“Açougue” vegano em Perdizes aposta em churrasco sem carne
O estabelecimento vende itens como linguiças, hambúrgueres e costelinhas - tudo sem carne

Em dezembro, a região de Perdizes ganhou o “açougue” No Bones. Como o próprio nome em inglês diz, por ali não há ossos. Nem sangue. Nem propriamente carne. Na verdade, carne é a última coisa que pode cruzar as portinhas do estabelecimento da Rua Caraíbas. Explicamos. Não se trata de um engodo, mas de uma jogada de marketing. O chamado açougue (que de açougue não tem nada) é a primeira casa do tipo na capital.
O negócio segue a cultura do veganismo, que prega um estilo de vida sem a exploração animal. Radical, a prática envolve não só eliminar aves, peixes, cortes bovinos e afins do cardápio. Também não permite comer mel, queijo nem ovos, vestir couro ou lã, consumir produtos que recorram a testes em bichos… A lista é bem longa e segui-la demanda determinação. O No Bones atende essa parcela de consumidores usando a linguagem dos carnívoros.

Dá para encostar no balcão e pedir congelados para viagem como costelinhas (uma mistura de cogumelos), hambúrgueres (feitos com lentilha, grão-de-bico e outros ingredientes), espetinhos (de soja), linguiças (à base de feijão), salsichas (de tomate seco)… Tudo em formato similar ao dos originais. Uma temperada bola de glúten, farinha de arroz e feijão traz, por exemplo, um “osso” de mandioca atravessado, nos moldes de um pernil. Como as outras coisas dali, tem zero sabor de carne. No máximo, um toque defumado.
Como opções de acompanhamento, estão disponíveis maionese e queijos, com receitas alternativas sem ovos nem leite, além de bacon — leia-se tiras de coco seco saborizadas. Por causa das similaridades, há quem entre lá achando tratar-se de um açougue tradicional. Ao perceber a confusão, a sócia do lugar, a arquiteta Marcella Izzo, de 26 anos, passa um “xaveco” no cliente desavisado e tenta mostrar as comidinhas como alternativas alimentares, procuradas ainda por celíacos e intolerantes à lactose, por exemplo. Alguns aceitam bem.
Outros reagem com provocações do tipo: “Para mim, só uma boa picanha na churrasqueira”. Nesses casos, a proprietária tem a resposta na ponta da língua aos “carnistas”, como ela os chama. “Posso então te vender o carvão”, costuma dizer. Vegana há sete meses, Marcella é quem cozinha e toca a empresa, junto de três funcionários e do noivo, o publicitário Brunno Barbosa. Ela começou a criar receitas em casa, fez sucesso entre os amigos e resolveu investir no negócio.

Recebe um público detalhista, afoito por ler rótulos e saber os métodos de produção, e, em alguns momentos, extremista. “Os mais radicais criticam o fato de os itens terem o nomes e o formato de carnes, pois não gostam de nada que lembre esse tipo de comida”, afirma. Engana-se quem pensa que o universo vegano é “alternativo” e não fatura alto. Pelo contrário; ele está em crescimento acelerado, com o surgimento de estabelecimentos como salão de beleza e outros focados em alimentação. Há de empórios e serviços de delivery de marmitas, passando por bar (o Boteco do Gois, no centro), a restaurantes por quilo, caso da rede Barão Natural, com quatro unidades na cidade.
No dia da inauguração do No Bones, em 10 de dezembro, houve fila por lá de mais de 600 pessoas. O estoque de 2 000 artigos evaporou em duas horas. Os 60 000 reais investidos para transformar a garagem de 28 metros quadrados da casa de Marcella na loja quase foram integralmente recuperados nesses dois meses de atividade, marca formidável para um comércio iniciante. Em um evento especial realizado em um feriado de janeiro, o festival de coxinhas, em sabores como jaca, espinafre e abóbora, foram vendidas 1 000 unidades do salgado ao preço de 5,90 reais cada uma.

Algumas chegavam à mesa acompanhadas de cervejas, também veganas, é claro. Para exporem a bebida nas prateleiras, os sócios pesquisam, por exemplo, se em sua produção é utilizada alguma espécie de clarificante de peixe ou se o fabricante apoia rodeios. A equipe já tem planos de expansão no modelo de franquias. Antes, porém, é preciso lidar com os concorrentes. Um espaço no Rio de Janeiro, aberto no mês passado, também intitula-se “açougue vegano”, e tem um logotipo similar.
Marcella cogita acioná-lo judicialmente, pois registrou o nome antes da abertura. Os congelados do No Bones começaram a ser revendidos em um empório vegano de São Paulo neste mês. Além disso, há negociações com outros três estabelecimentos. Em breve, as novidades chegarão ao cardápio. Nele, será incluída uma “picanha”… de glúten. Nem Bela Gil faria melhor.
No Bones. Rua Caraíbas, 1243, Perdizes, ☎ 3862-9576. 11h/20h (seg. a sex.); 11h/15h (sáb.).