Marina Melo canta a São Paulo real e utópica no álbum ‘Ousar Abrir’
A artista paulistana desenha crônicas sobre os tempos atuais em novo disco com participações de Otto, Maurício Pereira e Ná Ozzetti
Do flerte entre duas pessoas ao grito de socorro de um planeta em meio à emergência climática, as dores e delícias do nosso mundo são cantadas por Marina Melo, 34, no seu mais novo disco, Ousar Abrir (2025), lançado em maio com nove canções que desenham crônicas sobre os tempos atuais — sob um olhar especialmente paulistano.
A especulação imobiliária em São Paulo é o tema da música Prometeu — “O prédio que prometera o céu / Tampou o sol da casa / Que nada prometeu”. Em Feed, um passeio pela distopia das redes sociais mostra que nós “rolamos para baixo o feed sem perceber que estamos caindo”. Na faixa Cidade, os versos clamam por um lugar “onde tudo que vive tem direito a água e a céu”. Em Doutor, nosso planeta relata ao médico o seu quadro: febre de 50 graus, rios transbordando, calafrios e ventos a 100 por hora.
São algumas cenas que a artista pinta com as palavras, cantadas por ela e pelas participações especiais no álbum, todas ligadas de alguma forma à capital paulista: Otto, Maurício Pereira, Ná Ozzetti, Filarmônica de Pasárgada, Barbarelli e Lio, da banda Tuyo. “São pessoas que, mesmo que não tenham nascido aqui, escolheram essa cidade para viver as suas artes. Foram todos encontros muito afetivos e verdadeiros”, comenta.
Nascida nos Jardins e hoje residente da Vila Buarque, a cantora e compositora começou a criar as músicas desse seu terceiro disco a partir de uma residência artística na Casa Líquida, em Pinheiros. “Fiquei três meses morando lá com outros artistas, me propondo a ter muita interlocução na composição. Costumo criar de um jeito mais fechado, dentro do meu quarto, e só mostrar quando sei que está bom. Dessa vez não, deixei as músicas passarem por outras pessoas”, conta.
Para ela, o endereço criativo na Zona Oeste é um exemplo real da cidade utópica descrita na faixa Cidade. “Existem por aí lampejos desse lugar que eu canto, e o mais legal é quando estão no âmbito público”, diz, citando o Centro Cultural São Paulo (CCSP), o Minhocão aberto para pedestres e o Carnaval de rua como pedaços de sonho urbanos. “Talvez isso faça a gente ter essa relação tão ambígua com São Paulo, porque, quando ela resolve nos alimentar, faz isso muito bem”, pensa.
Aliás, na sua carreira, a relação com o espaço urbano é marcante — em 2023, criou o projeto itinerante Shows Secretos em Plena Praça Pública. “Inventei de fazer shows nas praças e parques, fora dos teatros, e no meio das apresentações peço para a plateia me dizer palavras e crio músicas ao vivo”, explica.
A inventividade também está presente no novo trabalho. Além dos violões e das vozes, de Marina e dos convidados, todos os outros sons escutados no disco são sintéticos, criados digitalmente pelo sound designer Lucas Ferrari. “Em cada canção, escolhemos três palavras do universo da música e criamos os sons a partir delas”, explica Marina, que ainda contou com a parceria da artista mineira Luiza Brina nos arranjos e na produção, para chegar a uma sonoridade contemporânea e imersiva. “Precisou de ousadia e coragem, tive um frio na barriga. Poderíamos ter feito com instrumentos que existem e caminhos já percorridos, mas escolhemos algo diferente, e ficamos muito felizes com o resultado.”
Desde seu primeiro disco, Soft Apocalipse (2016), Marina canta as dualidades da vida em meio ao caos. “Tenho essa pesquisa artística muito profunda de como fazer uma arte que dê conta tanto da beleza quanto da atrocidade do mundo. Vejo muito as duas coisas acontecendo, não preciso nem citar a quantidade de catástrofes diárias que chegam até nós, mas, ao mesmo tempo, existem belezas cotidianas em nossas vidas íntimas ou coletivas”, resume, ao falar da música Vênus, que descreve uma paixão entre duas pessoas em meio ao desencanto global. “Apesar do que esteja acontecendo ao redor, a paixão tem essa sensação de inauguração de um novo mundo. O mundo acaba mais devagar e também recomeça com uma nova história, uma nova pessoa”, reflete.
O jeito para não se perder nessa corda bamba de alegrias e tristezas parece ser “ousar abrir” novos caminhos, como sugere o título do álbum — seja inventar seus próprios sons, seja uma nova maneira de criar, como fez a artista. “Agora que o disco está no mundo, ele convida as pessoas também a abrirem os próprios ouvidos e se envolverem com essa história”, deixa o convite. ■
Publicado em VEJA São Paulo de 18 de julho de 2025, edição nº 2953
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