A evolução da internet tem sido cada vez mais rápida. Às vezes, nem nos damos conta de que algumas das redes sociais mais populares surgiram há pouquíssimo tempo. O Facebook é de 2004, tendo grande abrangência apenas anos mais tarde. O WhatsApp surgiu em 2009 e o Instagram, lançado em 2010 para iOS, tornou-se popular apenas a partir de 2012, quando ganhou uma versão para o Android.
A expectativa com a popularização da web era descentralizar as fontes de informação e facilitar a produção e a troca de conteúdos diversos. Apesar dessa vocação, o conteúdo on-line tem se tornado cada vez mais centralizado. Se a internet, pensada para ser navegada interativamente por usuários ativos, era a alternativa à TV, que favorece um uso eminentemente passivo, atualmente ela está muito mais parecida com a televisão. Isso acontece porque os algoritmos das maiores empresas on-line identificam o gosto de cada um e modelam as timelines e os conteúdos de publicidade de acordo com o perfil do usuário. As pessoas não imaginam como escolhem pouco aquilo que veem nas redes sociais.
Outra mudança recente é a prevalência da popularidade baseada na imagem em detrimento do conteúdo. Existem muitos perfis que alcançam grande número de seguidores por causa principalmente da fama, beleza ou excentricidade de seu autor e muito pouco por conta de seu conteúdo, comumente sem base científica ou novidade (o problema não é a ausência de novidade em si mas sim o não reconhecimento da verdadeira autoria).
Na academia que frequento, há algumas garotas que gostam de se fotografar diante do espelho enquanto treinam. Uma em especial sempre tira “selfies” enquanto treina. Um professor me explicou que ela tem milhares de seguidores no Instagram e que, portanto, posta diariamente cliques de seus treinos, além de imagens de outros momentos do seu dia. O interesse que a moça desperta em seus seguidores, pelo que entendi, tem a ver com sua beleza e principalmente com a referência de corpo que ela fornece.
Há quem siga vários perfis populares voltados para a imagem de uma vida entendida como ideal e que poucas pessoas têm. Seja o perfil de alguém rico ou de alguém com um corpo referenciado como perfeito ou ainda alguém que conquistou popularidade mostrando simplesmente aquilo que faz no cotidiano. Parte dos seguidores desses perfis sofre significativamente por sentir-se fracassado em sua vida uma vez que não atingiu aquele nível de sucesso ou um corpo tão escultural quanto aquele valorizado nas redes sociais.
Muitos dizem: “Eu não ligo pra esses perfis. Só sigo ‘fulano’ por curiosidade… é só pra passar o tempo.”
Apesar dessa assertiva, é difícil se dar conta do tempo investido nas redes sociais. Nós brasileiros somos líderes globais, sendo que nosso tempo gasto em redes sociais é 60% maior do que a média mundial. Passamos 650 horas por mês nas redes. Considerando a popularidade de perfis com pouco conteúdo e muita imagem, podemos dizer grosseiramente que as horas nas web são momentos nos quais deixamos de viver nossas vidas para simplesmente olhar recortes tacanhos das vidas de pessoas populares. Esse tempo todo dedicado à atividade dá a pista de que nós brasileiros estamos em condição de solidão.
No consultório, é cada vez mais comum ouvir queixas relacionadas a insatisfações com o corpo ou ao estilo de vida que tenham como régua perfis virtuais de pessoas que praticamente só se dedicam àquela atividade (academia, viagem, gastronomia…), ou seja, uma referência errada para quem precisa trabalhar diariamente usando o transporte público, cuidar dos filhos etc.
E a vida passa se não tomarmos cuidado. A vida tem de ser agora. Cada dia da sua vida precisa fazer sentido pra você. Gastar tempo demasiado naquilo que não lhe realiza é morrer um pouco naquele dia.
Um exercício que proponho aos meus pacientes (e que já pratiquei) é passar uma semana longe das redes sociais. Depois desse tempo, fica mais fácil avaliar o que de fato faz ou não sentido para você. Há até quem abandone a atividade depois disso.