Quando se ouve falar de atendimento clínico em saúde mental, logo vem à mente a imagem do paciente dirigindo-se ao consultório de seu psicólogo ou psicoterapeuta para ser atendido. É o paciente que realiza então o trajeto até o profissional (que fica alocado na clínica ou instituição) e lá, por meio da escuta, o profissional propõe sua terapêutica. Foca-se no que o paciente diz de si para que seu tratamento seja planejado e é por meio da conversa que se busca a elaboração de seu sofrimento psíquico.
Entretanto, uma nova modalidade de atendimento clínico tem ganhado força nos últimos anos: o Acompanhamento Terapêutico (AT). Percebeu-se que alguns pacientes tinham necessidades emocionais que não eram contempladas pela psicoterapia, necessitando, assim, de um tratamento focado na transformação concreta de suas dificuldades e buscando construir, por meio de ações práticas, maior flexibilidade na relação do sujeito consigo próprio e com o mundo ao seu redor.
O trabalho do acompanhante terapêutico foi designado inicialmente como substituto da internação psiquiátrica para sujeitos com sofrimento psíquico intenso, no qual uma equipe de quatro a cinco acompanhantes terapêuticos (“atês”) revezavam-se para ajudar o sujeito a lidar com o momento de crise. Realizado inicialmente pelo Auxiliar Psiquiátrico, o trabalho de AT caracterizava-se apenas pelo deslocamento da equipe do hospital para a residência do paciente, buscando a vigilância deste e a remissão de seus sintomas. Entretanto, com o passar do tempo, e reforçado pelo contexto sócio-político, o trabalho de AT ganhou autonomia, saiu do hospital e tomou o espaço público, deixou de vigiar para construir junto e resgatar o desejo tão comumente perdido nos momentos de crise. Assim, o “atê” ampliou seu local de ação saindo das instituições psiquiátricas para ganhar o espaço domiciliar, a rua, a escola, o teatro, a vida pública.
O AT emerge como prática clínica singular dentro do movimento da Reforma Psiquiátrica (contexto do pós-guerra nas décadas de 50 e 60), que busca denunciar a violência das instituições psiquiátricas propondo o rompimento com a assertiva de que cuidar é sinônimo de excluir. Questionando as relações até então estabelecidas com a loucura, a Reforma Psiquiátrica busca advogar a favor dos direitos dos loucos, resgatando sua subjetividade e inscrevendo-os no espaço público e no mundo da cidadania. A Reforma Psiquiátrica, assim, pretende construir um lugar social para a loucura, a diversidade e a divergência tendo como princípios a solidariedade e a inclusão.
No Brasil (final da década de 60), a prerrogativa do AT toma corpo com a criação das primeiras comunidades terapêuticas em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, buscando, assim, uma aproximação cotidiana com a loucura. O AT era realizado em alguns locais (como na clínica Vila Pinheiros no Rio de Janeiro) por jovens universitários ousados que se permitiam aproximar-se dos loucos e, por meio desse vínculo íntimo e singular, construir com os pacientes outros caminhos e estratégias para se estar no mundo, através de saídas e circulação pela cidade.
Aos poucos, essa prática disseminou-se no meio da saúde mental e fortaleceu-se como estratégia clínica fundamental no atendimento de pessoas com sofrimento psíquico grave. Buscando uma aproximação do louco com o espaço da cidade, insistindo na sua circulação social e apostando na criação do vínculo com o acompanhante como transformador de sua relação com a realidade, o Acompanhamento Terapêutico busca trazer um novo lugar para a loucura e resgatar a singularidade de cada sujeito.
Assim, o trabalho do acompanhante terapêutico não ocorre fixamente nos locais de tratamento (consultórios e instituições de saúde mental), mas em trânsito pela cidade: na rua, na locadora, na praça, na faculdade, na casa ou no trajeto entre esses locais e tantos outros que façam sentido para o sujeito acompanhado. No AT, não se foca tanto no que se fala, mas no que se faz, buscando por meio de ações concretas transformar medos, inseguranças, ansiedades e resgatar, assim, a potência do sujeito e sua aposta na vida. Isso ocorre por meio da construção compartilhada de ações entre acompanhante e acompanhado (o resgate da vida social, a intermediação de uma relação familiar conflituosa, a criação de um projeto de vida, a arrumação de um armário, a saída para um cinema, o planejamento de estudos, p. ex.) que tenha como objetivo oferecer um suporte psíquico ao sujeito e a transformação, por meio de ações concretas, de suas vivências dolorosas em desenvolvimento psíquico e emocional.
O AT, nesse sentido, não se caracteriza como um atendimento domiciliar ou como um atendimento psicoterapêutico alocado em outro local que não seja o consultório clínico. Mais do que isso, ele se define por um fazer junto, por ajudar, por meio de ações concretas, o sujeito a se inserir no mundo e facilitar a construção de laços sociais. Um “atê” pode, por exemplo, ir com seu paciente a um bar ou a uma balada, ajudando-o a lidar in loco com sua ansiedade e focando no seu fortalecimento psíquico e na sua potência.
Ele é indicado, por fim, a qualquer sujeito que perceba dificuldade na realização das ações cotidianas, na circulação no meio social, na construção de vínculos e na sustentação de um projeto de vida, objetivando sempre a melhora de sua saúde mental (entendida aqui como maior flexibilidade nas formas de sentir e dar curso aos estados emocionais).
Andrea Maria Mendes Cembranelli – Psicóloga especialista em Psicopatologia e Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP. Possui experiência e formação pela Clínica Céu Aberto em Acompanhamento Terapêutico. Formada em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP.