Conheça os bastidores da última turnê de Gilberto Gil, ‘Tempo Rei’
Dos telões às caixas de som, veja quem são as pessoas que fazem acontecer o espetáculo que chega a São Paulo nesta sexta-feira (11)

A última chance de ver Gilberto Gil em um palco para grande público. Como criar um show à altura deste acontecimento?
Com realização da produtora 30e em parceria com a Gege Produções, Tempo Rei, a turnê final do artista baiano, aos 82 anos, aterrissa em São Paulo nesta sexta-feira (11) e sábado (12) e segue nos dias 25 e 26, no Allianz Parque — restam poucos ingressos, apenas para o dia 25.
A seguir, a Vejinha traz todos os detalhes sobre esse momento histórico, com os profissionais que fazem o espetáculo acontecer.

De cara, uma estrutura no palco chama atenção: uma enorme espiral de LED paira sobre os músicos. A ideia partiu da talentosa Daniela Thomas, que assina a cenografia.
“Não sou esotérica, pelo contrário, mas, na minha interpretação visual, o Gil é o encontro de dois vórtex: um que vai para o centro da Terra e outro que segue até o fim do cosmos. Ele está ali, recebendo essas influências e produzindo um manancial de belezas, em poesia e música”, define ela, que entrou no projeto a convite do diretor artístico Rafael Dragaud.

“O vórtex (ou redemoinho) é a alma do nosso show, uma tradução muito feliz de um tempo não linear, que mistura cosmogonias de toda natureza: católica, indígena, africana — o Gil dialoga com todas”, explica Rafael, que começou a pensar a turnê há um ano, após um chamado da empresária e esposa do músico, Flora Gil.
“Tivemos tempo para trabalhar, e isso é muito raro. Da imensidão de possibilidades, tive um insight que me levou a uma única ideia: pensei, estruturalmente, na narrativa da escola de samba. O que não poderia faltar em um enredo sobre Gil?”, completa o diretor, sobre o processo criativo.
Toda essa concepção pensada por Daniela e Rafael ganha forma nos telões e LEDs pelo trabalho do estúdio de criação Radiográfico, com uma equipe liderada pela dupla de designers cariocas Olivia Ferreira e Pedro Garavaglia.

O duo está acostumado a grandes desafios — a partir de 2005, após se destacarem com trabalhos na cena teatral do Rio de Janeiro e criarem cenários para programas da TV Globo, como Esquenta!, foram escalados para fazer o design visual da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de 2016.
“A Olivia e o Pedro têm uma sinergia de como eu vejo as coisas, são as pessoas mais deliciosas de trabalhar e os maiores parceiros de design que eu já tive”, comenta Daniela Thomas, uma das diretoras artísticas da abertura olímpica, que repete a parceria com o estúdio em Tempo Rei.
A criação visual com o Radiográfico começou antes dos ensaios da banda, ainda em outubro. “O diálogo visual busca potencializar a música do Gil, e não competir. É um trabalho muito artesanal, com uma operação dramatúrgica, no sentido de que cada canção é uma criação: são duas horas e meia de conteúdo sem imagens genéricas nem loopings”, detalha Olivia.
Entre as imagens, alguns conteúdos inéditos: em Vamos Fugir, fotos da viagem de Gil e Flora para a Jamaica em 1984, e, em Drão, vídeos de Gil e Sandra Gadelha, sua ex-esposa (cujo fim de casamento inspirou a música), com a família.
“Usamos o conceito de canções visuais, nessa ideia do show como um grande longa-metragem feito de diversos curtas a cada música”, comenta Pedro.
O espetáculo une etapas supertecnológicas com toques manuais: diferente da maioria dos megashows de hoje, a turnê não funciona com timecode — isto é, a marcação de tempo que sincroniza os músicos com os conteúdos audiovisuais —, o que deixa alguns detalhes para a operação durante cada apresentação.
Todas as fases de Gil aparecem no repertório de quase trinta músicas, com homenagens ao reggae e à tropicália e referência à ditadura militar, em Cálice.
As telas brilham aos olhos, mas outro aspecto do espetáculo é ainda mais importante: o áudio. É aí que entra Daniel Carvalho, o engenheiro de som da turnê, responsável não só pela operação, mas também pelo desenho dos sistemas sonoros em todas as arenas e pela gravação dos shows.

Vencedor de oito estatuetas do Grammy Latino, Daniel começou sua trajetória como assistente do produtor Tom Capone (1966-2004) no AR Studios, no Rio. Depois, gravou e mixou discos importantes como a trilogia Cê (2006), Zii & Zie (2009) e Abraçaço (2012), de Caetano Veloso, além de fazer o som de grandes turnês, como Portas, de Marisa Monte.
O chamado para integrar o time de Tempo Rei veio de Bem Gil (diretor musical do show, ao lado de José Gil, seu irmão), semanas antes da estreia em Salvador, no dia 15 de março.
“O Gustavo Mendes faz a mixagem, e a minha responsabilidade é fazer com que ela seja escutada por todos no estádio e que o Gil não esteja desconfortável. É uma engenharia muito delicada — se você errar um pouco o ângulo de uma caixa, 3 000 pessoas podem ficar sem escutar direito”, explica Daniel, que, em 2019, foi estudar desenho de sistemas com o especialista Bob McCarthy, em Nova York.
“É o estudo de quantas caixas são necessárias para distribuir o som. Uma área que está tendo mais visibilidade no Brasil agora, com artistas nacionais fazendo produções que antes só eram vistas em bandas internacionais”, afirma.
O trabalho de som ocupa uma posição delicada: quanto melhor o resultado, menos notado é. “A minha função é permitir ao artista criar sem barreiras técnicas. Vejo às vezes as pessoas acharem que o som não é tão importante, e, na verdade, é o contrário: o único fator que faz o público pedir seu dinheiro de volta é se o som estiver ruim. É o pré-requisito para tudo acontecer”, diz Daniel.

São centenas de profissionais que, por trás do pano, trabalham para que um espetáculo musical e visual como Tempo Rei emocione o público.
E todo o equipamento e o pessoal envolvidos nesta turnê mostram que, quando se fala de infraestrutura para eventos de música ao vivo, o Brasil está na primeira prateleira mundial. “Estamos muito avançados nas questões técnicas desse nível de produção. Fora as placas de LED, que não são feitas no Brasil, todo o resto foi produzido aqui, por pessoas e empresas locais”, conta Daniela.
E toda essa complexidade logística e tecnológica serve a um propósito simples (e imenso): celebrar a vida e obra de Gilberto Gil, sem clima de adeus.
Como resume o diretor artístico Rafael Dragaud: “Queria que esse show não tivesse cara de despedida, porque isso não combina com a visão cíclica de tempo do Gil. O fim também é um nascimento — ‘Morre, nasce, trigo / Vive, morre, pão’ (versos de Drão). Para mim, a última turnê tinha que ser o show com mais cara de alvorada”. ■
Allianz Parque. Avenida Francisco Matarazzo, 1705, Água Branca. ♿ Sex. (11 e 25) e sáb. (12 e 26), 20h. R$ 230,00 a R$ 530,00. 16 anos. eventim.com.br.
Publicado em VEJA São Paulo de 31 de janeiro de 2025, edição nº 2929