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Criados tão à solta que podem migrar, gansos de uma centenária granja espanhola dão sobrevida ao foie gras, uma iguaria cada vez mais condenada pela engorda forçada

Por Adriana Setti, de Estremadura
Atualizado em 5 dez 2016, 16h06 - Publicado em 20 abr 2013, 01h00
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  • Dezenas de gansos rodeiam o granjeiro Eduardo Sousa, de 47 anos. “Hola, bonita! Toma, preciosa!”, diz. É hora da refeição, e Sousa oferece milho ao bando, que alterna o apetite pelos grãos orgânicos com mergulhos no lago da propriedade de 500 hectares na Estremadura, no sudoeste da Espanha. Sousa integra a quinta geração da família que, desde 1812, produz foie gras com o fígado de gansos criados em liberdade. Esse bando de glutões é só parte da criação da La Patería de Sousa. Em novembro, na visita de VEJA LUXO, a maioria da aves havia migrado para o norte da África. Só os casais de reprodutores passam o inverno ali, para garantir a nova descendência. Ao pressentirem a chegada do frio, os gansos começam a se esbaldar com a bolota — fruto calórico da azinheira, árvore que cobre as colinas da região —, armazenando assim energia para voar rumo ao calor. O abate de 500 aves ao ano se dá antes da partida. À noite, elas são hipnotizadas com luzes de LED, adormecidas com gás carbônico e, então, degoladas. Parece cruel, mas não em comparação com a fabricação clássica do patê de fígado.

    Pelo método conhecido como gavage, cerca de 1 quilo de pasta de cereais é introduzido em poucos segundos no esôfago do ganso (ou pato) por um tubo. A refeição compulsória acontece duas ou três vezes ao dia, por até três semanas. O fígado da ave se multiplica de 50 gramas para 700 gramas — daí o nome foie gras, que, em francês, significa “fígado gordo” (com a bolota, o fígado atinge 400 gramas). Hipertrofiado, adquire a textura amanteigada que o alça à categoria de iguaria. Na engorda forçada, a ave sofre lesões na garganta. Muitas vezes, morre sufocada. Por causa disso, a venda do patê clássico foi proibida na Califórnia em julho de 2012. No ano anterior, havia sido barrada na Anuga, principal feira alimentar da Alemanha. “O patê ético não deve nada às características do tradicional”, diz o chef americano Dan Barber. “Sentem-se nuances do figo e das azeitonas da Estremadura, frutos consumidos pelos gansos no ‘pasto’.”

    Conhecido pela bandeira da sustentabilidade, Barber serviu o foie gras “do bem” num jantar para o presidente Barack Obama em 2009, três anos depois devisitar a granja dos Sousa. Com uma única loja a 113 quilômetros de Sevilha, a Patería era desconhecida até ser premiada, em 2006, na feira gastronômica mais importante da França, a Sial. O endosso ao ecoprodutor irritou os granjeiros franceses, responsáveis por 75% da produção mundial. “Meus gansos voltam porque vivem bem aqui”,diz Sousa, acostumado a ver as aves retornar, em março. Ter um negócio vinculado ao ritmo natural das aves não é fácil. O granjeiro garante o sustento com a venda de patês de porco preto. Até o ano passado, ele perdia 20% do bando para predadores. Comovida com a situação depois de ler uma reportagem, a empresária paulistana Rosa Zoboli, dona da importadora C&G, pagou, adiantado, 25 000 reais por 504 potes de 180 gramas, o máximo que a Patería produz num ano (com o dinheiro, foi instalada uma grade protetora contra raposas). Nem tudo saiu como previsto. O inverno 2011-2012 foi ameno — e os gansos não migraram para o Mediterrâneo. Se as coisas correrem bem, alguns dos 250 potes da nova safra devem aportar em São Paulo no primeiro semestre por cerca de 400 reais.

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