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Beatriz Milhazes ganha megaexposição no Masp e no Itaú Cultural

Autora da obra mais cara de um artista brasileiro vivo comemora 30 anos de carreira com cerca de 170 telas, gravuras e colagens, incluindo inéditas

Por Tatiane de Assis Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 27 Maio 2024, 16h51 - Publicado em 11 dez 2020, 06h00
Arte na pandemia: “Uso máscara na montagem o tempo todo. É preciso mostrar o Brasil que está se protegendo”
Arte na pandemia: “Uso máscara na montagem o tempo todo. É preciso mostrar o Brasil que está se protegendo” (Alexandre Battibugli/Veja SP)
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A famosa Avenida Paulista dá nome à megaexposição da carioca Beatriz Milhazes, 60, feita em conjunto pelo Itaú Cultural e pelo Masp e orçada em cerca de 2,2 milhões de reais. As instituições, localizadas também na referida via, inauguram seus braços da mostra nesta sexta (11) e no dia 18, respectivamente. “Vai ter duas telas de 1989 e a partir daí será coberta cada uma das três décadas da minha trajetória, olhando para pintura, gravura e colagem”, adianta a artista, que produziu uma tela homônima da exibição, com 2,5 metros de altura. O ponto de partida dessa empreitada com mais de 170 obras reunidas ocorreu em 2018, quando ela recebeu o convite para duas exposições distintas. Uma, no Itaú Cultural, com curadoria de Ivo Mesquita. A outra, no Masp, sob o comando do diretor artístico Adriano Pedrosa e da curadora assistente Amanda Carneiro. Beatriz conhecia Mesquita desde a histórica Como Vai Você, Geração 80?, realizada no Parque Lage, em 1984. Já Pedrosa foi seu aluno na escola no próprio Parque Lage. Entre amigos, ela sugeriu então unir as iniciativas. Para alegria dos visitantes paulistanos, foi ouvida pelas partes.

Beatriz Milhazes no Masp: megaexposição da artista ocorre também no Itaú Cultural
Beatriz Milhazes no Masp: megaexposição da artista ocorre também no Itaú Cultural (Alexandre Battibugli/Veja SP)

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A artista iniciou os preparativos da exibição na quarta (9), depois de uma viagem de carro de mais de seis horas para a capital paulista. Evitar o avião foi uma forma de prevenção da Covid-19: “Uso máscara na montagem o tempo todo, faço questão de estar assim na capa da revista. É preciso mostrar o Brasil que está se protegendo.

TRÊS DÉCADAS DE BEATRIZ MILHAZES

No princípio, eram os tecidos: obra sem título, de 1981, traz as iniciais da artista. Não faz parte da megaexposição.
No princípio, eram os tecidos: obra sem título, de 1981, traz as iniciais da artista. Não faz parte da megaexposição. (Divulgação/Veja SP)
Agora É Hora de Não Fazer Nada (1989): tela, que também não integra a mostra, revela a influência barroca na sua produção
Agora É Hora de Não Fazer Nada (1989): tela, que também não integra a mostra, revela a influência barroca na sua produção (Galeria Fortes Vilaça/Veja SP)
Antes e agora: escultura de 1987, linguagem reaparece em Marola (2015), que vai estar no Masp
Antes e agora: escultura de 1987, linguagem reaparece em Marola (2015), que vai estar no Masp (Sem autor/Acervo Veja Rio/Veja SP)
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Cabeça de Mulher (1996): serigrafia com círculos e arabescos
Cabeça de Mulher (1996): serigrafia com círculos e arabescos (Divulgação/Acervo Veja BH/Veja SP)
Belezinha (2011): No Masp, formas fundidas convidam o visitante a confundir primeiro, segundo e outros planos
Belezinha (2011): No Masp, formas fundidas convidam o visitante a confundir primeiro, segundo e outros planos (Manuel Águas & Pepe Schettino/Veja SP)

Beatriz iniciou seu namoro com São Paulo em 1988, quando realizou aqui, não em seu Rio natal, sua primeira mostra individual na extinta galeria Suzanna Sassoun. “Foi um momento importante, mas eu achava que eu tinha tanta coisa para explorar”, relembra a artista, que um ano mais tarde criaria uma técnica nomeada por ela de monotransfer. Trata-se da aplicação de tinta acrílica em uma tira de plástico transparente, que depois é “carimbada” na tela. Uma maneira de fazer pintura, sua linguagem-mãe, mas longe do gesto e do pincel. Graças a essa espécie de decalque, conseguiu criar sobreposições singulares. Depois disso, ela iria bem longe, viria a participar das bienais de São Paulo, em 1998 e 2004, e de Veneza, em 2003, e figurar em acervos internacionais relevantes como o do MoMA (Museu de Arte Moderna), de Nova York.

PASSEIO PELA EXPOSIÇÃO

Carioca (2006): Única tapeçaria exibida, de 4 metros quadrados, combina rosáceas, ornamentos que estilizam pétalas de flores e eram bastante presentes na arquitetura gótica
Carioca (2006): Única tapeçaria exibida, de 4 metros quadrados, combina rosáceas, ornamentos que estilizam pétalas de flores e eram bastante presentes na arquitetura gótica (Manuel Águas & Pepe Schettino/Veja SP)
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Um dos ambientes da exposição no Itaú Cultural: gravuras e colagens distribuídas em três pisos
Um dos ambientes da exposição no Itaú Cultural: gravuras e colagens distribuídas em três pisos (Rogério Pallatta/Veja SP)
O Bailarino (2019): Na pintura de 2 metros de altura e 2,5 de largura, uma espécie de Kandinsky tropical, o adornamento barroco brinca com a geometria em favor da botânica
O Bailarino (2019): Na pintura de 2 metros de altura e 2,5 de largura, uma espécie de Kandinsky tropical, o adornamento barroco brinca com a geometria em favor da botânica (Pepe Schettino/Veja SP)
Flor de Margarida em Vermelho, Pink e Lilás (2019): coreografia de listras, retângulos, estrelas e círculos
Flor de Margarida em Vermelho, Pink e Lilás (2019): coreografia de listras, retângulos, estrelas e círculos (Pepe Schettino/Veja SP)
Giro Horizontal (2019): semicírculos se desencontram na engrenagem construída a partir de materiais mundanos, como embalagens de chocolate
Giro Horizontal (2019): semicírculos se desencontram na engrenagem construída a partir de materiais mundanos, como embalagens de chocolate (Pepe Schettino/Veja SP)

Outra característica da produção é a forma como ela conjuga, sem criar hierarquias, a explosão de cores do carnaval carioca e as pinturas faciais da etnia indígena Kadiwéu com a história da arte ocidental, com destaque para o período barroco e a influência de artistas como Henri Matisse (1869-1954) e Tarsila do Amaral (1886-1973). “As obras apelam aos sentidos, mas são calcadas no pensamento racional, geométrico, vindo dos movimentos concreto e minimalista”, explica Mesquita, que no Itaú Cultural orquestra gravuras e colagens, a exemplo de Flor de Margarida em Vermelho, Pink e Lilás (2019) e Giro Horizontal (2019). Seu comentário rebate críticas negativas à carioca. Em 1990, o crítico Otávio Tavares de Araújo, no jornal O Estado de S. Paulo, disse: “O crescimento de Beatriz também tem sido imenso, em quatro anos, mas em seu caso, surgem algumas dúvidas sobre a tendência que a arte dela está abraçando: elementos ostensivamente decorativos transformados em pintura. Mesmo partindo do princípio de que a arte deva ser fonte do prazer, é um prazer específico que não ultrapassa a gratificação dos sentidos”. Ao longo dos anos, questionamentos assim se repetiriam, mas de forma anônima. Se somaria à resistência estética uma espécie de preconceito gerado pelo expressivo sucesso comercial da carioca. Em 2012, Meu Limão (2000) foi vendida por 10 milhões de reais em um leilão da Sotheby’s, tomando para si o recorde da obra mais cara de uma artista brasileira viva. Em 2016, Beatriz quase bateu sua própria marca, ao ter Summer Love — Gamboa Seasons (2010) negociada por 22 milhões de reais na SP-Arte. “Ao final da feira, a compra não se concretizou. Era um trabalho consignado, parte de uma coleção particular, não sei dizer se a venda foi feita posteriormente”, detalha o galerista Ulisses Cohn. Ainda figuraria na lista de parcerias colaborações com a loja inglesa Selfridges, em 2007, e a francesa Louis Vuitton, em 2020.

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OS LOUROS DE MILHAZES

Meu Limão (2000): tela que deu a Beatriz o recorde de obra mais cara já vendida por uma artista brasileira viva foi leiloada por 2,1 milhões de dólares (cerca de 10 milhões de reais) na Sotheby’s em 2012
Meu Limão (2000): tela que deu a Beatriz o recorde de obra mais cara já vendida por uma artista brasileira viva foi leiloada por 2,1 milhões de dólares (cerca de 10 milhões de reais) na Sotheby’s em 2012 (Manuel Águas & Pepe Schettino/Veja SP)
Bolsa Milhazes-Vuitton: a colaboração da artista com a marca Louis Vuitton é mais um capítulo de seu flerte com a moda. Ela também é amiga do estilista Christian Lacroix
Bolsa Milhazes-Vuitton: a colaboração da artista com a marca Louis Vuitton é mais um capítulo de seu flerte com a moda. Ela também é amiga do estilista Christian Lacroix (Instagram/Reprodução)
Incursão inglesa: mural feito na fachada da loja Selfridges, que fica em Manchester, evidencia sua circulação para além do circuito tradicional
Incursão inglesa: mural feito na fachada da loja Selfridges, que fica em Manchester, evidencia sua circulação para além do circuito tradicional (Divulgação/Veja SP)
Pavilhão brasileiro na Bienal de Veneza em 2003: sua inserção internacional e participação prestigiosa em uma das mais importantes mostras do circuito artístico mundial também se fez graças a trabalhos em acervos de instituições como o MoMA, de Nova York, e o parisiense Pompidou
Pavilhão brasileiro na Bienal de Veneza em 2003: sua inserção internacional e participação prestigiosa em uma das mais importantes mostras do circuito artístico mundial também se fez graças a trabalhos em acervos de instituições como o MoMA, de Nova York, e o parisiense Pompidou (Cortesia do artista/Veja SP)
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“Ela reinventa o trabalho o tempo inteiro, encontra novos problemas e cria soluções que a gente nunca viu”, afirma Pedrosa. No Masp, haverá cerca de noventa obras, incluindo Belezinha (2011) e O Bailarino (2019). Essa última, com 2 metros de altura, estará em estruturas inspiradas nos cavaletes de cristal de Lina Bo Bardi (1914-1992). O novo projeto tem bases de metal e placas de MDF, cobertas por linho branco, permitindo apresentar duas obras, na frente e no verso de cada armação. Também nesse núcleo está Avenida Paulista (2020), produzida na pandemia e doada ao museu. “Os títulos que ela dá não são indicativos. Têm uma dimensão poética, criando uma atmosfera paralela ao que é visto”, adverte Amanda, que também assina a curadoria. Em tempos de isolamento, Beatriz mudou seus processos: “Fiquei três meses trabalhando em casa. Pela primeira vez, fiz o esboço da pintura em um papel. Quando voltei ao ateliê é que comecei a tradução. Desenhar é quase uma escrita, você pode criar coisas mais imaginativas”. Adepta de musculação, pilates e caminhada para dar conta da rotina intensa de trabalho, deixa um conselho a quem a admira e deseja traçar o caminho artístico: “Mantenha o foco sempre, todas as áreas da minha vida são pensadas a partir da minha pintura”.

CRIATIVIDADE EM FAMÍLIA

Beatriz se nutriu já em casa da música popular brasileira e da história da arte

Passeio na infância: clã com Beatriz (à esq.), sua irmã Márcia, o pai, José, e a mãe, Glauce, todos entusiastas da cultura brasileira
Passeio na infância: clã com Beatriz (à esq.), sua irmã Márcia, o pai, José, e a mãe, Glauce, todos entusiastas da cultura brasileira (Arquivo pessoal/Veja SP)
Márcia e Beatriz: parceria das irmãs migrou de dentro de casa para as artes
Márcia e Beatriz: parceria das irmãs migrou de dentro de casa para as artes (Arquivo pessoal/Veja SP)
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Mostra Como vai você, Geração 80? no Parque Lage: estreia na exposição coletiva do Parque Lage, onde também foi aluna e professora
Mostra Como vai você, Geração 80? no Parque Lage: estreia na exposição coletiva do Parque Lage, onde também foi aluna e professora (Fernando Pimentel/Veja SP)
Espetáculo Tempo de Verão (2014), da companhia de Márcia: Beatriz fez ali a primeira versão da escultura Gamboa
Espetáculo Tempo de Verão (2014), da companhia de Márcia: Beatriz fez ali a primeira versão da escultura Gamboa (Alceu Bett/Veja SP)
Relato materno: depoimento da mãe de Beatriz, Glaucia Milhazes, de 81 anos
Relato materno: depoimento da mãe de Beatriz, Glaucia Milhazes, de 81 anos (Veja SP/Veja SP)

Beatriz Milhazes, Avenida Paulista

Masp. Av. Paulista, 1578, 3149-5959. Terça, 10h às 19h30, quarta a sexta, 13h às 18h30; sábado e domingo, das 10h às 17h30. R$ 44,00. Grátis às terças e quartas até 30 de dezembro. De 18 de dezembro a 30 de maio de 2021. Agendamento: tinyurl.com/qkmez55

Itaú Cultural. Av. Paulista, 149, Bela Vista, 2168-1777. Terça a sexta, 13h às 19h; sábados e domingos, 10h às 16h. Grátis. Até 30 de maio de 2021. Agendamento: tinyurl.com/y232fs8u

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 16 de dezembro de 2020, edição nº 2717. 

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