Rubel reencontra o violão em novo disco com letras “radicalmente honestas”
'Beleza. Mas agora a gente faz o que com isso?' (2025) é o nome do álbum mais recente do músico carioca, que inclui versão de Radiohead e um curta-metragem

Reconectado com o seu violão, Rubel está em sua versão mais honesta no seu novo disco, o intimista Beleza. Mas agora a gente faz o que com isso? (2025), lançado nesta quarta-feira (28).
Após As Palavras (2023), álbum em que mergulhou no cancioneiro e na literatura brasileira, com uma fusão de ritmos e participações de nomes como Milton Nascimento e Xande de Pilares, o novo trabalho é uma volta às origens — a única voz é a do compositor, e o violão é o grande protagonista, assim como em Pearl (2013), seu disco de estreia.
Mas, ao mesmo tempo, tudo mudou nos doze anos que separam o primeiro trabalho do atual. Por isso Beleza. Mas agora a gente faz o que com isso? é um disco singular, fresco, com sonoridade e letras diferentes do que já ouvimos de Rubel. Os versos por vezes soam como flashes de pensamento, descrevendo sentimentos, memórias e cenas, imagens sempre guiadas por um violão rebuscado.
Gravado e produzido pelo músico no estúdio da sua casa, no Rio de Janeiro, o repertório ainda inclui duas versões: Reckoner, da banda Radiohead, e A Janela, Carolina, tradução em português de canção de El David Aguilar. O álbum tem participação de Arthur Verocai, pianos de Antonio Guerra, arranjos orquestrais de Henrique Albino, mixagem de João Milliet e masterização de Felipe Tichauer.
A força visual das canções expande o trabalho em um curta-metragem dirigido por Larissa Zaidan, em uma espécie de desdobramento imagético do disco, sem se comprometer em contar as histórias das músicas. Descubra todos os detalhes dessa nova fase na entrevista a seguir.

Para começar, me fala sobre o nome desse disco. Qual a inspiração? E as composições, são todas recentes?
O título veio a partir de um livro de um autor contemporâneo carioca (Gabriel Abreu), que se chama Triste não é ao certo a palavra. É um nome que me deixou muito encucado, porque ele me gerou muitas perguntas. Qual seria a palavra certa? Quem está falando isso? Que sentimento é esse? Por que a pessoa está triste ou algo parecido? Fiquei com vontade de ler o livro e encantado com um título que já é uma história. Fiquei com muita vontade de criar algo com um mecanismo parecido. Sobre as composições, elas vieram em uma safra muito específica, na verdade. As melodias foram todas criadas de uma vez só ao longo de três ou quatro meses, em 2023. No início do ano passado, parei e organizei elas, cheguei em oito canções e parei para escrever as letras de uma tacada só, em março, como parte de uma única peça. Eu nunca tinha feito dessa forma, foi muito interessante e divertido, foi como se eu estivesse fazendo um livro. Todas dialogam dentro de um mesmo universo.
Seu disco anterior, As Palavras (2023), foi um trabalho com muitas participações e ritmos. Aqui, você volta para um minimalismo ouvido no seu primeiro disco, Pearl (2013), mas as letras parecem contar histórias, pessoais ou não, sob um ponto de vista observador. Qual a sua visão sobre a diferença deste para os outros álbuns?
Dei a volta completa para um lugar de origem, mas chego diferente. Esse início não é o mesmo lugar e não sou a mesma pessoa. Mas concordo que esse disco talvez seja mais primo do Pearl, porque ele tem muito a coisa do violão, é mais íntimo e tem uma unidade muito clara. Mas tem muito das Palavras. São músicas muito autobiográficas, mas a minha forma de contar essas histórias não é tão direta como antes. Minha forma de escrever agora é um pouco mais livre e misturada com outros gêneros, tem um pouco de poesia e literatura de autores que “dizem sem dizer”. O Valter Hugo Mãe me inspira muito, ele tem essa capacidade de contar uma história com uma dimensão subjetiva tão grande que uma página poder significar muitas coisas. Isso tem a ver com envelhecer, também: entender que uma experiência podem ser várias coisas ao mesmo tempo.
O disco está sendo lançado junto de um curta-metragem. Essa parte visual foi pensada junto das composições?
Não, veio bem depois. Eu não sabia exatamente como seria a divulgação, tentei não pensar muito nisso até terminar o disco. Tentei fazer algumas traduções visuais e não consegui, então comecei a buscar pessoas que pudessem fazer isso, e cheguei na Larissa Zaidan, uma diretora de São Paulo com um trabalho muito sensível, muito afinado com as coisas que eu gosto, de estética mais documental e realista. O filme é todo construído por ela, não trabalhei na concepção. Ela ouviu o disco e foi imaginando uma história que tinha a ver com a vida e as questões dela, então é uma tradução de outra pessoa sobre as sensações do disco. A ideia é justamente que as pessoas recebam como duas partes de um mesmo projeto.
Quero perguntar sobre a produção. Como você chegou nessa sonoridade?
Foi uma produção muito próxima com o Pearl, usei os mesmos microfones e os mesmos equipamentos analógicos. Eu sabia que a fundação do disco seria o voz e violão, então queria ter muito tempo para gravar. Passei oito meses gravando voz e violão. Queria muito chegar em uma sensação de dar acesso ao meu quarto às 3 horas da manhã. Queria muito que, quem ouvisse, sentisse essa intimidade, de estar escutando algo muito íntimo. E é muito difícil se sentir realmente pelado no estúdio, então foi um trabalho muito grande. Depois a gente gravou pianos com Antonio Guerra, e, por fim, a grande orquestra de Henrique Albino e Artur Verocai, com vinte instrumentistas de cordas e mais dez metais. O disco brinca com essa ideia do mínimo e do máximo, do pequeno e do épico, sem nunca perder a dimensão íntima: o violão é o protagonista.
Em Reckoner e um pouco em Noite de Réveillon, por exemplo, você usa um registro vocal raro nas suas músicas, que é o falsete. Como se construiu a relação com a sua própria voz neste disco?
Sempre briguei muito com a minha voz, nunca gostei muito de cantar, nunca me vi como cantor. Essa foi a primeira vez que fiz um pouco as pazes com o fato de que esse é meu trabalho também, e eu posso gostar da minha voz. É a primeira vez que eu consegui usar a minha voz de formas diferentes. A primeira música tem um canto muito pequenininho, meio Billie Eilish ou João Gilberto, quase sussurrado. Tem músicas que eu canto mais para fora e tem esses falsetes que eu sempre sonhei em fazer, porque eu amo muito Bon Iver, mas eu nunca tive essa elasticidade vocal. E eu adquiri, depois de muito treino. E isso é uma conquista pessoal forte. Reckoner é a coroação, a música inteira em falsete, com a minha voz totalmente exposta. Para mim, é uma parte importante do disco: usar a voz como como um instrumento de textura e timbre, e não só um veículo para a letra.
Sexo é um tema bastante presente no universo lírico dessas músicas, de diferentes maneiras. Por que esse assunto está mais aparente nesse disco?
As letras foram feitas sem projeto narrativo pré-concebido, eu não sabia sobre o que iria escrever, simplesmente sentei e a minha única proposta era não julgar o que saísse. Queria escrever de uma maneira radicalmente honesta e sem vergonha, sem tentar parecer alguma coisa. Tudo que veio é um panorama das coisas que existem na minha vida, e sexo é um tema muito importante. O disco é muito sobre tudo que faz a vida valer a pena. Os amores, as amizades, a própria música — falo muito sobre o meu amor pela música. E o sexo entra como um elemento central, e de formas diferentes. Esses dias eu vi alguma citação que falava: “É bom quando você escreve algo que você pensa: não posso lançar isso, senão vou estar vulnerável demais. É aí que fica interessante”. Achei interessante essa visão, de ir naquilo que você não quer falar. Algumas falas de sexo entram um pouco nesse lugar, de escancarar lugares não tão comuns, em que estou realmente pelado. É um barato esse lugar de correr um risco.
Para fechar, quero saber sobre shows. O que você está planejando para a turnê desse disco?
Vai ser uma turnê voz e violão, vamos tocar em todas as capitais do Brasil, no Japão, na Europa. É uma turnê bem grande e pequena ao mesmo tempo, vão ser teatros pequenos, a ideia é reduzir um pouco a escala. Esse disco tem esse redimensionamento, no sentido de ser feito para um grupo específico dos meus fãs, aquelas pessoas que realmente gostam de ouvir o disco inteiro e acompanham o meu trabalho desde o início. As Palavras tinha uma vontade de falar com o Brasil e expandir o meu público, acho que agora é o contrário, quero voltar um pouco para o meu público raiz.
Esse movimento de reencontro com seu início de carreira, tando no disco quanto no palco, passa principalmente pelo violão voltar a ser protagonista?
É o que falamos no início, esse disco é muito diferente dos primeiros, mas o que dá essa sensação de que estou voltando é justamente o violão. De alguma forma, esse trabalho comprovou para mim que, se eu tenho alguma identidade musical, ela está muito associada à minha forma de tocar violão. Era claro desde o início: esse é um disco de violão, ele seria o protagonista, mais até do que a minha voz. Ele é a alma do álbum. Nesse sentido, é um reencontro total, precisei passar por muitas coisas para entender que sou um tocador de violão. E agora eu estou pronto para pegar ele debaixo do braço e contar essa história.