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Em Terapia

Por Arnaldo Cheixas Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.

Ah, como eu sofro na relação!

Você conhece alguém que reclame frequentemente de ser maltratado dentro do relacionamento amoroso? Ah… você mesmo passa por isso? Relacionamentos, de fato, não são feitos só de bons momentos. A manutenção do vínculo depende, além do sentimento mútuo, de saber tolerar comportamentos um do outro. Um relacionamento é bem sucedido quando os parceiros têm alegria […]

Por VEJASP
Atualizado em 26 fev 2017, 21h40 - Publicado em 24 jun 2014, 16h05
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lucy

Você conhece alguém que reclame frequentemente de ser maltratado dentro do relacionamento amoroso? Ah… você mesmo passa por isso? Relacionamentos, de fato, não são feitos só de bons momentos. A manutenção do vínculo depende, além do sentimento mútuo, de saber tolerar comportamentos um do outro. Um relacionamento é bem sucedido quando os parceiros têm alegria e prazer por estarem um com o outro e lidam conjuntamente com as dificuldades. A essência parece ser basicamente a alegria de estar com o outro. Acontece que nem todos os relacionamentos são assim. Há quem reclame do namorado ou da namorada (ou do cônjuge) com frequência. Há quem profira diariamente lamentações sobre o comportamento do outro quase como uma oração ou um mantra. O que fica é a ideia de “Ai, como eu sofro.”

Na série de desenho animado do Snoopy (The Charlie Brown and Snoopy Show), Lucy sempre convida o amigo Charlie para chutar uma bola de futebol americano que ela mantém em posição vertical no chão para o chute do amigo (por ser oval, a bola de futebol americano exige a ajuda de um jogador que a segure para que seja chutada adequadamente pelo parceiro de time). Acontece que sempre que Peanuts (Charlie Brown) aceitava o convite de Lucy, ela acabava tirando a bola no momento exato do chute, o que fazia com que ele chutasse o ar e caísse no chão. Quando surgia um novo convite, Charlie recusava lembrando a Lucy todas as vezes anteriores nas quais ela acabou retirando a bola. Mas Lucy argumentava que dessa vez seria diferente (“Hoje não! Hoje não…”) e acabava persuadindo Charlie a tentar o chute mais uma vez. O resultado, claro, era mais um chute no vazio e mais uma queda de costas.

O que se passa com Charlie Brown é exatamente o que acontece com quem reclama constantemente do parceiro ou parceira. Reclamar sempre da mesma coisa e não fazer nada para mudá-la é como um disco de música que enrosca e fica repetindo sempre o mesmo trecho. Alguém pode me alertar para o fato de que quem deveria mudar é a pessoa que está dando mancada e não quem sofre com essa mancada. Isso é verdade nas primeiras vezes em que a mancada é dada mas perde seu sentido conforme a situação se torna recorrente. Dali em diante é um problema dos dois. Lucy realmente é maldosa com Charlie Brown mas a maldade que ele sofre só acontece porque ele aceita tentar o chute outra e outra vez. Reclamando, é verdade, mas sempre se submetendo ao mesmo risco historicamente efetivo.

Por que, afinal, alguém reclama repetidamente das maldades e erros recorrentes do parceiro sem fazer nada efetivo a respeito? Há três razões para isso.

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A primeira razão é a incongruência entre as expectativas e a realidade. Quando se ignora o que a realidade apresenta em favor daquilo que se espera dela, a dor se torna inevitável. Se Charlie Brown quer deixar de ser enganado por Lucy, ele precisa levar em conta que ela tem sido desonesta desde sempre. Dizer isso a ela é importante mas não é suficiente para que ele deixe de chutar o vazio. Ele pode acusá-la raivosamente de desonestidade mas, se aceitar um novo convite para chutar a bola, estará assumindo o mesmo risco novamente. Ele precisa deixar de aceitar o convite se realmente quer que algo mude. Se ele fizesse isso, uma de duas consequências aconteceriam: 1) Lucy mudaria seu comportamento e demonstraria de um modo efetivo que gosta realmente do amigo e que se importa com ele ou 2) Charlie Brown não seria mais enganado. No segundo caso, pode ser que Charlie perca a amizade de Lucy. Aqui cabe um elemento importante. Não existe certo e errado. Cada um deve avaliar o que é melhor para si. O que está fora do lugar no caso de Charlie é ele reclamar e não atuar no que está sob seu controle. Ele poderia chutar o ar e cair no chão infinitas vezes sem reclamar se isso fosse prazeroso para ele ou se ao menos não o incomodasse. O problema é que incomoda. Nos relacionamentos também é assim. Reclamar e esperar que algo mude não deve produzir mudança alguma. Tente parar de reclamar e você saberá a real importância daquilo que lhe incomoda.

A segunda razão porque se reclama do parceiro sem fazer algo que produza a mudança é que, enquanto se age assim, não é necessário olhar para o próprio comportamento e nem para a própria satisfação. Enquanto se reclama de alguém é possível abrir um bom vinho e sentar para esperar até que o outro mude. Isso gera uma sensação de falso dever cumprido (“Eu fiz minha parte.”).

A terceira e derradeira razão das reclamações recorrentes no relacionamento é o medo de que o vínculo acabe. Esse medo nasce da sensação também falsa de que não é possível ter um relacionamento melhor com outra pessoa. Assim os dias passam sem que se precise sair da zona de conforto.

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O caminho para a mudança envolve parar de reclamar, avaliar o que realmente importa para si e agir de acordo com isso sem esperar que o outro mude. Ao final você saberá se está com a pessoa certa.

Vai tentar mais um chute?

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