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Estação das artes: grandes exposições retomam ritmo pulsante na cidade

Após o arrefecimento da pandemia, mostras de Adriana Varejão na Pinacoteca e Bia Lessa no Sesc Avenida Paulista agitam cena cultural de São Paulo

Por Tatiane de Assis, Saulo Yassuda e Tomás Novaes
Atualizado em 27 Maio 2024, 22h13 - Publicado em 1 abr 2022, 06h00
Imagem mostra mulher de roupa amarela sorrindo com uma pintura amarela ao fundo.
Tela O Iluminado (2009): mais de sessenta trabalhos em exibição. (Leo Martins/Veja SP)
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Se não dá para falar que a cidade vive uma primavera das artes (afinal, estamos em abril), vale dizer que este outono não está nada chocho — há uma programação efervescente nos museus mais importantes da capital. Com a vacinação em massa contra a Covid-19 e o arrefecimento da pandemia, a agenda, que estava no modo em alerta com o avanço da variante ômicron, retorna com força.

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As principais exposições previstas para 2022 acabam de entrar em cartaz ou estão prestes a chegar. Ocupa a Pinacoteca, que recebeu no ano passado uma bem-sucedida exibição d’OSGEMEOS, a maior mostra que Adriana Varejão teve até hoje. Também promete causar impacto Cartas ao Mundo, da multiartista Bia Lessa, no Sesc Avenida Paulista, que mudará a todo momento o ambiente expositivo.

Embora nenhuma obra física original esteja presente, a Beyond Van Gogh se revela outro enorme sucesso, na esteira de atrações com projeções mapeadas — são 65 000 ingressos já vendidos até agora. Nesta e nas próximas páginas, convidamos você a conhecer um pouco da arte que está a nosso redor.

Constante mutação

“Não terei quadro pendurado na parede”, afirma a multiartista Bia Lessa sobre a exposição que estreia neste sábado (2) no Sesc Avenida Paulista. Cartas ao Mundo, que ocupa o térreo, é inspirada em Glauber Rocha (1939-1981). Não ao cineasta em si, mas a ideias dele.

Imagem mostra mulher com vestido estampado em pé me meio a diversas pessoas vestindo figurinos coloridos.
Bia Lessa e performers. (Leo Martins/Veja SP)

“É um artista que ampliou os limites”, explica a paulistana radicada no Rio de Janeiro, que transita ainda por teatro, ópera e cinema. A mostra, que é um manifesto, propõe ao público repensar o mundo, em um exercício de utopia contra distopia. A promessa é modificar o espaço a todo momento, aos olhos do visitante. “Se a pessoa chegar ao meio-dia, vê uma coisa. Às seis, vê outra”, revela Bia.

Um conjunto de dez performers monta e remonta a exposição em performances. Imagens de obras de mais de oitenta artistas tão distintos entre si, como Cildo Meireles e Ai Weiwei, serão exibidas em telas de monitores de vídeo e em tablets. Equipamentos e móveis hospitalares, como macas e cadeiras, servem de suporte e cenário.

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Em determinados momentos, cortinas converterão o lugar em sala escura, para exibir o trio de filmes que deu origem à mostra, Asfixia, Mercadoria e O Comum (também vão estrear em outras plataformas). O trabalho nasceu durante os primeiros meses de quarentena, quando Bia diz ter sentido um intenso desejo de mudança.

Imagem mostra sala com diversas macas hospitalares.
O mobiliário hospitalar. (Leo Martins/Veja SP)

“Era uma sensação coletiva de que o mundo estava no limite”, diz. “Teremos essa pandemia e milhões de outras catástrofes dessa natureza, vendo que o mundo está à beira do abismo. Ou a gente se transforma ou não consegue ir pra frente.”

Nos filmes, ela discute como é possível repensar a cidade (ou o planeta) a partir do Largo do Paissandu, no centro. “Existem muitas coisas extraordinárias (no largo). A Galeria do Rock, uma coisa icônica e rica, a Galeria Olido, toda a história do (circo do) Piolin…”, explica.

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E segue: “Há o edifício que desabou, os movimentos de moradia popular, a igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e uma área abandonada de cinemas que viraram estacionamento. Lugares feitos para a gente ter emoções extraordinárias que viraram casas para carros. E aí você vai para a rua e tem muita gente sem casa”, aponta.

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Na mostra, conta com a parceria dos arquitetos Guilherme Wisnik e Vitor Garcez, do líder indígena Ailton Krenak e da crítica literária Flora Süssekind. Na Paulista, ela torce para que os cortejos planejados pela via aconteçam, e conta que o Paissandu também receberá um pedacinho do projeto: um inflável terá um QR code que direciona o acesso aos vídeos. Sesc Paulista — Térreo. Avenida Paulista, 119, ☎ 3170-0800. Ter. a sex. 12h/21h. Sáb. e dom. 10h/18h30. → Grátis. Até 29/5. sescsp.org.br.

Azulejos, feridas e história

Adriana Varejão é um dos grandes nomes da arte brasileira da segunda metade do século XX. Na Pinacoteca, a artista carioca tem sua produção revista em uma exposição panorâmica intitulada Suturas, Fissuras, Ruínas, com curadoria do diretor da instituição, o alemão Jochen Volz.

Imagem mostra mulher de roupa amarela ao lado de coluna pintada com mosaico verde e amarelo.
A artista: com Ruína Brasilis, obra doada à Pinacoteca. (Leo Martins/Veja SP)

Trata-se de sua maior mostra e destaque da programação cultural no eixo Rio-São Paulo. Ao todo, são expostas mais de sessenta obras em sete salas e no octógono, espaço central do museu. “Levamos quatro anos para planejar e realizar a exposição”, conta Volz, quantificando, de algum modo, os esforços empreendidos na reunião de pinturas e esculturas vindas de coleções particulares e públicas de dentro e de fora do Brasil.

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As peças datam da década de 80, quando Adriana ainda era estudante no Parque Lage, vide a tela Atlantes (1988), e vão até o presente ano, quando foi concluída a escultura Ruína Brasilis, doada à Pinacoteca.

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Dos anos 90, uma das representantes é Filho Bastardo (1992). No trabalho, ela retrata uma cena que remete às pinturas do francês Debret (1768- 1848), na qual se via a romantização da violência no período colonial. A artista, porém, suscita o debate sobre a agressão, no caso o estupro, por meio da abertura de uma cicatriz na tela, da qual emerge carne e sangue.

Imagem mostra quadro com pintura abstrata azul e branca
Inspiração no barroco: obra Azulejos. (Leo Martins/Veja SP)

Esses dois elementos são recorrentes em sua produção, junto aos azulejos. O trio aparece na já citada Ruína Brasilis, uma coluna com revestimento pintado em verde e amarelo, com inspiração na tradição mexicana, nomeada talavera. As cores, por sua vez, nos lembram a bandeira brasileira e seu uso na atualidade por políticos alinhados a ideias da extrema direita.

Outra obra é a Azulejos, com um pé no barroco. Adriana faz um breve resumo sobre o elemento: “Ele em si é árabe, nem é europeu. E entra na Península Ibérica e no norte do continente africano. Também é visto no período renascentista. Mais ainda, está presente na cultura chinesa e no barroco latino-americano. Você conta uma história muito grande ao falar do azulejo”. Pinacoteca. Praça da Luz, 2, Bom Retiro, ☎ 3324-1000. Ter. a dom., 10h/17h30. Qui. até 20h. R$ 20,00 (grátis aos sábados e quinta, das 18h às 20h). Até 1º/8. pinacoteca.org.br.

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Quase só no virtual

Uma das atrações mais aguardadas do ano, a imersiva Beyond Van Gogh abriu no último dia 17. Com 65 000 tíquetes vendidos só até 28 de março, o céu é o limite para Rafael Reisman, CEO da Blast Entertainment, empresa brasileira que trouxe a mostra para São Paulo e a levará a Brasília a partir de julho.

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Imagem mostra salão com pintura projetada no chão e na parede. Uma pessoa em pé está no centro da imagem, de costas.
Projeção de A Noite Estrelada: experiência imersiva. (Rodrigo Gaya Villar/Divulgação)

“O objetivo é vendermos 400 000 ingressos”, diz sobre as expectativas nas duas praças. Não se trata de uma exibição de originais do pintor holandês, mas de uma projeção mapeada. O ponto alto do trajeto é o galpão com 2 000 metros quadrados, onde são ampliadas centenas de pinturas do artista nas paredes, teto e chão.

É difícil não tirar fotos ou filmar o momento em que o famoso quadro A Noite Estrelada (1889) ocupa todo o espaço e você se sente dentro dessa paisagem. E muito mais difícil é querer sair no meio do looping de projeções que passa por todas as fases da carreira de Van Gogh. MorumbiShopping, ☎ 4003-4132. Seg. a sáb., 10h/22h. Dom. até 19h. R$ 70,00 a R$ 200,00. Até 3/7. livepass.com.br.

Sonho e realidade

Após expressiva visitação na mostra Circonjecturas, montada no Centro Cultural Fiesp em 2018, o artista plástico curitibano Rafael Silveira traz seu surrealismo imersivo para o Farol Santander com a inédita Espuma Delirante, que ocupa todo o 20º andar do prédio.

Imagem mostra sala com cinco esculturas de sorvetes derretidos, coloridos.
Sorvetes derretidos: marca do artista. (Ignacio Aronovic/Lost Art/Divulgação)
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Imagem que é marca de Silveira, o sorvete derretido, presente em todas as suas mostras, é ainda mais desenvolvido na nova exibição, que conta com seis esculturas grandiosas em fibra de vidro, nove projeções e uma escultura interativa.

A iluminação e a sonorização do espaço também contribuem para o mergulho dos visitantes. Farol Santander. Rua João Brícola, 24, centro, ☎ 3553-5627. → Ter. a dom., 9h/20h. Até 7/8. R$ 30,00. farolsantander.com.br.

Olhar enganado

Um dos nomes mais comentados da arte contemporânea argentina, Leandro Erlich tem como marca as ilusões ópticas, aquelas imagens que “enganam” a visão. Um exemplo é a famosa A Piscina, instalação que simula o tanque cheio, mas com apenas uma camada de 10 centímetros de água presa em vidros na superfície — o público pode até andar sobre o chão da piscina.

Imagem mostra homem de óculos escuros sentado no fundo de uma piscina, vazia. Acima, pessoas olham para baixo, entre corpo d'água.
Erlich: ilusão de óptica em instalações como A Piscina. (Guyot/Ortiz/Divulgação)

As dezesseis obras presentes na mostra A Tensão, que será aberta no próximo dia 13, farão parecer que o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) teve seu interior reformado. Haverá um elevador flutuante e uma janela de tijolos em uma parede de vidro, para se ter uma ideia.

A exposição foi um baita sucesso em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, onde ficou de janeiro a março deste ano. Centro Cultural Banco do Brasil. Rua Álvares Penteado, 112, centro, ☎ 4297-0600. → Qua. a seg., 9h/19h. Grátis. A partir de 13/4. Até 20/6. ccbb.com.br.

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Também merece um olhar

Produção afro-brasileira > O baiano Ayrson Heráclito é um importante nome no cenário nacional e uma referência para artistas afro-brasileiros da geração de 30 e poucos anos. Sua produção, com curadoria de Amanda Bonan, Ana Maria Maia e Marcelo Campos, ganha o 4º andar da Estação Pinacoteca a partir deste sábado (2). Entre as obras estão uma instalação da série Bori — Oferenda à Cabeça (2022) e as fotografias Logunedé Com Ofá e Penas de Pavão (2020) e Osún com Abebê e Ofá (2020).

O que essa imagem me conta? > Xingu, no Instituto Moreira Salles (IMS), tem estreia prevista para 8 de outubro. Faz-se nela a discussão sobre a forma como diferentes povos do Parque Indígena do Xingu, em Mato Grosso, são vistos. Isso, por meio do contato das fotografias produzidas por indígenas e não indígenas.

Zerbini em casa > A Mesma História Nunca É a Mesma traz cinquenta trabalhos de Luiz Zerbini. Há gravuras, como Macunaíma (abaixo), pinturas e desenhos. Zerbini, que já teve mostra em Inhotim, nunca havia ganhado uma exposição individual em um museu de grande porte em São Paulo, sua terra natal. Ele é radicado no Rio.

Imagem mostra pintura mostrando folhas em dourado, sobre fundo preto e com detalhes em branco.
Macunaíma, de Luiz Zerbini. (Pat Kilgore/Divulgação)

Portinari high tech > O curador Marcello Dantas traz pinturas de Candido Portinari de forma inovadora, por meio de projeção mapeada no MIS Experience, no centro cultural localizado no bairro da Água Branca.

Volpi robusto > 96 telas do pintor italiano, radicado em São Paulo, especificamente no bairro do Cambuci, ganharam o 1º andar do Masp, em uma exposição robusta, com curadoria de Tomás Toledo.

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Fenômeno > A exposição sobre a escritora Carolina Maria de Jesus, que atraiu mais de 26 000 visitantes, segue até este domingo (3) no IMS. A versão virtual da mostra continuará disponível no site do instituto.

100 anos depois da Semana de 22 > O Teatro Municipal (foto) apresenta, a partir do dia 18, Contramemória, com curadoria do artista Jaime Lauriano e dos pesquisadores Lilia Schwarcz e Pedro Meira Monteiro. No palco onde ocorreu a Semana de 22, obras de artistas do naipe de Denilson Baniwa e Daiara Tukano revisitam o evento paulista em seu centenário.

Imagem mostra fachada de prédio com arquitetura clássica.
Fachada do recém restaurado Teatro Municipal de São Paulo. (Fernando Moraes/Divulgação)

Questionar com acidez > O mineiro Pedro Moraleida (1977-1999), dono de pinturas ácidas em relação à religião cristã e à política, tem mais de 100 trabalhos exibidos na galeria Janaina Torres, a partir deste sábado (2). O curador Ricardo Resende, que não tem medo de artistas questionadores, vide sua relação com Hudinilson Jr (1957-2013), é quem assina a curadoria da mostra individual.

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Dias de feira

Depois de uma edição on-line em 2020 e de uma híbrida, com evento presencial na Arca, na Vila Leopoldina, em 2021, a SP-ARTE retorna entre quarta (6) e domingo (10) a seu tradicional espaço de realização, o prédio Ciccillo Matarazzo, no Parque Ibirapuera. Na 18ª edição, a feira, que é a maior do segmento na América Latina, conta com 130 galerias.

Entre as de maior destaque estão Luisa Strina, Nara Roesler, Fortes D’Aloia & Gabriel e Mendes Wood DM. A presença internacional, se comparada ao histórico do evento, é menor, devido à alta do dólar, que impacta o preço dos trabalhos e o custo em logística.

Os nomes estrangeiros que participam desta edição, a exemplo das americanas Opera Gallery e Piero Atchugarry, não atuam no time mais ilustre de galerias do mercado primário, aquele que vende obras inéditas, de artistas contemporâneos. Por outro lado, são bastante relevantes no mercado secundário, o de peças “revendidas”, de nomes como Picasso, Basquiat e por aí vai.

A feira conta ainda com trinta marcas voltadas ao design e catorze editoras. Uma das novidades é a disposição dos expositores. Agora, os participantes ligados ao design ficam no térreo, onde poderão ser vistos itens como os trabalhos têxteis de Alex Rocca.

As galerias de pequeno e médio portes agora se juntam aos bambas da cena no 2º piso. É lá onde fica o espaço da A Gentil Carioca, com peças de Marcela Cantuária, parte de um projeto em parceria com a cantora Marisa Monte.

No 1º andar, continuam os empreendimentos voltados ao mercado secundário, como a Dan Galeria, o escritório Paulo Kuczynski e o estande da Gomide & Co., que exibe fotografias como No País da Língua Grande, Dai Carne a Quem Quer Carne (1998), de Lenora de Barros.

Imagem mostra boca de mulher com os dentes mordendo a própria língua.
Foto de Lenora de Barros: em exibição. (Maite Claveau/Divulgação)

Vale citar, ainda, o projeto especial Radar. Com curadoria do jornalista Felipe Molitor, conta com uma exposição de obras de artistas que não têm representação de galerias. Considerando a peneira cruel do sistema da arte — são muitos talentos para poucos espaços —, trata-se de uma iniciativa a ser conferida. Complementa a programação de feiras em 2022 a estreante ArPa, no Complexo Pacaembu, que deve acontecer entre 1º e 5 de junho. sp-arte.com.

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Publicado em VEJA São Paulo de 6 de abril de 2022, edição nº 2783

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