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OLÁ,

“A poesia é tão fundamental quanto o ar e a água”, diz Alice Ruiz

Uma das pioneiras do haicai no Brasil, a poeta fala sobre a participação na Flip, com homenagens ao parceiro Paulo Leminski, e lançamento de gibis censurados

Por Luana Machado
18 jul 2025, 08h00

Uma das poetas mais longevas do Brasil, a paranaense Alice Ruiz, 79, está em um ano recheado de novidades. Prestes a integrar uma mesa na 23ª Festa Literária de Paraty, no próximo dia 1º, trazendo um panorama da poesia brasileira a partir de três gerações diferentes do gênero, a artista celebra a programação da edição que homenageia Paulo Leminski (1944- 1989), seu companheiro por duas décadas, com quem teve duas filhas: a também poeta Aurea Leminski e a compositora Estrela Ruiz Leminski.

A família inteira desembarca em Paraty para uma agenda intensa, que inclui um show com canções do “Rimbaud curitibano”. “A programação é muito extensa. Eu mesma já assumi uma maratona de atividades e vou perder boa parte da agenda principal”, comenta a autora.

Outro lançamento neste ano que entrou na roda de celebrações dos 80 anos de Leminski é a segunda edição da coletânea censurada durante a ditadura militar Afrodite: Quadrinhos Eróticos. Produzidos na Grafipar pelo casal de poetas, além de outros artistas e quadrinistas veteranos, como Flavio Colin, Julio Shimamoto e Claudio Seto, os gibis estão reunidos, agora, mais de quarenta anos depois, em uma grande edição da Veneta, selo paulistano especializado em HQs. Confira a entrevista completa.

Como recebeu o convite para participar da Flip no ano que destaca Paulo Leminski?

Com muita alegria, pelo reconhecimento que ele merece, e também com um pouco de surpresa, porque acho que é o homenageado mais pop até agora. Não que ele não tenha o mesmo grau de erudição e preparo que outros homenageados antes dele, mas é porque ele fez uma fusão de várias tendências literárias, do concretismo à poesia marginal, por exemplo, o que lhe deu um ar de jovialidade, que faz sua poesia ser muitas vezes uma porta de iniciação para muita gente. É só ver como ela está presente hoje nas redes, bem ele que não chegou a usar computador…

E como está a expectativa para as homenagens com suas filhas?

Nada mais justo e tranquilizante. Eu diria mesmo que o Paulo deu sorte. Ninguém entende mais dele do que elas. Além de mim, claro, que acompanhei ativamente todo o seu processo criativo. Mas elas abraçaram a causa de um jeito muito produtivo e amoroso. Ambas também são do ramo, sempre tiveram um interesse forte na arte, desde meninas. Aurea é a coordenadora da itinerância da exposição Múltiplo Leminski, além de muitas outras atividades envolvendo a obra do Paulo. Estrela se incumbiu da música, tendo gravado um álbum duplo e feito um songbook com as músicas do pai que distribui generosamente. E tem sua própria carreira musical e literária, inclusive estará autografando seu primeiro romance na Flip.

A mesa de que participa com Claudia Roquette-Pinto e Marília Garcia propõe um panorama da poesia brasileira. Como enxerga o cenário atual?

Profundamente estimulante. Porque nos dá respaldo, testemunha o fôlego que a poesia tem e a sua capacidade de transformação e sobrevivência. Lembra quando diziam que poesia não vende? Ou mesmo aqueles poucos que a tratavam como um gênero menor? Olha só como ela cresceu e está ainda mais linda e pulsante. A poesia é tão fundamental para a sobrevivência humana quanto o ar e a água. Sem ela somos apenas bichos. Ela alimenta o fogo do nosso espírito. Em qualquer linguagem. Sem poesia a música não é música, a pintura não é pintura, a dança não é dança, e por aí vai.

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A poesia tem que falar do raro, de forma clara, e vice-versa. Sempre pensei assim, mesmo quando nem
sonhava com esse universo digital

 

Este ano teve o lançamento da segunda edição de Afrodite: Quadrinhos Eróticos. Como foi revisitar e reunir os gibis após quarenta anos?

Na verdade, foi uma reunião feita pelo Rogério de Campos, da editora Veneta. Quando ele me propôs o lançamento do livro, já tinha o conteúdo reunido. Na apresentação eu conto como essas histórias nasceram e se desenvolveram, então não vou repetir aqui, mas queria dar uma ênfase ao nome de Claudio Seto, que era o diretor do setor de quadrinhos na editora Grafipar, em que eu trabalhava editando uma revista feminista. O Seto que reuniu esses novos roteiristas, como Paulo e eu, com os mais variados e talentosos desenhistas de HQ, e criou o terreno para Afrodite acontecer.

Versos e pequenos recortes de seus poemas, especialmente os haicais, são muito compartilhados nas redes sociais. Como enxerga esse movimento?

Enxergo como uma confirmação de ter atingido meu objetivo. Embora não exista um objetivo definido em poesia… Se tiver, estraga. Mas sempre quis ser acessível. Acho que a poesia tem que falar do raro, de forma clara, e vice-versa. Sempre pensei assim, mesmo quando nem sonhava com esse universo digital, onde a linguagem ideal é breve e acessível. Como o haicai, por exemplo.

Em outras entrevistas, a senhora disse que a palavra poetisa é uma amortização. Ainda acredita nisso?

Vou morrer acreditando. A linguagem é fundante. E está cheia de preconceitos e misoginias. Quando se diz que “o homem é a medida de todas as coisas”, você não vê a mulher como medida de nada, tem que ser convencido de que a mulher está “embutida” nesse substantivo que representa o macho da espécie. Dá pra escrever uma tese sobre como a linguagem verbal está repleta de exemplos de discriminação, poetisa é só mais uma delas.

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A senhora morou por anos em São Paulo. Como é a relação com a cidade agora?

Eu amo Sampa. Tenho amizades muito queridas. Nunca mais sairei completamente de São Paulo, assim como não sairei de Curitiba. Mas eu tenho isso de ir levando, dentro de mim, pedaços de alguns lugares que visito. E como a poesia já me levou a muitos lugares, principalmente no Brasil, sinto que pertenço a eles e eles um pouco a mim.

As homenagens deste ano destacam as várias facetas criativas de Paulo Leminski, na música, na poesia e na prosa. Essa criatividade radical também estava presente no cotidiano?

Sim, o tempo todo. Ele vivia para a criação. É como se o organismo tivesse pressa.

Publicado em VEJA São Paulo de 18 de julho de 2025, edição nº 2953

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