Quadros de Tarsila do Amaral e Picasso ou frases da internet: não importa qual seja o assunto, tudo é fonte de inspiração para os artesãos que fazem sucesso vendendo roupas bordadas. Com diferentes formatos, estilos e missões, marcas compartilham a missão de produzir roupas manualmente, em uma constante luta contra o fast-fashion. “A peça feita à mão conecta o artesão ao consumidor. Tem um valor afetivo tanto para quem faz quanto para quem recebe”, pontua Ana Luiza Nigri, uma das sócias do Projeto Fio.
“A camiseta é como um quadro em branco onde consigo me expressar”, conta Bruno Aranha, idealizador da marca De Araque, famosa nas redes e nas araras por produzir camisetas com frases cômicas. Mais de 400 roupas bordadas com expressões como “Queria chorar mas não dá tempo” são vendidas todo mês na loja física em Pinheiros e on-line, a um preço que varia entre 120 e 500 reais. A inspiração vem de todos os lados, de mensagens engraçadas que Aranha recebe no WhatsApp, sugestões de clientes ou até memes. O cenário político brasileiro também é uma grande fonte de humor, conta, citando a peça que carrega a frase “Que tistreza”, em alusão à fala do candidato à presidência Felipe D’Ávila que virou meme na internet. Referências contemporâneas como a frase “Attenzione Pick Pocket!!!” trazem atualidade à técnica milenar. “Tento me comunicar na velocidade do on-line”, conta Aranha.
Já a Ela Company, marca criada em Presidente Prudente, leva o bordado para o lado artístico, produzindo peças inspiradas em obras de Matisse, Picasso e Tarsila do Amaral. Rafaela Yo, sócia idealizadora e bordadeira da marca, formada em artes plásticas, criou o empreendimento como parte de seu TCC e até hoje conduz o negócio inteiro sozinha: elabora os desenhos, borda e ainda cuida das redes sociais, do site e do financeiro. O diferencial da marca de Rafaela é que ela trabalha exclusivamente com peças usadas, com a missão de minimizar o impacto ambiental. “É bizarro, com tantas opções de peças já existentes, criar algo do zero”, expressa. O carrochefe são as camisas de botão, mais facilmente encon – tradas em bom estado de conservação nos brechós.”As peças antigas, em geral, são mais bonitas e têm uma qualidade melhor. Parecem novas mas são muito mais especiais”. Afinal, cada peça produzida pela artista é única.
Enquanto assiste a programas dublados — para manter a atenção 100% voltada para as mãos —, ela copia obras modernistas na tela do computador e passa no mínimo uma hora bordando. “Gosto dos modernistas porque são desenhos que se transformam mais facilmente em bordado”, conta a artesã, que recorre ao repertório artístico obtido na faculdade para inspiração.
O uso de peças de brechó, apesar de exigir um garimpo extenso, permite que os produtos sejam vendidos a um preço mais acessível, por cerca de 160 reais. Mas nem todos se animam com a proposta: segundo ela, ainda há muito preconceito com roupas de segunda mão, associadas a más energias. “O que tem energia ruim são essas peças de trabalho escravo”, retruca.
A preocupação ecológica é compartilhada pelo Projeto Fio, organização carioca. Segundo Ana Luiza Nigri, sócia do negócio ao lado de Leticia Ozorio, Marina Bittencourt e Olivia Silveira, 90% dos tecidos utilizados são biodegradáveis. Mas a principal missão é a profissionalização de mulheres de comunidades, em especial da Maré e da Tijuquinha. “Queríamos fazer algo com impacto positivo para as mulheres, já que a moda sempre foi uma área de muita exploração da mão de obra feminina”, conta Ana Luiza.
Elas começaram promovendo oficinas de bordado para as mulheres das comunidades no Rio, e hoje contam com uma rede de 40 artesãs, que produzem os bordados e ajudam a elaborar os designs, criados em rodas de conversas coletivas. Uma camisa de botão produzida pelo Projeto Fio pode ser comprada por cerca de 350 reais. “Buscamos sempre valorizar o trabalho do artesão e estipulamos o valor em conjunto com as bordadeiras, pensando no tempo gasto para produzir a peça”, explica.
Em comum, as três marcas compartilham a dificuldade de sustentar um negócio artesanal. “É difícil competir com um mercado que produz muito rápido, uma luta diária”, sintetiza Aranha.
Publicado em VEJA São Paulo de 12 de julho de 2024, edição nº2901