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Coisa Mais Linda, da Netflix, é uma série bonitinha, mas muito ordinária

A trama, ambientada em 1959, tem diálogos com frases de efeito e personagens pouco críveis

Por Miguel Barbieri Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 27 mar 2019, 18h52 - Publicado em 27 mar 2019, 15h08
Pathy Dejesus e Maria Casadevall na frente do night club  (Divulgação/Netflix/Veja SP)
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Confesso: nunca vi uma série brasileira da Netflix. Nem as badaladas O Mecanismo e 3%. E fui com as melhores intenções maratonar Coisa Mais Linda, sobretudo pelo tema, por atores que eu admiro (como Gustavo Vaz e Maria Casadevall) e pela época, a fervilhante virada da década de 50 para 60, no Rio de Janeiro. A cada capítulo, porém, a decepção só foi aumentando.

Vamos às coisas boas, que são bem poucas. É muito bacana tratar do empoderamento feminino numa época (atual) em que, todo santo dia, há notícias de mulheres espancadas e/ou violentadas no Brasil. Levar o assunto para sessenta anos atrás, daria um gostinho de feminismo à série. Também é ótimo ter uma protagonista negra (Pathy Dejesus) e mostrar como os negros eram tratados (e ainda são) com preconceito. A recriação de época é bonitinha – até demais para o meu gosto. Não tem nada fora do lugar – dos penteados e as saias rodadas ao colar de pérolas das moças.

Agora, os problemas, que são muitos. Primeiro: é difícil acreditar na maioria dos personagens. Vejamos: Maria Luíza (Maria Casadevall) deixou os pais e o filho em São Paulo para abrir um restaurante com o marido no Rio de Janeiro. Chegou lá e viu a espelunca onde iria morar e, para piorar, o sujeito se mandou com a grana, emprestada pelo pai, um rico fazendeiro de café. A dondoca, contudo, decide levantar a poeira e dar a volta por cima e fazer de sócia a empregada doméstica analfabeta, que ela conheceu num momento de profunda tristeza. Ao invés de um restaurante, Malu (como ficará conhecida) decide apostar suas fichas num night club com músicas da bossa nova, gênero musical que, pasme!, ela desconhecia no primeiro episódio. A premissa é linda e edificante, mas é impossível acreditar nela.

Há outras tramas igualmente improváveis. A melhor amiga de Malu é Lígia (Fernanda Vasconcellos), que desistiu de ser cantora porque casou com Augusto (Gustavo Vaz), um político machista que dá uns tabefes na esposa. Quando ela chega em casa bebadinha, leva um tapa na cara; quando ele chega bebum, estupra a mulher. Outro casal pouco crível é Thereza (Mel Lisboa) e Nelsinho (Alexandre Cioletti, boa surpresa do elenco) – ela é feminista e editora de uma revista feminina comandada por um bando de homens grosseiros; ele é um playboy que, saberemos mais tarde, teve um filho antes do casamento. A sutileza passou longe, muito longe.

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Thereza (Mel Lisboa) é feminista e editora de uma revista feminina (crédito: Aline Arruda) (Divulgação/Netflix/Veja SP)

A história de Adélia (Pathy Dejesus) convence mais: mãe solteira e moradora de um casebre no morro, ela diz que Capitão (Ícaro Silva) é o pai da menina e vive sendo humilhada pela patroa branca. O Rio de Janeiro é lindo, mas pouco visto na série, já que (calculo), 90% de Coisa Mais Linda foi gravada em estúdio. Há algumas cenas na praia, botecos de rua e a alameda que vai abrigar a casa notuna. E só!

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Fernanda Vasconcellos interpreta a cantora que é espancada pelo marido (crédito: Aline Arruda) (Divulgação/Netflix/Veja SP)

Quanto à bossa nova, tão esperada por mim e por muitos, é quase inexistente. Há um compositor/cantor (Leandro Lima) que se arrisca no gênero em canções originais. Se o ano é 1959, João Gilberto e Chega de Saudade já existiam, mas nem isso é citado. Quer mais estereótipos? Que tal Roberto, diretor de uma gravadora, interpretado por Gustavo Machado com a mesma vibe de seu Ronaldo Bôscoli no filme sobre Elis Regina?

Há vários conflitos, mas tudo, tudo é resolvido de forma simplista, rápida, rasteira e superficial. De um capítulo para o outro, os dramas se dissolvem como num passe de mágica e são mal explicados. Há também problemas de narrativa. Os atores tentam salvar um roteiro medíocre, com diálogos patéticos e frases de efeito risíveis. Trilha sonora? Tem Rita Lee, Cazuza e Luiz Melodia. Ok, é licença poética, mas, com tanto repertório bossanovista, será que não encontraram uma música mais “antiga” que se encaixasse no enredo?

Encontrei mais defeitos. Não raro, eles adoram exaltar o Rio de Janeiro e falar mal de São Paulo. Mas olha só que coisa: cariocas na série, Gustavo Vaz, Pathy Dejesus e Fernanda Vasconcellos são paulistas, e Mel Lisboa nasceu no Rio Grande do Sul.

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Será que eu comento o desfecho? Como gancho para uma sequência, há o mais estúpido e estapafúrdio destino para dois personagens. Segunda temporada? Quero passar bem longe!

De autêntico, eu notei o uísque e o cigarro, presentes, respectivamente, na mão e entre os dedos de nove entre dez personagens.

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