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Em Terapia

Por Arnaldo Cheixas Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.

Pedir ao outro que mude pode ser sinal de que você precisa mudar

Fernanda e Juliana se conheceram porque seus filhos estudam na mesma escola. Fernanda é mãe de Pedro e Juliana é mãe de Hugo. Ambos têm 16 anos e estão no segundo ano do segundo grau. Num dia de reunião de pais, após o término da atividade, Fernanda e Juliana ficaram conversando sobre a dificuldade que […]

Por VEJASP
2 dez 2014, 13h25

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Fernanda e Juliana se conheceram porque seus filhos estudam na mesma escola. Fernanda é mãe de Pedro e Juliana é mãe de Hugo. Ambos têm 16 anos e estão no segundo ano do segundo grau.

Num dia de reunião de pais, após o término da atividade, Fernanda e Juliana ficaram conversando sobre a dificuldade que compartilham em fazer com que seus filhos fiquem prontos para sair de casa e ir para a escola no horário combinado. Pedro e Hugo estudam de manhã na mesma turma e suas mães lhes dão carona até a escola antes de irem para o trabalho.

Nos dois casos, aproveitar a carona da mãe significa poder sair mais tarde e contar com o conforto de estarem sentados desde suas casas até a porta da escola. Sem a carona da mãe, tanto Pedro quanto Hugo teriam de sair quase 1 hora mais cedo de casa, caminhar algumas quadras e enfrentar o metrô lotado. Eles preferem a carona mas tendem a atrasar. Por coincidência, tanto Fernanda quanto Juliana combinam com seus filhos o mesmo horário para sair de casa: 6h30. Pedro e Hugo, ambos, tendem a acordar atrasados e, por consequência, não estar prontos às 6h30. Só que as semelhanças acabam por aí.

Enquanto conversavam, Juliana percebeu que é muito comum ela chegar atrasada no trabalho por conta dos constantes atrasos de Hugo, que também acaba por entrar na escola depois de a aula já ter começado. Juliana fez um grande desabafo para Fernanda. Disse que está começando a ter problemas com o chefe por conta dos atrasos e que não sabe como lidar com Hugo. Ela diz que todos os dias pede a ele que não se atrase, explica as consequências que isso traz para o aproveitamento escolar, para o trabalho dela e até para o estresse diário que ela e o filho sofrem por estarem sempre sob pressão. Hugo se aborrece e conta aos amigos que recebe um sermão por dia, de casa até a escola.

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Após o desabafo, Juliana perguntou à Fernanda como é com o Pedro. Ela esperava um desabafo parecido mas se surpreendeu com a resposta da amiga. Fernanda disse que Pedro é parecido com Hugo e que ela já arrancou muito cabelo por causa disso mas aprendeu com o psicólogo de Pedro a lidar melhor com a situação. Depois de um tempo seguindo o mesmo padrão de Juliana, dando sermões diários em Pedro para que estivesse pronto no horário, ela mudou a estratégia com a ajuda do psicólogo. Ela disse a Pedro: “Pedro, eu gosto de levar você até a escola porque temos a oportunidade de conversar sobre nossas coisas. Mas eu não posso me atrasar para o trabalho. Por isso eu realmente tenho de sair no horário. Então, se você não puder ficar pronto às 6h30, infelizmente não poderei esperar e você terá de ir para a escola de metrô, tudo bem?” Pedro concordou prontamente. Na verdade, ele nem deu muita importância ao acordo.

Juliana interrompeu o relato de Fernanda para dizer que isso ela já tinha feito logo no começo do problema mas não funcionou. Por que, então, funcionaria para a amiga?

No dia seguinte ao acordo, não deu outra. Às 6h30 Pedro ainda estava passando manteiga no pão para tomar seu café. Seguindo a orientação do psicólogo, Fernanda pegou suas coisas, deu um beijo em Pedro e desejou um ótimo dia na escola. Pedro, surpreso, questionou: “Aonde você vai? Não vai me esperar?”, ao que a mãe respondeu com docilidade: “Eu adoraria mas, filho, como lhe disse ontem, eu não poderia mais me atrasar. Aproveite a escola!”. Após dizer isso, entrou no carro e foi para o trabalho. Ela saiu com o coração partido. Não foi fácil deixar o filho, sabendo, inclusive, que sua primeira aula seria uma aula de reforço. Pedro ficou congelado na cadeira com metade da fatia de pão na boca. Ele se deu conta de que chegaria muito atrasado para a aula. E assim foi.

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A mudança. No dia seguinte Pedro estava pronto às 6h25 esperando pela mãe. Isso aconteceu porque Fernanda modificou a consequência para o comportamento de atrasar de Pedro. Embora não tenha feito nenhum sermão de repreensão, ela “consequenciou” o comportamento de Pedro ao não esperá-lo, já que ele teve efetivamente de lidar com os custos por seu atraso. Isso fez com que ele imediatamente modificasse seu comportamento, já no dia seguinte. Antes, embora Fernanda reclamasse dos atrasos, acabava por esperar Pedro, ou seja, a consequência era exatamente o oposto da nova. Isso significa que o comportamento de atrasar de Pedro era reforçado pela carona da mãe. Por conta do poder da consequência (Pedro ganhava a carona mesmo quando não estava pronto no horário), as palavras não tinham efeito sobre seu comportamento.

Após ouvir o relato de Fernanda, Juliana ficou maravilhada com a mudança e nunca tinha se dado conta do quanto falar não é suficiente para modificar o comportamento do filho. Pelo contrário, o falar repetitivo não só não ajudou a mudar o comportamento do filho como também adquiriu um valor aversivo para ele, o que passou a atrapalhar a relação entre ambos. Após a conversa com a amiga, Juliana passou a mudar sua própria conduta na relação com o filho e com qualquer outro também. Ao mesmo tempo em que se surpreendia com o fato de que ela estava menos estressada, surpreendia-se também com o fato de que as pessoas fazem sim boas escolhas que favorecem uma interação agradável. Quer dizer, Juliana (assim como Fernanda) deixou de querer controlar o comportamento do outro e percebeu que, ao dar espaço e respeitar as escolhas do outro, a relação tende a melhorar.

Pedro fez sua escolha no primeiro dia do acordo. Teve de lidar com as consequências: usar o metrô lotado e chegar atrasado na escola. Essas consequências modificaram suas escolhas no dia seguinte. Claro que um adolescente de 16 anos não pode fazer qualquer escolha mas pode fazer algumas, como esta que acabei de relatar. Assim, foi importante Fernanda ter respeitado a escolha de Pedro ao mesmo tempo em que se colocou ao lado dele para apoiá-lo. Vale dizer que, após notar a mudança no comportamento do filho, Fernanda não se vangloriou com ele em nenhum momento, dizendo coisas como “Eu falei… tá vendo?”. Esse tipo de fala também atrapalha bastante a interação e não ajuda a manter comportamentos desejados.

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Eu me lembro também de uma situação deste tipo pela qual eu mesmo passei. Tive a oportunidade de ministrar aulas na mesma universidade onde estudei. No primeiro dia, no horário do início da aula, havia três alunos na sala. Como isso aconteceu pouco tempo depois de eu ter me formado, eu me lembrava bem de como alguns professores se estressavam com os atrasos dos alunos, o que durava todo o curso da disciplina. A fim de evitar repetir o problema, agi diferente. Fiz o seguinte. Comecei a aula com os três alunos presentes. Conforme os demais alunos iam chegando, eu os recebia amigavelmente, dizendo que eram bem-vindos. Eles se sentavam surpresos com a quantidade de informação no quadro após poucos minutos de aula. Essa peregrinação de novos alunos durou os primeiros trinta minutos de aula. Assim, quase que toda a turma (exceto os três primeiros) perdeu alguma parte do conteúdo apresentado. Na semana seguinte, quando entrei na sala de aula, surpreendi-me (não, na verdade) ao ver quase toda a turma já me esperando para o início da aula. Bingo. Problema resolvido sem tocar no assunto uma única vez com os alunos. Tivesse eu feito um discurso moralista no primeiro dia, certamente encontraria resistência a minha aula a partir de então. Novamente, as consequências certas foram determinantes na mudança do comportamento dos alunos.

O que as duas histórias têm em comum é o fato de que, quando queremos controlar o comportamento do outro segundo o que achamos certo, vamos aos poucos gerando sentimentos ruins no outro. Isso não ajuda a resolver a questão (horário de sair no caso de Pedro e Hugo… horário de início da aula no meu caso) e ainda gera sentimentos ruins nos vínculos existentes.

Outro aspecto interessante presente nestas histórias é que manifestar verbalmente a mudança que se espera no comportamento do outro é importante no primeiro momento mas não será suficiente se as consequências do comportamento inadequado continuarem sendo as mesmas, exatamente aquelas que reforçam tal comportamento.

Reclamar do comportamento do outro e manter as consequências que o reforçam só vai gerar sentimentos ruins. Pedir repetidamente ao outro que mude pode ser sinal de que, na verdade, você é quem precisa mudar. Sempre há tempo.

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