A travessia de barca entre Rio de Janeiro e Niterói pela Baía de Guanabara não foi mais a mesma depois que Silvio Santos subiu a bordo, em 1949. Na época, ele tinha 19 anos e trabalhava vendendo bebidas da Antarctica. Com sua voz imponente e bom humor, o garoto usava música e bingo para impulsionar o faturamento. Eleito o maior vendedor da marca no estado, foi convidado pelo diretor da empresa a passar uma temporada em São Paulo.
As portas da esperança estavam abertas: com boa dose de sorte e tino para o mercado popular, tornou-se o maior ícone do entretenimento brasileiro, há quase seis décadas no ar. A devida homenagem ao rei do baú da felicidade, que completa 86 anos na próxima segunda,12, chega na forma de uma retrospectiva no Museu da Imagem e do Som.
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Com inauguração marcada para quarta (7), a mostra Silvio Santos Vem Aí! vai reunir 400 itens de arquivo, como fotos, vídeos e registros de áudio. Entre os objetos, estarão marcas registradas do apresentador, como um exemplar do microfone que durante mais de cinquenta anos foi usado preso ao terno (em 2014, ele adotou uma versão headset). “Eu queria fazer uma exposição sobre a televisão brasileira, e o Silvio Santos é a personificação dessa história”, conta André Sturm, atual diretor da instituição, de saída para assumir a Secretaria de Cultura na gestão do prefeito eleito João Doria.
Depois do projeto inicial, bolado no fim de 2015, foi preciso a autorização do próprio homenageado. O aval saiu em abril deste ano. “O Silvio deixou claro que ele e o SBT ficariam totalmente de fora do processo”, revela Sturm. O comunicador também sugeriu que a mostra não fosse beneficiada pela Lei Rouanet, já que ela poderia ser confundida com autopromoção. O total de 3 milhões de reais investidos veio de recursos do museu e de patrocinadores.
Como se tornou característica das montagens do MIS, a exposição será interativa. Os muitos fãs vão poder entrar em recriações de cenário dos programas de auditório — e participar de vários deles. Será possível tirar a sorte no Roletrando, ouvir críticas de jurados no Show de Calouros, brincar de Qual É a Música e escolher a melhor resposta no Show do Milhão. A única coisa que vai faltar por ali são os aviões de dinheiro. O ingresso custa 12 reais. A venda antecipada teve início em outubro. Até a semana passada, aproximadamente 3 800 entradas haviam sido comercializadas.
Dividida cronologicamente, a imersão começa com causos da infância carioca de Senor Abravanel (seu nome de nascimento), como as idas semanais ao Cine OK, na Cinelândia, e avança por episódios suculentos de suas empreitadas. Em 1959, por exemplo, o radialista Manoel de Nóbrega recorreu a Silvio para salvar o Baú da Felicidade. Ele percebeu que, se bem administrado, o negócio valeria uma fortuna. Criou então a Caravana do Peru que Fala, que circulava pela Grande São Paulo e pelo interior. Com um boneco ventríloquo (também em exibição), o showman convencia qualquer um a comprar os tais carnês.
Durante o passeio, os visitantes poderão achar difícil conter a vontade de falar bordões como “É namoro ou amizade?”. Para pôr lenha na nostalgia, mais de trinta participantes icônicos, como os jurados Wagner Montes e Sérgio Mallandro e o humorista Carlos Alberto de Nóbrega, relatam suas memórias em vídeo. A turma do MIS também rastreou casais que se conheceram no Namoro na TV. Estará contado ali o caso de Joselina e João dos Reis, participantes da série em 1968 que tiveram Silvio como padrinho do matrimônio.
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No fim da década de 60, o apresentador chegou a ter quarenta atrações ao mesmo tempo no ar. “Fizemos a coleta de diferentes acervos para exibir todas as suas faces”, explica Gabrielle Araújo, cocuradora e produtora da mostra. Ao lado de Elmo Francfort, diretor do Museu Pró-TV, ela garimpou objetos como a primeira câmera de filmar do país. “As emissoras demoraram muito para se preocupar com a preservação da memória. Estamos trabalhando nisso agora”, conta Francfort.
Para atingir o resultado esperado, a equipe do museu pediu ajuda aos universitários. Levy Fioriti, autor do site Pagina do Silvio Santos, emprestou quarenta discos de marchas de Carnaval gravadas pelo apresentador. Os itens complementam o acervo proveniente da Galeria da Fama, o museu do SBT. Estudioso da carreira de Silvio há dezessete anos, Fioriti buscou artigos em sebos da capital. “Sempre me interessou a maneira como ele hipnotiza as pessoas”, diz.
Allan Gomes, outro “silviólogo” de carteirinha, auxiliou na montagem da linha do tempo, eliminando controvérsias. “Seu primeiro programa foi de 1960, não de 1962, como dizem”, garante. O homenageado confirmou presença na mostra. Acompanhado da esposa, Íris Abravanel, vai chegar sem avisar e comprar ingressos na bilheteria. “Nossas câmeras de segurança já estão bem posicionadas para quando isso acontecer”, brinca Gabrielle Araújo.
BAÚ DA FELICIDADE
Alguns itens imperdíveis da mostra
A pipa do vovô. Silvio gravou mais de quarenta discos de marchinhas, que vão tocar ao longo da exposição
Ai, ai, ai, ui, ui,ui. Carnê de mercadorias, datado de 1970, mostra como era participar do Baú da Felicidade
É ou não é? A câmera RCA do modelo TK 60 foi utilizada para a gravação do Programa Silvio Santos exibido nos anos 60
MIS. Avenida Europa, 158, Jardim Europa, ☎ 2117-4777. R$ 12,00 (de quarta a domingo; grátis às terças). IR. Até 12 de março de 2017.