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OLÁ,

A história de Dona Hugueta, ex-aluna de Mário de Andrade que entrou na universidade aos 70

Ela tem 95 anos, é regente de coral da Casa do Povo e memória viva da história paulistana

Por Guilherme Queiroz
Atualizado em 27 Maio 2024, 19h17 - Publicado em 5 nov 2021, 06h00
Uma senhora grisalha de 95 anos posa sentada, com camisa social rosa, em frente a um piano. Há uma partitura aberta no instrumento
Hugueta no seu apartamento: universidade depois dos 70 (Rogerio Pallatta/Veja SP)
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Ela bate três vezes na mesa: “Você conhece alguém de 95 anos que não precisa tomar nenhum remédio? Está conhecendo agora”, diz Hugueta Sendacz. Membro da Casa do Povo — entidade judaica do Bom Retiro — desde sua fundação, em 1946, a pianista e maestrina comemora a realização de um sonho: a encenação de uma peça de teatro que ela viu em 1948 no Teatro Municipal.

No dia 11 de novembro, Leste, com direção de Martha Kiss, estreia gratuitamente na Casa, como adaptação de um musical iídiche (lingua de origem germânica usada por comunidades judaicas). O texto original foi traduzido por Hugueta. “Minha mãe esteve na encenação em 1948. Acho que devo ser a única viva que assistiu à peça naquele tempo.”

Uma conversa com Hugueta é um passeio pela história paulistana. Seu pai, fugindo do antissemitismo na Polônia, onde ela nasceu, era dono de uma fábrica de bonés no Bom Retiro, bairro de onde a família jamais saiu. Em 1932, criança ainda, a musicista lembra de ajudar a remover os fiapos das boinas manufaturadas pelo pai, usadas pelos soldados paulistas na revolução daquele ano.

Formada em piano pelo Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, teve como professor um dos precursores do modernismo brasileiro, Mário de Andrade. “O que eu sei de arte é graças a ele”, conta.

Por décadas, Hugueta tocou ao lado do marido, José Sendacz, uma confecção de roupas no Bom Retiro. Em 1987, anos após a morte do companheiro, que foi um dos fundadores da Casa do Povo, o negócio fechou e ela tirou um mês para si: viajou para a China em 1990, um anseio criado nos tempos em que devorava livros durante a infância.

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Sorrindo, lista os países que visitou ao lado de José, com quem teve três filhos e, garante, foi e será o único amor de sua vida. Apesar da memória afiada, tem suas colinhas: cultiva dezenas de diários de viagem, com relatórios de cada uma das excursões, guardados entre os livros, discos e CDs que decoram o apartamento em que ela mora há mais de sessenta anos.

Hugueta só ingressou na universidade aos 70 anos, para conduzir com profissionalismo o Coral Tradição, que canta em iídiche. “São músicas tradicionais folclóricas”, diz a maestrina.

Incansável, aprendeu depois dos 90 a cozinhar. “Minha mãe não deixava, a princesa aqui era só para tocar piano”, conta ela, que afirma fazer um gefilte fish, prato judaico, delicioso. Em tempos não pandêmicos, ela pode ser encontrada no Parque Jardim da Luz ou nas areias de Santos. “É uma cidade deliciosa”, diz Marina, 74, sua filha, que, durante toda a entrevista, observou, admirada, a mãe relembrar suas aventuras.

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Saiba mais sobre a peça Leste nesta reportagem.

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Publicado em VEJA São Paulo de 10 de novembro de 2021, edição nº 2763

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