. “No cinema LGBT brasileiro, infância e velhice são ignoradas, pois supostamente essas pessoas estão fora da pista”, critica. Diretor de A Volta da Pauliceia Desvairada e São Paulo em Hi-Fi, Steffen faz parte da indústria do cinema LGBTQIA+ e produz filmes com essa temática desde os anos 1990. “Na época ainda chamávamos de GLS”, brinca. Para Claudia Priscilla, uma das diretoras do documentário Bixa Travesty, o percurso ainda é longo. “Sempre vamos estar em falta com o assunto porque a história nunca foi contada a partir desses grupos e vai demorar para dar conta dessa vastidão e possibilidade de olhares sobre o assunto.”
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Publicado em VEJA São Paulo de 30 de junho de 2021, edição nº 2744
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