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OLÁ,

O mestre da pena

Conhecido como "médico das canetas", Roberto Marques deu vida nova a mais de 200 000 modelos — inclusive uma Parker que pertenceu ao ex-presidente Getúlio Vargas

Por Patricia Moterani
Atualizado em 5 dez 2016, 16h06 - Publicado em 20 abr 2013, 01h00

O paulistano Roberto Marques é um homem à moda antiga. Se precisa fazer uma conta, diz não à calculadora: prefere confiar no próprio raciocínio. Quando liga para alguém, recorre ao telefone fixo, e não ao celular, até porque, aos 74 anos, nunca teve um. Para escrever o que quer que seja, ele recusa o computador e segura, com a destreza de quem é formado em caligrafia, uma caneta esferográfica que faz questão de manter por perto. “Não gosto dessas máquinas modernas do cotidiano. Elas prejudicam a memória e as habilidades artesanais. Passo longe. Tenho medo de desaprender tudo o que sei”, diz. “Seu” Roberto, mais conhecido como “médico das canetas”, não exagera na preocupação. Desde os 13 anos, ele se dedica, tal como um médico de verdade, a examinar canetas que já não funcionam bem, fazer um diagnóstico e então consertá-las. É um dos raros caneteiros em atividade no país e o mais famoso da cidade de São Paulo, onde nasceu e mantém as duas lojas que levam no nome seu apelido, no centro da capital. Nelas, além de restaurar canetas com ajustes que vão da complicada fabricação de peças e desentortar de penas (operações que chegam a durar cinco horas e custam cerca de 1 000 reais) à básica substituição da haste das tampas (não mais que dez minutos, menos de 30 reais), ele vende tinteiros, lapiseiras e outros acessórios para a escrita. “A maior fatia do negócio vem da comercialização desses itens. Mas ainda recebo muitas encomendas de conserto do Brasil inteiro.Tenho uma clientela fiel”, conta Marques. A maior parte dela é formada por médicos e advogados, para os quais escrever a mão ainda é um ato comum, e por filhos e netos de colecionadores, que acabam herdando as peças. Foi assim que ele fez o conserto histórico, ao receber de um familiar de Getúlio Vargas uma Parker 51 dourada com o nome do ex-presidente. “Eu me emocionei ao ler a inscrição”, afirma. Outro serviço do qual se orgulha é ter criado uma peça para um modelo Montblanc de um dos diretoresda grife alemã no Brasil, já que a própria marca não tinha mais o item em acervo. Ex-executivo do mercado financeiro, o paulistano John Suplicy também o procurou para realizar reparos em modelos Parker 51 e 61 e Cartier, um deles herdado do avô de sua mulher. “Não conheço ninguém que trabalhe assim”, diz.

Hoje referência, Marques começou na profissão contra a vontade, um mês após ter conseguido emprego como relojoeiro. “O caneteiro da casa saiu, e mudaram minha função. Fiquei bravíssimo, me senti rebaixado”, lembra. Para aprender a consertar canetas, ele estagiou em autorizadas da Parker, da Sheaffer e da Montblanc. “Mas o domínio veio mesmo montando e desmontando.” Cinco anos depois, em 1958, já um expert, Marques abriu a primeira loja, na Rua Barão de Paranapiacaba, o mesmo endereço atual. Para lá, ele vai três vezes por semana, quando deixa Bragança Paulista, a cidade onde mora, a 85 quilômetros da capital. Divide a função de restaurador há quinze anos com o assistente, Cícero França. Dos negócios, cuidam as duas filhas. “Depois de todo esse tempo, minha maior satisfação ainda é deixar a caneta como nova. Às vezes, até me surpreendo: ‘Fui eu mesmo que fiz isso?”

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