Perfumaria brasileira se reinventa e ganha mercado
Fragrâncias nacionais são atração em lojas da cidade, numa demonstração de que nem só de importados vive a perfumaria refinada

Em um passeio pelos centros comerciais mais bacanas da capital, é possível notar o número de novas lojas e quiosques dedicados a artigos de beleza — em especial, aos perfumes. Surpreendentemente, boa parte deles é dedicada à perfumaria nacional, que nunca esteve tão bem representada como atualmente. Com acesso às melhores casas produtoras de fragrâncias no mundo e experiência com a riqueza de matérias-primas da flora brasileira, a indústria nacional vem marcando território, investindo em pontos de venda requintados e produtos com qualidade inquestionável.
De acordo com a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), entre os anos de 2014 e 2024, a presença de marcas de beleza e perfumaria aumentou de 52% nesses centros de compras, em todo o país. “Além de alimentação e serviços, o segmento que mais se destacou nos shoppings, no ano passado, foi o de beleza, em especial o de perfumaria”, atesta Luiz Alberto Marinho, sócio-diretor da consultoria Gouvêa Malls.
Diferentes razões explicam o fenômeno. Uma delas é a alta significativa do dólar, que tornou os perfumes importados mais caros e abriu uma brecha para as marcas nacionais. A outra tem a ver com o comportamento do consumidor, que, em tempos conturbados como o atual, recorre com mais frequência a artigos que tragam bem-estar e melhorem a aparência. É o tal “índice do batom” (em inglês, lipstick index), expressão atribuída ao empresário americano Leonard Lauder (da empresa Estée Lauder de cosméticos) a partir da observação de que, em tempos de crises econômicas, as mulheres compravam mais batons.
Para a diretora de marketing e vendas da Granado Pharmácias e da Perfumaria Phebo, Sissi Freeman, os brasileiros adoram novidades e estão descobrindo as dos produtos nacionais, diante do encarecimento dos artigos importados. “Fazemos uma perfumaria com a nossa história, mas com a mesma sofisticação”, afirma a executiva. Entre os exemplos está o Citrus Brasilis, inspirado no aroma das laranjeiras, que foi criado pelo especialista Quentin Bisch, da casa de fragrâncias suíça Givaudan. Disponível no e-commerce da Granado por 325 reais (75 ml), o perfume tem 80% de ingredientes naturais que passam pelo tradicional processo de maceração, o que garante mais harmonização e amadurecimento das notas olfativas. Com mais de 100 lojas no Brasil (sendo dez em São Paulo), a Granado também possui butiques em Paris (três), Londres (duas), Nova York (duas) e Lisboa (uma), além de pontos de venda, dentro de lojas de departamento, na Bélgica e na Espanha. No ano passado, a empresa criou a Sorveteria Granado, que funciona em algumas unidades e traz, como sabores, ingredientes que estão presentes nas fragrâncias da marca. Inicialmente temporária, a operação tem sido bem-sucedida e pode durar mais tempo.
Para César Veiga, perfumista de O Boticário, os aromas desenvolvidos por empresas brasileiras não devem nada aos de marcas estrangeiras. Tudo é uma questão de estratégia e capacidade de investimento. “A cada ano, a indústria internacional lança novas moléculas aromáticas para serem usadas na perfumaria”, explica César. E quanto mais nova, rara ou escassa for, mais alto é o seu valor. Mas criar uma boa fragrância não se resume a isso, da mesma forma que um prato de comida não depende só da nobreza dos ingredientes, mas de um bom chef de cozinha para dosá-los e prepará-los. “É preciso criatividade para combinar tudo harmoniosamente, e isso, nós brasileiros, temos.” O Boticário trabalha com ingredientes naturais e sintéticos e não utiliza nenhum item de origem animal há mais de vinte anos, garante César. A empresa também está sempre afinada com as tendências internacionais, que influenciam nas escolhas dos compradores. “Vivemos um momento saudosista, que traz de volta os aromas de flores, como a gardênia”, garante. “As pessoas querem sofisticação, além de fragrâncias florais e frescas, com poucos ingredientes.”

Autora do livro Brasil Essência: a Cultura do Perfume (Best Seller, 2004, 204 págs.), a especialista em perfumaria Renata Ashcar acredita que este novo momento tem tudo para durar. “Tenho visto ótimas iniciativas de marcas brasileiras, misturando os extratos internacionais com ativos locais”, diz ela. Essa é uma das nossas potências do país: a possibilidade de trabalhar com matérias-primas tipicamente brasileiras. “Somente a Natura, tem mais de vinte ingredientes exclusivos.” No que depender do estímulo dos clientes, a presença de mais empresas no varejo de perfumes finos é uma questão de tempo. “Os consumidores brasileiros adoram”, assegura.

Com quase vinte anos de mercado, a Ciclo começou fazendo os chamados contratipos, uma espécie de cópia dos perfumes internacionais e “grifados” (mas que, normalmente, não tem o mesmo desempenho ou durabilidade). Mais recentemente, a empresa repensou a estratégia, para lançar fragrâncias autorais e fazer da empresa uma referência na chamada perfumaria natural. Atualmente, a companhia utiliza 91% de ingredientes naturais e trabalha com embalagens reutilizáveis. “Desde a pandemia, temos crescido 60% ao ano”, diz Luane Lohn, CEO da Ciclo, que projeta crescer 80% em 2025. “Investimos na comunicação via tiktokers”, diz a executiva, referindo-se às pessoas que fazem sucesso na rede chinesa de vídeos TikTok. “Ações como essa geram burburinho”, explica Luane. Entre as novas linhas da marca está a coleção Jardin, que reúne estilos que seguem a tendência internacional de aromas sem gênero definido. “Buscamos originalidade, mas também queremos fazer produtos acessíveis”, afirma a executiva.

Nesse boom do segmento no Brasil, há também espaço para rebranding. Foi o que aconteceu, recentemente, com a Francis. Com 52 anos de trajetória, a marca é reconhecida pelos sabonetes superperfumados, que muitas avós colocavam dentro das gavetas de roupas. Em dezembro, a grife ganhou uma loja própria — a Casa Francis — e lançou dez fragrâncias na modalidade eau de parfum (mais concentrada), além de outras seis linhas de eau de toilette. As novidades foram desenvolvidas em parceria com a casa de fragrâncias internacional Firmenich. Com três andares e projeto de Marcelo Rosenbaum, a Casa Francis, na Rua Oscar Freire, região dos Jardins, permite experiências multissensoriais, enquanto o cliente escolhe um aroma. “Quase 80% dos brasileiros usam perfume e esse segmento cresce dois dígitos por ano”, afirma Maurício Utiyama, diretor de unidade da Flora, empresa detentora da marca Francis.
Para os 20% que não consomem esse tipo de produto, César Veiga, de O Boticário, tem um recado: “Perfumes transmitem personalidade e são ótimos companheiros”.
Vitrine Aromática

Eau de Parfum Figo & Sândalo (100 ml), Francis. R$ 299,00

Linha Botânica Saboaria
Brasil, com esfoliante (R$ 89,00), aromatizador (R$ 120,00), água de colônia (R$ 120,00, 30 ml), sabonete (R$ 38,00) e óleo corporal (R$ 79,00).

Deo-colônias da Coleção Jardin (100 ml), Ciclo. R$ 99,90 cada.

Eau de Parfum da linha Privée (75 ml), O Boticário. R$ 409,00 cada

Eau de Parfum Amyi 2.12 (100 ml), Amyi. R$ 615,00

Perfume Époque Tropical (75 ml), Granado. R$ 305,00
Eau de Parfum 740, com sândalo e breu branco (50 ml), Natura. R$ 370,00