O retorno da diva: nove projetos mantêm viva a história de Hebe
Entre as atrações, aparecem uma exposição e o espetáculo 'Hebe, o Musical'
Na manhã de 29 de setembro de 2012, saiu de cena uma das mais emblemáticas celebridades da TV brasileira. Após enfrentar um câncer no peritônio, Hebe Camargo faleceu, em sua mansão no Morumbi, aos 83 anos, 68 deles dedicados à vida artística.
Dona de uma risada contagiante e personalidade expansiva, a estrela acumulou dezenas de prêmios e virou uma das profissionais mais bem pagas do país em sua área, com um salário de 700 000 reais em meados dos anos 2000, no SBT. “O esforço é sempre para manter acesa a memória dela”, afirma Claudio Pessutti, sobrinho e antigo empresário da talentosa figura.
E assim está sendo. No próximo dia 12 — a mesma data das tradicionais homenagens a Nossa Senhora Aparecida, santa de devoção da apresentadora, junto de Fátima —, estreia Hebe, o Musical, no Teatro Procópio Ferreira, nos Jardins. “Foi pura coincidência, mas vejo um bom sinal”, jura o diretor, Miguel Falabella. Ele define a montagem como um “delírio musical”, inspirado na história da artista, de moça pobre de Taubaté, no interior do estado, a ícone nacional.
Boa parte da equipe fixa de 81 pessoas soma larga quilometragem em musicais. O cenário tipo art déco leva a assinatura de Gringo Cardia, com vinte prêmios como designer. A coreografia fica por conta de Fernanda Chamma (responsável pelas danças de Alô, Dolly! e Hairspray, além de ser jurada de reality shows temáticos da Globo e da Record). A produção é de Luiz Oscar Niemeyer, em parceria com Júlio César Figueiredo. Juntos, eles trouxeram o ex-beatle Paul McCartney ao Brasil para dois shows em 2014.
Entre os atores, o destaque vai para a protagonista, Débora Reis, 45, que troca de peruca cinco vezes durante o espetáculo. Com duas décadas de experiência, ela já havia interpretado Hebe na peça Rita Lee Mora ao Lado, dirigida por Débora Dubois e Márcio Macena, de 2014. “Naquela montagem, era uma personagem caricata. Desta vez, precisei desconstruir tudo”, afirma.
Com a voz naturalmente grave, a moça treina o tom alto e meio metálico da apresentadora no ar. “Tentei fazer isso na ‘raça’ e machuquei a garganta”, conta. “Para imitar direito, procurei a ajuda de uma fonoaudióloga.” Quem encarna a comunicadora na fase jovem é Carol Costa, de 31 anos. Ela deixou o musical Vamp para se dedicar ao projeto de Falabella.
Para completar a escalação, convocou-se o jornalista Artur Xexéo, que escreveu os dois atos em brevíssimos dois meses. Ele é o autor de Hebe — A Biografia, com aproximadamente 300 páginas, da editora BestSeller. Lançada em maio, a obra é resultado de quase quatro anos de pesquisa. De acordo com dados do Publishnews, site especializado no mercado literário, é o nono título mais vendido no país em 2017 no segmento não ficção, com cerca de 22 000 exemplares comercializados.
Xexéo também faz as vezes de diretor musical. Selecionou os 23 números, a maioria do repertório da loira. O cardápio vai de Quem É?, de Osmar Navarro, gravada por ela, a Esquecendo Você, de Tom Jobim. Curiosamente, o biógrafo não era a primeira opção. “Niemeyer pensou antes no Mario Prata, mas ele precisaria de quatro meses para fazer a pesquisa”, explica Figueiredo. “Preferi o Xexéo, que já havia mergulhado nessa história.”
Em outra troca curiosa, José Possi Neto foi cogitado para a direção, mas prevaleceu Falabella, por causa do humor mais escrachado e popular, parecido com o da retratada.
A peça tem foco especialmente nos três casamentos conturbados da artista, com os empresários Luís Ramos (uma emocionante cena relata o aborto que ela fez na década de 40, durante essa relação), Décio Capuano e Lélio Ravagnani.
Caçula de uma família de nove filhos, a moça teve uma infância bastante humilde. Dizia que comia basicamente arroz. Bife, só quando sobrava algum dos vizinhos. Iniciou a carreira como cantora, na Rádio Tupi, em 1944. Logo estourou e ganhou o apelido de Moreninha do Samba.
Na TV, começou na Tupi (aliás, deu um cano na inauguração do canal para namorar Luís). Ficou loira, sua marca registrada, em 1957. Na época, já era destaque da TV Paulista, na qual estreou no papel de apresentadora dois anos antes, em O Mundo É das Mulheres. Fez sucesso ainda na TV Continental, Record, Bandeirantes e SBT, emissora em que trabalhou durante 24 anos.
A expectativa é que o espetáculo fique em cartaz por aqui até o início de 2018. O preço dos ingressos varia de 50 a 190 reais. O elenco aposta em um texto leve e bem-humorado, de aproximadamente duas horas de duração, para lotar os 630 lugares do
teatro.
Os efeitos especiais também devem chamar atenção. Atores e cenários surgem em preto e branco, remetendo ao visual do início da televisão brasileira. Para atingir o resultado, devem ser gastos por mês 5 200 quilos de uma base acinzentada, desenvolvida especialmente por uma marca parceira de Anderson Bueno, caracterizador com 25 anos de carreira.
Pessutti, o sobrinho, emprestou oito vestidos originais da tia para entrarem em cena. Os figurinistas Ligia Rocha e Marco Pacheco encomendaram à designer Virgínia Tavares cinco réplicas de joias escandalosas (vale lembrar que a comunicadora era uma das maiores colecionadoras do país). Ela usou aproximadamente 10 000 cristais nas peças.
No total, criaram 120 composições para os 21 atores e bailarinos. Apesar de toda a pompa, o orçamento de 2 milhões de reais, arrecadado através da Lei Rouanet, mostra-se bem modesto para esse mercado. Como comparação, Chacrinha — O Musical custou 12 milhões de reais em 2014. O recorde no setor permanece de longe com O Rei Leão, de 2013, o mais caro exibido no Brasil, que consumiu 50 milhões de reais. Nos bastidores, Falabella faz piada. “Que penúria! Há anos não trabalho tanto por tão pouco”, exclama, aos risos. “Amava a Hebe e não poderia recusar.”
A peça compõe um amplo pacote de iniciativas com o objetivo de lembrar a história da estrela, famosa também pelos selinhos e pelo uso de expressões como “gracinha” e “linda de viver”. Em 2013, Pessutti encomendou uma pesquisa de mercado. “O estudo revelou que ‘vida’ é a palavra que representa minha tia para o público”, afirma.
Com um acervo que enche um salão na casa da Zona Sul (Hebe não jogava nada fora, nem mesmo uma tupperware etiquetada e as sete rosas recebidas em shows de Roberto Carlos), o parente estabeleceu então a plataforma Hebe Forever. A fim de apresentar novas criações sobre a trajetória da tia, convocou um time poderoso.
Por ora, há outras sete empreitadas previstas até 2020, a exemplo de uma cinebiografia, um documentário e uma minissérie para a TV com enredo num total de dez a dezesseis capítulos. Os responsáveis pelos projetos evitam cravar nomes, mas a atriz Andréa Beltrão poderá encarnar Hebe no cinema e na série. Também não há nada assinado, mas sabe-se de conversas adiantadas com a Globo quanto à exibição. Para a direção, o principal cotado é Maurício Farias, marido de Andréa e diretor da emissora da família Marinho.
O filme e o documentário deverão consumir um investimento total de 7 milhões de reais, captados por meio da Lei do Audiovisual. Estão sendo tocados por uma dupla de profissionais, Lucas Pacheco e Carolina Kotscho (do filme 2 Filhos de Francisco), que realiza pesquisas há três anos sobre o tema e deverá abordar também aspectos pouco comentados da vida da estrela, entre eles os desafetos.
Um dos mais notórios foi Marcia Alves, mulher do sertanejo Chitãozinho. Em 2000, Marcia processou a “rival” por ter insinuado que ela era uma ex-garota de programa. A decisão da Justiça só saiu doze anos depois, na véspera da morte da dama do SBT, condenada a pagar 220 000 reais de indenização.
Na plataforma Hebe Forever, os programas mais embrionários são um livro para colecionadores ainda sem editora (Silvio Santos recebeu um convite, por enquanto sem compromisso, para assinar a curadoria da obra) e um show de renomados artistas da MPB (que deverá ser produzido por Dody Sirena, empresário de Roberto Carlos), além de um mural idealizado por
um grande grafiteiro.
Há meses, Pessutti procurou Eduardo Kobra, autor de obras chamativas na capital. O artista mostrou um esboço e imaginou uma parede colorida em um prédio da Avenida Faria Lima. Por falta de patrocínio, a ideia ainda não seguiu adiante.
Outro projeto em andamento é uma mostra itinerante, tocada por Marcello Dantas, ex-diretor artístico do Museu da Língua Portuguesa. “Ainda não tenho local definido, mas certamente vai estrear no ano que vem”, garante ele. O trabalho deverá captar 4,5 milhões de reais.
Prevê-se uma área total entre 500 e 900 metros quadrados. Um mural reunirá aproximadamente 250 fotos, entre elas possivelmente a imagem da estrela careca por causa do tratamento de quimioterapia, capa de VEJA SÃO PAULO em 2010.
Entre as outras atrações, aparecem uma réplica da capela de sua mansão, o famoso sofá do programa no SBT com um holograma de Hebe (como se o visitante participasse de uma entrevista), uma de suas duas Mercedes S 500 brancas (o interior trará um “cinema”, com cenas dos passeios dela) e, claro, um supercloset.
Os organizadores catalogaram o guarda-roupa da apresentadora. São 500 vestidos, 300 calças jeans, 300 pares de sapato — alguns nunca usados… O número de peças da coleção de joias é mantido em sigilo, para segurança da família, mas estimativas dão conta de pelo menos 100 delas, muitas de grifes brasileiras, do naipe da Casa Leão Joalheria, e outras tantas de lojas internacionais, como a Chanel.
Pessutti, 57, cuida de perto de tudo relacionado à estrela. Hebe tratava o filho de Lourdes, sua irmã mais velha, como se fosse seu rebento. Ele a acompanhava a todos os eventos e viagens, era seu braço-direito e confidente. Em 1998, começou a cuidar dos negócios. Após uma ideia dele, o nome da tia virou marca de produtos que iam de batons a filtros d’água. Na época, a apresentadora comentou que nunca havia ganho tanto dinheiro na vida quanto naquele período.
Marcello, 51, filho único da artista, fruto do casamento com Décio Capuano, tem com o primo uma relação de respeito, porém distante. Ele se mudou em 2008 para Santa Fé do Sul, a quase 650 quilômetros da capital. Em comum acordo, Pessutti e Marcello dividiram a herança, que inclui bens como a mansão de 7 000 metros quadrados no Morumbi, avaliada por especialistas em 45 milhões de reais.
Em 2008, para não deixar Hebe sozinha (ela sofreu um assalto naquele ano), o sobrinho passou a viver na residência do bairro nobre. Atualmente, segue no imóvel com a mulher, a estilista Helena Caio. O cenário continua praticamente intacto, com a cacatua Tutu, xodó da dona, circulando com pose de rainha do lar.
Única mudança: Helena montou o escritório de sua grife de roupas de couro homônima na sala de música. No início do ano, houve boatos de que parte das joias e o próprio imóvel iriam a leilão. Pessutti desmente. “Enquanto eu puder, vou manter tudo dela preservado. É parte da nossa cultura nacional”, afirma.