Dois novos endereços na cidade têm reanimado os paulistanos que dedicam parte do guarda-roupa (ou da casa toda) a suas coleções de tênis. Depois de deixar os pés descalços durante a longa quarentena, a tribo conhecida como sneakerhead passou a frequentar e fazer compras na Vans do Conjunto Nacional e na segunda unidade da Guadalupe Store, no Paraíso.
“Após trabalhar vários anos na Galeria do Rock, meu sócio enxergou essa necessidade de um espaço para vender modelos mais exclusivos, que as marcas quase nunca traziam para o Brasil”, conta Pedro Prado, da Guadalupe. A loja nasceu no Bom Retiro e acaba de abrir outra unidade na Avenida Bernardino de Campos, onde funcionava uma barbearia. A decoração, assinada por Tom Escrimin, é outro diferencial. “O Tom trabalha sem projeto e eu não posso entrar nem ver nada antes de ficar pronto. Dá uma ansiedade, mas ele tem um visual moderno, inspirado no brutalismo, e no final ficou ótimo.”
Com catálogo de edições limitadas e colaborações especiais (quando artistas ou famosos assinam a peça), a marca é frequentada por fãs de 15 a 50 anos. “A demanda é sempre maior que a oferta e hoje é comum ter de sortear quem poderá comprar o tênis”, explica. Antes da pandemia, aguardar horas na fila era o método mais comum e o encontro de Pedro com o fundador, Marco Antônio Cordeiro, ocorreu em uma dessas visitas. “Eu dormi por lá, esperando pelo Nike Air Force inspirado no coelho do Ano-Novo chinês, e assim conheci meu futuro sócio”, relembra. Hoje ele acumula mais de 700 pares, comprados desde 2005. “Tenho um quarto só pra isso lá em casa, mas não cabe tudo.”
Roberto Filho, mais conhecido como Bob, mantém os mais de 300 pares em um galpão no subsolo do prédio onde mora. “Gosto de guardá-los com a caixa original, no papel de seda, e não compro tantos como antigamente”, descreve. “Estou nessa há mais de dez anos e minha família se acostumou porque faz parte da minha personalidade, é algo que me diverte.” Na escola, o tipo de tênis era um sinal de status capaz de indicar sua tribo. “Lembro bem que tinha a divisão entre mauricinhos, com o New Balance de 600 reais, e os alternativos, que usavam o Adidas Gazelle Hemp.”
Divisões como essa evoluíram e criaram nichos dentro do universo de sneakers, com grupos que gostam dos tênis de basquete, da alta moda ou dos casuais. Embora a maioria dos colecionadores tenha o costume de usar seus pares sem nenhuma firula, algumas raridades são tratadas como obra de arte e podem custar até 100 000 dólares. “Mas nunca paguei mais que 1 000 reais, sou contra essa prática”, brinca Olivia Lang, que descobriu esse gosto ainda na infância. “Minha mãe me conta que, quando tentava me dar sapatinhos, eu já preferia calçar os tênis.”
Com os pés na calçada da Paulista, a loja recém-aberta da Vans reúne suas principais coleções, incluindo a nova e bem-humorada série de tênis do personagem Bob Esponja. No mezanino, uma skateshop vende equipamentos dedicados ao esporte e sneakers dessa divisão. “Os pares Old Skool, que fazem parte da marca desde 1977, estão entre os favoritos dos últimos tempos”, diz Pietro Giovanelli, gerente de merchandising da Vans Brasil. Os murais assinados por Felipe Yung, no térreo, são mais uma estratégia para destacar o local — e chamar a atenção de quem ainda não foi fisgado pela paixão e pelo vício em calçados.
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Publicado em VEJA São Paulo de 6 de outubro de 2021, edição nº 2758