Em 2008, três anos depois de começar a investir no ramo da gastronomia, o empresário Isaac Azar via os planos de construir uma rede de restaurantes em São Paulo transformar-se em pesadelo. Os negócios estavam ruindo pelo peso das dívidas acumuladas para financiar a expansão rápida, a ponto de não conseguir pagar em dia o salário dos funcionários das suas três casas (o atraso chegou na época a três meses). “Estava quase quebrando”, conta. Certo dia, desesperado e sem rumo, tomou de uma só talagada um vidro do ansiolítico Rivotril.
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Completamente grogue e sonolento, foi acudido pela mulher, Caroline Salvestrini, que o levou ao Hospital Sírio-Libanês, onde passou a noite em observação. Felizmente, o medicamento não lhe causou maiores problemas. “Estava fora de mim, era banco cobrando, fornecedor cobrando…”, lembra. Azar fala desse episódio para ilustrar a guinada que sua vida deu a partir daquele momento. Em um gesto radical, resolveu livrar-se dos endereços menos lucrativos (o Azaït, de culinária mediterrânea, e o St Tropez de Todos os Santos, especializado em frutos do mar), de modo a se concentrar no bistrô Paris 6, na Rua Haddock Lobo, nos Jardins.
O estabelecimento, que já vinha bem desde a inauguração, em 2006, não apenas salvou a carreira do empresário como acabou também se transformando em um dos maiores fenômenos do mercado gastronômico da capital nos últimos anos. Para os mais desavisados e invejosos de plantão, seu sucesso representa um grande mistério. Apesar do nome, o Paris 6 tem pouca coisa da famosa culinária da capital europeia. Apenas 40% dos 161 pratos do menu podem ser considerados franceses, e isso com muita boa vontade, já que dividem espaço com um picadinho e quase trinta massas e risotos.
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Levado em uma madrugada de 2009 para conhecer o bistrô, o chef-executivo francês Philippe Marc, do restaurante de Alain Ducasse no Hotel Plaza Athénée, em Paris, teve um susto. “De cozinha da França, este lugar não tem nada”, disse a um de seus cicerones. Além disso, o Paris 6 está longe de ser barato (uma refeição completa sai, em média, por 75 reais) e é desprezado pelos críticos e gente do ramo (em 2011, uma pesquisa de VEJA SÃO PAULO com 170 chefs da metrópole apontou o lugar como o pior restaurante da cidade).
Pode haver certo exagero nesse resultado, mas os pratos expedidos em ritmo de fast-food quase sempre ficam devendo em acabamento e sabor. O público não parece ligar muito para isso. A maior prova são as filas enormes que se formam à porta, com espera de até três horas nos dias de pico de movimento. “As pessoas não nos procuram apenas pela comida, que é preparada com ingredientes de primeira qualidade. Elas querem apreciar uma experiência maior, que inclui estar num ambiente bacana e badalado”, define Azar.
No processo de retomada dos negócios, ele passou a gerência para as mãos de Caroline, que conheceu em 1999 quando cursavam administração de empresas na Faap. Dez anos mais nova do que o marido e absolutamente low profile, ela se tornou a cabeça administrativa do restaurante, deixando o empresário à vontade para exercitar suas grandes qualidades profissionais como relações-públicas da casa e marqueteiro.
O bistrô explodiu de vez quando Azar começou a batizar os pratos com o nome de artistas. O primeiro a ter o nome associado à comida foi o galã global Bruno Gagliasso, transformado em um camarão grelhado sobre arroz à provençal. Hoje, as sugestões do cardápio recebem o nome de celebridades de diversas áreas, do futebol às artes plásticas, da música ao teatro. No menu com doze páginas, há descrições de como cada receita surgiu por inspiração da personalidade que a batizou. No meio dos textos, aparecem duas fotos de Azar: uma com o craque Neymar, a outra com o comediante Sérgio Mallandro.
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Com frequência, personalidades televisivas desfilam por lá. Não se surpreenda se encontrar a dupla Marisa Orth e Miguel Falabella, em cartaz na cidade com a peça O que o Mordomo Viu, apoiada pelo Paris 6. Azar garante que não dá refeições de graça. “Recebo como contrapartida ingressos, que sorteio semanalmente para meus clientes nas redes sociais”, explica. Ele troca o valor dos tíquetes por vouchers de 40 reais cada um. “Todo o gasto acima dessa quantia deve ser pago”, garante.
Mais sóbria durante os almoços da semana, a freguesia que disputa as mesas é composta de executivos e pessoas que trabalham na região. Nesse horário, tem grande saída o menu completo por 45 reais. Ao cair da noite, aparecem clientes de todos os cantos da capital, além de muitos turistas, quase sempre carregados de sacolas de compras. “Recebemos gente do mundo todo, e vários dos nossos clientes são do Nordeste”, diz a gerente Ana Paula Alves, há oito anos na casa, onde entrou como garçonete.
Para devorarem pratos como o filé à parmigiana intitulado rodrigo faro, muitas mulheres capricham na oxigenação do cabelo, assim como se equilibram em saltos altíssimos, por vezes em sapatos com estampa de oncinha. Os homens, no estilo tigrão, também são presença constante. Esse público completa-se, em geral, com grupos de meia-idade e casais muito jovens. O que todos têm em comum? Sacam o celular o tempo todo para fazer selfies e clicar os pratos.
Por dia, o Paris 6 atende entre 650 e 700 pessoas, que se acomodam nos cerca de 100 lugares dos três salões. “É um caso raríssimo, um restaurante fora da curva”, atesta Tadeu Masano, um dos mais respeitados analistas de mercado de gastronomia e professor da Fundação Getulio Vargas. De acordo com o especialista, o normal seria um estabelecimento desse porte receber um quarto desse movimento. “Uma fila de três horas não é saudável”, reconhece Azar.
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De olho nesse público e na concorrência, o empresário prevê abrir até 6 de junho, na mesma Haddock Lobo e a 70 metros do Paris 6 original, o Paris 6 Vaudeville. A nova casa ocupará o mesmo ponto do extinto St Tropez de Todos os Santos, que levou Azar à bancarrota e nos últimos quatro anos era ocupado pelo D’olivino. “Operávamos no azul e nunca estivemos à venda, mas o Isaac nos procurou e fez uma oferta irrecusável de 2 milhões de reais à vista”, conta André Castro, o chef e sócio do fechado D’olivino.
A grande diferença do novo bistrô não está no cardápio, mas na composição societária. Único dono do Paris 6 junto com a mulher, Azar aqui tem dez sócios investidores. Entre seus parceiros estão a jornalista Marília Gabriela, o ator Murilo Rosa, o diretor Jayme Monjardim, o comentarista esportivo Mauro Na- ves e o jogador Emerson Sheik, com quem se tornou alvo de uma polêmica nas redes sociais ao trocarem um selinho postado no Instagram em 2013. O episódio revoltou a ala pré-histórica da torcida do Corinthians, time que o craque defendia na época (atualmente, ele joga no Botafogo). “Essa sociedade no novo restaurante sela a nossa amizade, que é muito forte, pura e honesta”, diz Sheik.
O modelo para o Vaudeville vem do Rio de Janeiro, onde Azar abriu uma filial com sócios na Barra. Bombando desde a abertura, a primogênita carioca deve ganhar uma irmãzinha na Zona Sul assim que um ponto for encontrado. No momento, o empresário traça um plano ainda mais ambicioso: abrirá o primeiro Paris 6 internacional em um condomínio-resort de Orlando. Para não errar o passo, fará a expansão no exterior apenas para os destinos preferidos dos brasileiros.
Além da presença das celebridades, o Paris 6 tem outros atrativos fortes. Na cidade, tornou-se o único restaurante 24 horas. Fecha as portas apenas em duas datas: Natal e réveillon. Nessa conta, entra o talento de Azar. Como ele gosta de dizer, nasceu relações-públicas e sabe cultivar amigos — sua agenda telefônica inclui mais de 3 000 nomes quentes. “Sempre achei que ele se tornaria político por causa desse dom para a comunicação”, afirma a mãe, Jeanette Azar.
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No dia a dia, o empresário faz um marketing agressivo. Antigo rei dos restaurantes no Twitter, rede social na qual dispõe de quase 95 000 seguidores, tem se dedicado com afinco ao Instagram e arrebanhou 179 818 fãs. Posta rotineiramente fotos de pratos que ele mesmo trata no celular, e estimula os frequentadores a fazer a mesma coisa. De segunda a quarta, quando o movimento costuma ficar mais morno, ele dá a sobremesa de cortesia a quem apresenta o post promocional depois de ter consumido o prato principal e anota o endereço virtual. Só dessa forma é possível experimentar a oferta açucarada.
Nenhum item do cardápio é páreo para um doce inventado no ano passado e em via de ser patenteado, o grand gâteau, um fenômeno de pedidos. Trata-se de um bolinho quente e úmido que lembra um suflê, servido com um picolé Diletto espetado. Os fãs se derretem pela versão paloma bernardi, feita de chocolate e regada com creme de avelã e leite condensado, mais morangos picados e avelãs trituradas. “Graças a Deus, estamos sempre lotados. Recebemos mais de 20 000 pessoas por mês”, calcula a gerente Ana Paula. Numa conta rápida, é fácil estimar um faturamento mensal de 1,5 milhão de reais.
Ao longo desses anos, além de amigos cintilantes, Azar colecionou alguns desafetos. Um deles é o ex-sócio e colega dos tempos de Colégio Porto Seguro, Beto Giorgi, um dos proprietários dos restaurantes L’Amitié, no Itaim, e Positano, em Cerqueira César, e cuja família é dona do Sal Cisne. “Não posso cruzar com ele na mesma calçada”, esbraveja Giorgi. O motivo do rompimento teriam sido supostas confusões de Azar para as finanças. “Ele lançava na contabilidade despesas pessoais. Também era capaz de substituir um piso porque não tinha gostado da cor, fazendo gastos desnecessários”, completa. “Mas pagou os 20% da minha parte quando deixei a sociedade.” Azar rebate as acusações. “O Beto saiu no momento mais difícil do restaurante, quando estávamos na crise de 2008, e ainda levou meu chef executivo, o Yann Corderon.”
Responsável pelo primeiro cardápio do Azaït, Renata Braune também faz restrições ao restaurateur. “É a única pessoa do ramo de quem tenho críticas e foi um pesadelo trabalhar com ele”, reclama. A chef conta que havia montado a primeira versão do Azaït com apenas dezoito lugares, porque a cozinha era muito pequena. Renata saiu para uma viagem de uma semana e quando voltou Azar havia dobrado a capacidade do salão sem ter condições para atender mais clientes. “Ele é megalomaníaco, quer crescer a qualquer custo”, queixa-se. Ela não vê com bons olhos a aglomeração em frente ao Paris 6 e diz que Azar pouco se importa com qualidade. “Também tem fila no McDonald’s e no Habib’s e as pessoas não acham que é bom? Tem paladar para tudo…”, arremata. O empresário, por sua vez, reconhece que teve momentos difíceis com a cozinheira, mas é só elogios para ela. “Aprendi muito com a Renata, entre outras coisas que uma cozinha precisa de comando.”
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Antes de ingressar na gastronomia, Azar foi gerente de marketing da Carrera, concessionária fundada pelo pai, Cesar Azar, judeu nascido no Egito que começou a vida em São Paulo como camelô e fez fortuna com negócio de importação, comércio de café e venda de carros. Terceiro filho homem na linha sucessória, Isaac revela complexo de patinho feio. “Nunca era ouvido, ficava de escanteio”, lamenta. Quando o pai resolveu se aposentar e passar o comando para os filhos, Azar vendeu sua parte aos irmãos. Assim nasceu o restaurateur.
Ao longo desses anos, ele soube cultivar como ninguém a companhia de celebridades. “As pessoas acham que o Isaac fica de ti-ti-ti, mas ele está trabalhando o tempo todo, disponível e dedicado. Quase sempre chega em casa às 6 da manhã”, diz Caroline, com quem mora em um apartamento de 260 metros quadrados a três quadras do restaurante. Isso não impede que ele viaje com a mulher e os filhos, Jean-Luc (8 meses), Catherine (10 anos) e Sophie (12 anos), du-rante as férias. Seus destinos preferidos são as estações de esqui, em especial Courchevel, na França.
Suas festas de aniversário reúnem constelações globais. Neste ano, teve como cenário o Copacabana Palace, com direito a shows de Tânia Mara e Evandro Mesquista. Judeu sefardita, frequenta a sinagoga Beth-El, nos Jardins. Aliás, o judaísmo foi escolhido como tema para as tatuagens que espalhou pelo corpo, quase todas escondidas. As maiores estão nas costas: uma asa, a estrela de Davi e a espada de Israel. “Minha mulher ficou furiosa quando viu que eu tinha feito”, conta.
Outra religião, o futebol, o tem como devoto fanático do Corinthians. Embora não costume ir a estádio, pegou um avião para ver o Timão disputar a final do Mundial em Tóquio. Pôde festejar a vitória e ter uma camisa autografada por toda a equipe. Como conseguiu? Uma cortesia de Emerson Sheik, o mesmo do polêmico selinho.