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Em Terapia

Por Arnaldo Cheixas Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.

O complexo de Cinderela em tempos de casamento real

Mesmo no século XXI, muitas mulheres sofrem com o problema e fantasiam uma vida que depende de um príncipe para ser bem-sucedida

Por Arnaldo Cheixas
Atualizado em 11 jun 2018, 15h49 - Publicado em 11 jun 2018, 15h48
 (Reprodução/Twitter/Veja SP)
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Em função do recente casamento entre o príncipe bretão Henry de Gales (popularmente conhecido como príncipe Harry) e a atriz estadunidense Rachel Meghan Markle, muitas garotas do mundo todo passaram a se imaginar ocupando o lugar de Meghan e se casando com o príncipe Henry ou conseguindo seu próprio príncipe.

Embora esse processo seja de certo modo normal, principalmente em função da grande cobertura midiática, ele pode indicar algo que extrapola os limites da brincadeira imaginativa para a realidade do funcionamento psicológico de muitas mulheres no contexto de nossa estrutura social machista. Muitas moças experimentam o que é conhecido como complexo de Cinderela (ou como síndrome de princesa).

O complexo de Cinderela se refere ao desejo quase sempre inconsciente de parte das mulheres de serem protegidas e cuidadas por um companheiro idealizado na imaginação, com as características de um príncipe que se vê nos contos de fadas. Como na fantasia, a mulher só consegue modificar o curso de sua vida tendo o príncipe (um homem) como seu referencial.

O termo foi cunhado na década de 1980 pela psicóloga Colette Dowling, que se interessou em estudar relatos de mulheres que se comportavam como princesas à espera de seus príncipes ou que se comportavam como princesas dentro de seus relacionamentos, quase sempre fracassados. O interesse de Dowling nasceu de sua própria experiência ao se ver tendo de cuidar de si após uma separação.

Síndrome de Cinderela não é uma doença mas sim um padrão comportamental que se desenvolve a partir da criação e de pressões sociais, oriundas muitas vezes da comunidade local ou da religião. As mulheres e homens mais velhos da família funcionam como fortes modelos para as mulheres mais jovens, que reproduzem total ou parcialmente esses padrões de escolha, ainda que não tenham consciência disso.

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Mulheres que sofrem da síndrome normalmente são inseguras em relação a uma série de aspectos de suas vidas. De modo geral, têm medos diversos (tomar decisões, arriscar e mesmo fazer as escolhas mais simples). Toda essa insegurança consiste, na verdade, no medo da independência. O que assusta é a autonomia. Nesse sentido, o complexo de Cinderela talvez seja a versão feminina da síndrome de Peter Pan.

Mulheres com complexo de Cinderela normalmente não foram preparadas para serem autônomas. Aprenderam desde cedo a ligar sua realização ao sucesso de seus vínculos amorosos.

Aqui cabe uma observação importante. Muitas transformações aconteceram do século passado aos dias atuais. As mulheres têm conseguido ininterruptas conquistas, possibilitando o desenvolvimento maior da sociedade. Ainda assim há muitas moças vivenciando o drama do complexo de Cinderela.

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E não se trata apenas daquelas com menos formação e baixo nível de autonomia financeira. Na verdade, muitas mulheres bem-sucedidas e respeitadas em suas carreiras acabam ainda assim depositando em seus relacionamentos expectativas de realização que passam por elas serem plenamente cuidadas e protegidas por seus príncipes.

Dolorosamente, muitos homens acabam também se fantasiando emocionalmente de príncipes e se sentem mais relevantes para sua parceira (e perante os outros) na medida em que dão conta de atender aos desejos dela (de proteção e afeto infinitos). As Cinderelas tendem a desenvolver padrões egocêntricos de desejo e, por terem expectativas com limites cada vez mais amplos, acabam se frustrando recorrentemente em suas relações.

Claro que todos se sentem mais felizes ao receber atenção, cuidado e afeto de seus companheiros. Mas isso deve acontecer de maneira horizontal e sem ferir a autonomia e a individualidade do outro. Esse, por sinal, é o único caminho para um relacionamento saudável.

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O interesse no “casamento real” entre Harry e Meghan não deve interferir no casamento real que cada um vivencia com seus companheiros. Nenhuma mulher deve abrir mão de sua autonomia na expectativa de ser cuidada por um homem naquilo que faça parte da sua individualidade como mulher e, na verdade, como ser humano. Embora dê um pouco de trabalho ter de cuidar da carreira, pagar suas contas e fazer sua própria declaração do Imposto de Renda, este é o caminho para vivenciar um relacionamento feliz e saudável.

Sugestão de leitura: Complexo de Cinderela. Colette Downing – Editora Melhoramentos. São Paulo, 3a Edição: 2012.

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