Chico Bento nos cinemas: tudo sobre o filme e o protagonista Isaac Amendoim
Longa que estreia nesta semana foi gravado no interior de São Paulo e traz mensagem sobre natureza e progresso; confira entrevista com Mauricio de Sousa

Para aqueles com memórias alegres da infância marcada pelos gibis da Turma da Mônica, e também para os pequenos que estão conhecendo agora o universo encantado de Mauricio de Sousa, o longa Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa, que estreou nos cinemas na quinta-feira (9), é um presente.
Gargalhadas, atuações cativantes e mensagens sobre amizade e respeito à natureza levam o filme para além do público infantil — é um programa para toda a família.
Gravada no interior de São Paulo, nas cidades de Itatiba e Bragança Paulista, é a primeira adaptação cinematográfica do carismático personagem interiorano das histórias em quadrinhos, criado em 1961.





No roteiro, assinado pelo diretor Fernando Fraiha com Elena Altheman e Raul Chequer, a goiabeira preferida do protagonista, localizada no sítio de Nhô Lau, é ameaçada pelo projeto do Dotô Agripino de construir uma estrada na Vila Abobrinha — e resta a Chico e seus amigos a missão de salvá-la.
Com produção da Biônica Filmes e coprodução de Mauricio de Sousa Produções, Paris Entretenimento e Paramount Pictures, o filme é protagonizado pelo jovem ator e influenciador mineiro Isaac Amendoim e traz no elenco talentos mirins como Pedro Dantas (Zé Lelé), Anna Júlia Dias (Rosinha) e Lorena Oliveira (Tábata) — e, no time dos adultos, nomes carimbados como Débora Falabella (Dona Marocas), Luis Lobianco (Nhô Lau), Augusto Madeira (Dotô Agripino) e Taís Araujo (em participação especial no papel da Dona Goiabeira).
Entre 3 500 candidatos a viver o caipira nas telonas, Isaac Duarte Ferreira foi o escolhido. Natural de Perdões e morador de Cana Verde — cidades vizinhas no interior de Minas Gerais que, somadas, não chegam a 30 000 habitantes —, o pequeno já fazia sucesso nas redes sociais antes mesmo dos testes, com vídeos mostrando o seu dia a dia na roça.



Hoje com 11 anos de idade, Isaac Amendoim, cujo apelido carinhoso foi dado pela sua avó, por ter nascido pequenino, tem mais de 3,7 milhões de seguidores no Instagram. “Desde cedo eu tinha o sonho de ser youtuber, pegava escondido o celular da minha mãe para gravar. Um dia chamei o meu primo para gravar comigo, e bateu 10 000 (visualizações)”, explica Amendoim.
Mas seu perfil estourou mesmo quando começou a fazer dupla com Gustavo Tubarão, outro influencer de Cana Verde. “Esse primo, Rafael, é amigo do Tubarão, que veio um dia em casa e fez um convite para os dois gravarem juntos. O Isaac tinha 100 seguidores, eram umas 17 horas — o Gustavo marcou ele no vídeo, e, duas horas depois, saltou para 75 000 seguidores”, relembra a mãe, Márcia Érica.
Ela conta que, na infância, aprendeu a ler com os gibis da Turma da Mônica. “Essa é a parte mais louca da minha vida. Minha mãe era faxineira e trabalhava em três, quatro casas por semana, a maioria com crianças. Eles assinavam várias revistinhas, então era a minha alegria diária acompanhar a minha mãe, porque, enquanto ela limpava, eu lia os gibis. E o Chico Bento era o que eu mais gostava, sempre foi”, conta, emocionada.



O jovem Isaac afirma que quer seguir a carreira de ator e fazer mais filmes. “Foi uma experiência única que eu vou guardar para sempre.” Brincalhão e de sotaque puxadérrimo, Isaac passou por São Paulo em dezembro para apresentar o longa na CCXP24 e, a convite da Vejinha, visitou o Parque Ibirapuera para uma sessão de fotos.
A pé pelo oásis verde paulistano, Amendoim foi reconhecido e até parado por seguidores. Perguntado se o parque lembrou a sua roça em Minas Gerais, respondeu à la Chico Bento: “Mais ou menos. A roça num tem jeito, né?”. Da cidade grande, o que gostou mais foram “os prédios”. E, de menos, “o trânsito” — um ponto comum com os paulistanos.

O carisma é traço autêntico da criança que, tão cedo e sem passagem pelo teatro, mandou ver no filme. “Decorar falas não foi difícil, porque ensaiamos brincando, foi divertido. Mas um trem que eu achei difícil foi chorar”, revela o ator mirim, que vê semelhanças entre si e o personagem dos quadrinhos. “Olha, ele mora na roça, eu também. Gosta de bicho, eu também. Eu acho que nós somos muito parecidos”, resume.
O diretor conta que a preparação de Isaac, assim como das outras crianças, foi muito fluida. “O Isaac é um poço infinito de carisma, uma criança incrível. E o processo dele foi muito lindo, desde o primeiro contato, em que ele chegou para o teste de elenco com uma calopsita dentro de uma caixa de sapato (risos)”, comenta Fraiha.





O próprio Mauricio de Sousa se impressionou com a espontaneidade de Amendoim, e foi quem deu a notícia de que ele viveria o seu personagem nas telonas. “O que mais me chamou atenção nele foi a naturalidade com que se conectou ao espírito do Chico. Ele tem aquele jeitinho simples, meio tímido, mas com um brilho no olhar. Quando o vi em cena pela primeira vez, pensei: ‘Esse menino é o Chico!’. Ele trouxe uma autenticidade que me emocionou, e fiz questão de dar a notícia pessoalmente”, disse o criador.
Esse lançamento vem na esteira de adaptações live-action (com atores e atrizes reais) do universo dos gibis, com filmes como Turma da Mônica: Laços (2019) e Turma da Mônica: Lições (2021), dirigidos por Daniel Rezende, e séries como Turma da Mônica — A Série (2022) e Franjinha e Milena: Em Busca da Ciência (2024).
Todos esses trabalhos foram produzidos pela empresa Biônica Filmes, fundada em 2012 na capital paulista por Bianca Villar, Karen Castanho e Fernando Fraiha. O diretor, que já assinou os longas-metragens La Vingança (2016) e Bem-vinda, Violeta! (2022), é um dos membros do coletivo humorístico TV Quase, sendo diretor e um dos criadores do programa Choque de Cultura — o que explica o humor contagiante de Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa.

Foram nove semanas de ensaio com os atores antes das gravações, que aconteceram ao longo de julho de 2023 em quatro fazendas no interior paulista. A história do filme é original, com pitadas de inspiração de diferentes gibis.
A ideia nasceu da imagem do Chico Bento defendendo uma goiabeira de um trator. “Pensamos em criar uma história que emocionasse, sentindo a gravidade de uma árvore ser cortada, a vontade de lutar contra isso, a frustração de não ser escutado. A mensagem é consequência”, diz o diretor.
“É uma discussão muito brasileira. Temos uma vocação ambiental forte. Dá para ter progresso ao mesmo tempo? Como avançar e ao mesmo tempo preservar a natureza?”, completa a produtora Karen, que ainda diz que existem planos de levar o filme para fora do Brasil, após a estreia nacional. Além dos voos dessa primeira adaptação, já foi confirmada uma sequência do filme.

A estreia nos cinemas, nesta quinta-feira (9), acompanha um momento quentíssimo do cinema brasileiro, com o sucesso internacional de Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, protagonizado por Fernanda Torres, premiada com um Globo de Ouro no último domingo (5).
“Esse efeito veio em um momento maravilhoso, que é trazer as pessoas de volta para o cinema. O teatro retomou muito bem depois da pandemia, mas o cinema brasileiro não, até agora. As pessoas estão redescobrindo esse hábito. Tenho dito que Chico Bento tem que ser o Ainda Estou Aqui das crianças, um filmaço para elas amarem com a família”, diz Luis Lobianco, que interpreta Nhô Lau.
“O Brasil tem muito talento, as coisas são difíceis de produzir, os orçamentos são baixos comparados ao mercado internacional, mas acho que, com o nosso esforço, a gente consegue mostrar um pouco da arte brasileira para o mundo”, comenta Marcos Saraiva, diretor-executivo da Mauricio de Sousa Produções (MSP).

A marca tem grandes projetos à vista, como novas séries animadas, um filme do dinossauro Horácio e, já no segundo semestre, um longa biográfico de Mauricio de Sousa, que completa 90 anos em outubro.
Toda a equipe de Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa ressalta que é uma obra apaixonante para todas as gerações, não só para as crianças. “É muito lindo a gente poder formar um público infantil no cinema, ainda mais com uma história tão brasileira. E são várias gerações, como a minha — acho que não tem uma pessoa que não esteja com vontade de assistir”, diz Débora Falabella, que interpreta a professora Marocas.
Quando se fala em público infantil, outro grande trunfo do longa é mostrar uma infância cada vez mais rara: ao ar livre, de pés descalços, sem celulares e televisões.

“O Chico Bento foi, desde o início, uma homenagem ao jeito simples de viver e à conexão com a natureza. Criar ele, lá atrás, foi uma forma de preservar na memória dos leitores a infância que eu vivi. E olha, mesmo em 2025, com toda essa revolução digital, esta mensagem continua tão ou até mais importante do que era antes”, afirma Mauricio de Sousa.
Que o filme seja um convite a uma vida mais harmoniosa e próxima da natureza, para as crianças, de pouca ou muita idade, que vivem dentro de nós.
4 perguntas para Mauricio de Sousa
Mauricio, como você criou o personagem Chico Bento?
O Chico nasceu na década de 1960, das minhas memórias e da mi- nha família. O nome foi uma homenagem ao meu tio-avô, Francisco Bento, que era uma pessoa superalegre e divertida, sobre quem eu ouvi muitas histórias quando era criança. A minha ideia era criar um personagem que mostrasse toda a alegria e a simplicidade do interior, assim como eu vivi. Eu já passei por muitas daquelas situações. O carisma e a espontaneidade do Chico tocam o coração de muita gente. E isso é gratificante porque significa que eu consegui passar um pouquinho da minha história e da paixão que tenho pela vida no campo para as novas gerações.

Por que você acredita que o Chico Bento é um personagem especial?
Ah, sabe, o Chico Bento tem aquela simplicidade que conquista todo mundo! Ele é um menino da roça, com o coração puro, cheio de esperança, e uma visão única do mundo ao seu redor. Acho que o que o torna tão especial é essa mistura de inocência com sabedoria popular. Os leitores se identificam com a sinceridade dele, com o jeito de valorizar as pequenas coisas da vida, como a natureza, a família e os amigos. O Chico nos lembra que a felicidade está nas coisas simples. Isso toca o coração.
Como você participou do filme?
Olha, eu acompanhei de pertinho todo o processo de produção. Desde o começo, quis garantir que a essência do Chico estivesse lá, intacta. Participei das primeiras conversas sobre o roteiro, opinando sobre os elementos da história que precisavam ser mantidos: o jeitinho simples e teimoso do Chico, o carinho pela natureza e, claro, o humor ingênuo que faz todo mundo rir. A Goiabeira, por exemplo, é um símbolo muito importante na vida do Chico. Ela não é só uma árvore: é o lugar de seus sonhos, de seus pensamentos mais profundos. Também dei algumas sugestões em detalhes do visual da produção. Queria que tudo transmitisse a autenticidade do ambiente rural brasileiro, aquele cheirinho de terra molhada e o calor humano do interior. O resultado me deixou muito orgulhoso e tenho certeza de que o público sentirá o mesmo encanto que eu senti ao ver esta história ampliada em imagens na telona.

Em outubro, você completa 90 anos. Como você se sente, neste momento da sua vida, ao ver as suas criações rendendo novos frutos?
Olha, eu vou te contar: é uma sensação de muita alegria e gratidão. Quando comecei, lá nos anos 50, a desenhar minhas primeiras tiras, jamais imaginei que um dia minhas criações tomariam proporções tão grandes. Ver a Turma da Mônica, o Chico Bento e tantos outros personagens ganhando vida em filmes, séries, musicais e projetos diferentes é como assistir a um sonho multiplicado. E eu sinto que ainda há muito por vir. Completar 90 anos e continuar vendo o universo da MSP (Mauricio de Sousa Produções) crescer é uma experiência emocionante. É como plantar uma árvore lá atrás e, hoje, ver uma floresta inteira se formando. E não é só o crescimento dos projetos que me deixa feliz, mas o fato de que eles continuam tocando as pessoas, emocionando diferentes gerações. ■
Publicado em VEJA São Paulo de 10 de janeiro de 2024, edição nº 2926