Veleiro Eilean volta ao mar após três anos de reformas
A reconstrução da embarcação histórica consumiu cerca de 10 milhões de reais

Eilean tem 78 anos, mas nem parece. Recentemente, passou por uma espécie de cirurgia plástica tão perfeita que trouxe de volta o mesmo frescor com o qual deixou o estaleiro Fife & Son, na Escócia, em 1936, para conquistar outras águas. Ao longo de sua vida, pertenceu a seis proprietários, foi palco de romances, competições, acidentes e carregou velejadores apaixonados. Deslizou por mais de 150 000 milhas náuticas (270 000 quilômetros, o que significa quase sete voltas ao redor do planeta), cruzando o Canal da Mancha, o Mediterrâneo e o Atlântico. E ainda viveu momentos de pop star nos anos 1980, ao servir de cenário para o clipe Rio, da banda Duran Duran. Mas a vida deste veleiro do tipo ketch – ou seja, com dois mastros ó, de 70 pés (22 metros), não foi só calmaria. Uma tormenta e a falta de dinheiro do último dono para recuperar os estragos, em 2004, acabaram arrastando o Eilean para um manguezal na ilha caribenha de Antígua, onde ele quase morreu. Afogado.
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Os ventos mudaram para este veleiro em novembro de 2006, quando Angelo Bonati, CEO da Offcine Panerai, marca italiana de relógios, o avistou. Muito de sua estrutura encontrava- se debaixo d’água, os dois mastros estavam quebrados e parte de sua madeira fora consumida por cupins. “As linhas sóbrias e elegantes desenhadas por Fife haviam sido preservadas e poderiam ser revividas”, diz Bonati. “Gelei de tanta emoção.” Fundada em Florença, em 1860, por Giovanni Panerai, a relojoaria da Piazza San Giovanni virou fornecedora ofcial da Marinha italiana no começo do século XX. Em 1916, patenteou uma invenção sob medida para os mergulhadores: o radiomir, um pó à base de rádio que torna números e ponteiros luminosos. Vinte anos mais tarde — no mesmo ano em que o Eilean saía do estaleiro —, às vésperas da II Guerra Mundial, dez unidades do chamado relógio de pulso Radiomir foram produzidas para o comando do Primo Gruppo Sommergibili. Carro-chefe da Panerai, o modelo mantém hoje aspectos dos originais, como a caixa de aço de 47 milímetros e a pulseira larga de couro resistente à água. O encontro deu início a mais uma epopeia na vida desse veleiro. Como estava agonizando, ele precisou viajar a bordo de um cargueiro até o estaleiro Francesco del Carlo, em Viareggio, na Itália. Lá, com a supervisão do velejador Enrico Zaccagni, começou o processo de restauração. Feito por dezenas de mãos de artesãos, o restauro durou três anos e consumiu cerca de 10 milhões de reais. O principal desafio foi recuperar o maior número possível de componentes originais. “A restauração representa um ato de amor para com o mar”, diz Bonati.
O atual capitão do veleiro, o inglês Andrew Cully, também participou da reconstrução e contou com uma ajuda fundamental: o clipe de cinco minutos da banda inglesa. “Sem exageros, vi aquele flme mais de mil vezes. Além de recorrer a fotos históricas, assistíamos à gravação para tirar dúvidas sobre cores, formas e materiais. Hoje, não posso sequer ouvir aquela música”, brinca. Cully falou dessa repulsa ao próprio Simon Le Bon, vocalista do Duran Duran, enquanto os dois velejavam a bordo do Eilean por águas italianas da Ligúria no começo deste ano. Antes de ir embora, o cantor escreveu no livro de bordo sobre a alegria de retornar para ouvir a água batendo no casco do Eilean.
Estar dentro dessa joia desenhada por William Fife III, um construtor escocês que tem como marca um dragão pintado no casco e arranca suspiros dos homens do mar, é uma experiência. Sapatos ficam do lado de fora para proteger a madeira que recobre a embarcação. As acomodações são espartanas, mas elegantes como o seu desenho. Há dois quartos para a tripulação e outros dois para hóspedes, que não medem mais de 2 metros de comprimento por 2 de largura cada um e acomodam um beliche e um armário. Quando o Eilean está atracado, seu silêncio é rompido apenas pelo ranger das cordas que o amarram ao porto. A vida aqui começa bem cedo, junto com os raios de sol, quando parte da tripulação faz a limpeza e o lustro dos elementos de metal. “Em um veleiro é preciso ser obsessivo com a organização e a limpeza”, diz Cully. “São quilômetros de cordas e quilos de velas que necessitam estar em ordem.” Ao contrário do que ocorre nos veleiros novos, o trabalho de levantar as velas, função que consome cerca de quarenta minutos, e o de baixar a âncora são totalmente manuais. Esse último pede quatro braços fortes para subir e descer o acessório. O motor é usado apenas em casos de calmaria extrema, por isso o barulho é um misto do vento e da água na proa.
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O Eilean tem uma vida tranquila hoje. Ele é uma espécie de aparição lendária em uma série de regatas históricas nas águas do Atlântico e do Mediterrâneo, patrocinadas pela relojoaria italiana. Além de navegar com clientes a bordo e sempre arrancar suspiros de outros navegadores ó foi assim no Porto de Impéria, na Ligúria, em julho passado. O capitão fez as manobras para atracar o barco aos gritos de um velejador em férias, o francês Jean-Luc Tissou. “É uma miragem?”, gritava ele, eufórico. Em 2002, Tissou velejava no Caribe quando avistou o Eilean pela primeira e única vez. “Não pude acreditar quando vi essa beleza de longe.” Dois anos mais tarde, ouviu marinheiros dizendo que o veleiro escocês havia sofrido um acidente e afundado. “Senti uma dor no peito. E, agora, que alegria ver essa joia viva novamente!”