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Em Terapia

Por Arnaldo Cheixas Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.

Por que amor de Carnaval não sobe a serra?

Diz a sabedoria popular que amor de Carnaval não sobe a serra. Que a data é propícia para encontros casuais e relacionamentos passageiros é verdade. Pode ser que a razão para isso seja porque as pessoas fazem no Carnaval o que talvez quisessem fazer o ano todo, mas seria mal visto aos olhos dos outros. […]

Por VEJASP
Atualizado em 26 fev 2017, 18h40 - Publicado em 10 fev 2015, 18h52
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Diz a sabedoria popular que amor de Carnaval não sobe a serra. Que a data é propícia para encontros casuais e relacionamentos passageiros é verdade. Pode ser que a razão para isso seja porque as pessoas fazem no Carnaval o que talvez quisessem fazer o ano todo, mas seria mal visto aos olhos dos outros. Nossa sociedade pune com preconceito quem não se comporta “de acordo” com seu gênero, mas aceita que homens se vistam “de mulher” no Carnaval. Tudo é brincadeira. Quando a festa passa, todos trocam as máscaras de Carnaval pelas máscaras da personalidade, da moral e dos bons costumes.

Amar livremente (um pleonasmo) não cabe na moral e nos bons costumes de nossa sociedade. Assim, o Carnaval ou uma viagem de verão à praia são boas oportunidades para experimentar uma relação intensa e livre. Há quem volte renovado dessa vivência, mas há também quem volte angustiado e culpado. Nesse balaio existem solteiros em busca de felicidade e comprometidos em busca de um novo ardor em suas vidas. Relações se quebram por conta das aventuras carnavalescas. Mas, mesmo entre os solteiros, há quem volte mexido delas.

Isso ocorre porque, embora as pessoas estejam vivendo uma relação passageira num contexto totalmente avesso ao aprofundamento da interação, há quem alimente expectativas de que aquela relação lhe traga realização amorosa.  Claro que um encontro entre duas pessoas nesse contexto não é uma vivência neutra. Estar com alguém em dias de Carnaval, numa cidade diferente e num ambiente de relaxamento, desligando-se momentaneamente das preocupções e obrigações do cotidiano, é uma vivência de entrega e de comunhão. É o tipo de encontro apaixonado, daqueles que se vê na literatura. As marcas impressas em quem vive tal experiência tendem a ser indeléveis. Mas qual o tamanho que esta vivência deve ter?

É possível e desejável que esta tal experiência intensa ganhe espaço no rol das boas memórias. Mas, às vezes, ela vira insônia e dor de cotovelo. Isso tem a ver com as mencionadas expectativas de realização amorosa. Tais expectativas existem não porque aquela relação foi um caso “diferente de qualquer outro” mas sim porque havia uma lacuna que a pessoa quis preencher com o amor dado por outra pessoa. Minha felicidade passa a depender do amor que o outro tem a me oferecer. Isso ocorre em qualquer época mas, de fato, uma data como o Carnaval acaba sendo propícia para dar vazão a expectativas romantizadas de vínculo… afinal, a ficada foi maravilhosa, foi como um sonho. Mas, retomada a rotina ou conhecendo-se melhor o outro no cotidiano, o que se vê é uma dissolução do aparente amor vivido nos dias de Carnaval. Ou, mais melancolicamente, a dissolução do amor depois de dias esperando uma ligação que nunca chega.

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Claro que há muitas e muitas histórias de casamentos e namoros que começaram no Carnaval. E não há nenhum problema nisso. Aconteceu a química! E provavelmente não dependeu de esforço para isso. Aconteceu e pronto. O problema que estamos abordando diz respeito ao perigo de se esperar além do que a realidade permite em cada situação. O problema é querer preencher seu vazio com o amor que o outro pode eventualmente oferecer. Mas, se há um vazio, é importante olhar primeiro para ele estando só.

Talvez as pessoas devessem permitir-se mais frequentemente viver uma relação de Carnaval ou de verão. Uma relação de inverno, de cidade ou de escritório. Um encontro despretencioso com o outro. Um encontro que valha por si. É dessa liberdade que nasce o amor. Nunca da obrigação e da cobrança. E é por isso que dificilmente o amor de Carnaval não sobe a serra. De fato, o amor nem chegou a descê-la. Ficou esquecido em algum canto de onde foi tirada a expectativa. Você só pode carregar consigo um dos dois… expectativa ou amor. Amor é doação. Se você escolheu levar a expectativa para o Carnaval, saiba que o amor ficou para depois. Se escolheu levar o amor… pode ser que a mágica aconteça agora… pode ser depois também. Mas a relação amorosa só pode nascer do próprio amor.

Bom Carnaval!

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