Em 1970, Araquém Alcântara dava seu primeiro clique. Aluno de jornalismo na Universidade de Santos, o jovem de 18 anos se aventurou pelas ruas da cidade com uma câmera emprestada e, no cais, fotografou uma prostituta. “Acredito que minha carreira começou com aquela foto”, conta Araquém, que hoje, aos 73 anos, é um dos principais fotógrafos de natureza do Brasil.
Ele celebra sua trajetória de mais de meio século com a exposição Araquém Alcântara: Retrospectiva 50 anos, que abriu para o público na última quinta (6), na Pinacoteca Benedito Calixto, em frente à praia de Santos, cidade que o formou. A mostra, sua primeira retrospectiva, é um plano que Araquém alimenta desde 2020, quando efetivamente completou meio século de profissão, mas que precisou ser adiado por uma série de projetos, como o livro Amazônia das Crianças, publicado em 2023, além da pandemia.
Das mais de 500 000 fotografias tiradas desde 1970, Araquém teve de escolher apenas sessenta para a mostra. “Foi um dos trabalhos mais difíceis da minha vida”, confessa. Mas, depois de resistir à tentação de criar uma sala inteira só com seus registros de onças, ele se mostra satisfeito com o resultado. “Foi uma tarefa importante, afinal, a fotografia também é um exercício de síntese”, defende. A escolha por situar a presente seleção em Santos foi natural. “Foi a cidade que me deu régua e compasso”, afirma o catarinense de Florianópolis, relembrando a epifania na praia que culminou na sua guinada de carreira em direção às imagens.
Autodidata — o curso de jornalismo não oferecia aula de fotografia —, ele se inspirou em grandes mestres da área, como Henri Cartier-Bresson, para produzir imagens de denúncia da poluição nos arredores de Santos, notadamente Cubatão, e de exaltação à beleza natural brasileira. Suas principais obras foram registradas em meio à floresta e, em especial, nas paisagens amazônicas. Araquém, dono de uma coleção de mais de 300 fotos de onças — seis das quais estão na exposição —, revela o segredo para fotografar animais: “Você tem que ficar invisível e ouvir o chamado do bicho”. Galhos sobre a cabeça, roupas com estampa militar e corpo submerso na água são algumas estratégias comuns de camuflagem.
Mas nem tudo pode ser resolvido com um disfarce. “Um verdadeiro fotógrafo de natureza precisa enfrentar adversidades”, decreta. Em uma ocasião, ficou cara a cara com o felino na floresta. “Foi um medo primal”, lembra. Fome, pouso forçado e carros quebrados também compõem o rol de perrengues enfrentados. Ele recorda que na década de 90 foi sequestrado durante cinco dias por indígenas caiapós, que exigiram gasolina de aviação e pimenta verde antes de o libertarem. “Ouvia jenipapos caindo e sonhava que eram os indígenas me matando com bordunas (armas longas e cilíndricas de madeira)”, conta. Dotado de afiada memória, Araquém defende que a fotografia é uma espécie de atestado de presença: “A partir dela, lembro do cheiro, das pessoas, da atmosfera do lugar”.
Com uma fotografia política, ele dedica seus pixels à conscientização e à preservação da natureza, trazendo aos olhos urbanos a riqueza escondida por trás das folhagens. “Ainda não há uma percepção de que é preciso ações profundas e imediatas para que tenhamos um futuro menos aterrorizante. Com minhas fotos, busco trazer essa consciência”, completa. No Pantanal, na Amazônia, no Cerrado ou em Cubatão, a fotografia de Araquém Alcântara é um grito de socorro em imagens.
A história de dois cliques históricos de Araquém Alcântara:
Pinacoteca Benedito Calixto. Avenida Bartholomeu de Gusmão, 15, Boqueirão, Santos. ☎ (13) 3288-2260 . → Ter. a dom., 9h/18h. Grátis. Até 21/6.
Publicado em VEJA São Paulo de 7 de junho de 2024, edição nº 2896