Em 25 anos de estrada, os paranaenses radicados no Rio de Janeiro da Armazém Cia. de Teatro conseguem um feito incomum entre os coletivos brasileiros. Na maioria de seus espetáculos, o grupo estabelece uma unidade entre dramaturgia e encenação. A plasticidade impecável vem aliada de uma história que, mesmo recheada de semiologia, não soa hermética nem pedante. O drama A Marca da Água é mais um acerto. A parceria dos autores Maurício Arruda Mendonça e Paulo de Moraes, também diretor, prova que uma trama bem contada e defendida por um elenco afinado serve de moeda de troca para desafiar o público.
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O ponto de partida veio de estudos do neurologista inglês Oliver Sacks sobre os distúrbios do cérebro. Se a ideia pode meter medo, a cena inicial então beira o surreal. Laura (a atriz Patrícia Selonk) vê sua rotina transformada com o aparecimento de um peixe em seu jardim. Enquanto o ser estranho fica instalado perto da piscina, a mulher inicia uma viagem ao inconsciente e vasculha pontos desconhecidos até para seu marido (o ator Marcos Martins) e seu irmão (Marcelo Guerra).
A esquisitice inicial se desfaz aos poucos, diante da reconstituição do histórico familiar da personagem e seus desdobramentos na vida dos outros, principalmente na da mãe (Lisa E. Fávero). Nessa trilha, desvendam-se as intenções da montagem. Como a Armazém facilita gradualmente a vida dos espectadores, prepara também o terreno para provocá-los. Na bela cena final, Laura encontra um escafandrista (Ricardo Martins) e ali termina seu acerto de contas. A plateia deve decifrar a mensagem — caso isso não aconteça, pelo menos não desistirá de encontrar explicações.