São Paulo, morra de inveja do Recife. Enquanto a prefeitura da capital disputa na Justiça desde 1958 a devolução do Campo de Marte, tomado em 1932 durante a ditadura Vargas, a capital pernambucana conseguiu em sete anos transformar dois terrenos da Aeronáutica em um parque na região mais valorizada da cidade.
O imbróglio paulistano demonstra a inexistente articulação política dos prefeitos paulistanos ao defender os interesses da cidade em Brasília. Vejamos como Recife fez.
Em 2004, no segundo ano do governo Lula, os moradores da Praia de Boa Viagem organizaram um abaixo-assinado com 17 000 assinaturas pedindo ao presidente que dois terrenos da Aeronáutica em frente à praia fossem transformados em parque. A vizinhança do metro quadrado mais caro da cidade (retratada em filmes como Aquarius e O Som ao Redor) queria ter um parque à beira-mar, além do acesso direto à praia.
Ajudou a pressão o fato de que o então prefeito recifense fosse o também petista João Paulo, que levou a demanda ao próprio presidente. Em 2006, velocidade de Concorde para a burocracia brasiliense, o Parque Dona Lindu era anunciado. Orçado em 18 milhões de reais, fez o prefeito ir visitar no Rio de Janeiro o arquiteto Oscar Niemeyer (então com 99 anos) para lhe oferecer a encomenda.
O parque, batizado com o nome da mãe do presidente — o personalismo com dinheiro público é marca de todas as ideologias nacionais —, foi inaugurado em 2011, ao custo de 37 milhões de reais (69 milhões de hoje).
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Já o cabo de guerra entre São Paulo e a União pelo controle do Campo de Marte (que tem o tamanho dos parques do Ibirapuera e do Villa-Lobos juntos) não tem nenhuma pressa. O aeródromo ali movimenta uma média de 300 passageiros por dia (55% dos voos são de helicópteros). Em 2018, as despesas foram de 25 milhões de reais e a arrecadação, de 18 milhões.
Nesse espaço enorme que dá prejuízo à Infraero, prefeitos como Pitta, Serra, Kassab, Haddad e Doria anunciaram planos, sem muito detalhe, mas nunca conseguiram arrancar da Aeronáutica o que até a Justiça já determinou que era propriedade municipal.
São Paulo pode invejar a celeridade e a eficiência pernambucanas, mas não o resultado. Os próprios moradores de Boa Viagem reclamaram desde o início da fórmula “muito concreto, pouco verde” do “parque”. Tudo foi feito no piloto automático. O prefeito petista que foi atrás de um arquiteto com 99 anos (a justificativa oficial: “Niemeyer já tinha obras em Natal e João Pessoa, e nenhuma no Recife”).
Pra que revelar um novo talento? Niemeyer fez a sua parte: nunca visitou o lugar e fez outra versão apertada e pouquíssimo inspirada do Memorial da América Latina em uma avenida praiana. O teatro, a marquise e a galeria de arte ficam espremidos de ponta a ponta do terreno (pouco menor que o paulistano Trianon), barrando as poucas árvores que existiam ali. A promessa de 60% do terreno dedicado ao verde não se cumpriu.
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Com uma temperatura média de 26 graus (24 no inverno, 31 no verão), o recifense não deveria estar sedento por uma área sem sombra, de concreto. O lugar só é movimentado quando há eventos (fizeram um estacionamento com 327 vagas; o teatro tem 540 lugares…).
Já nossa Zona Norte poderia se reinventar com um novo parque — menos Dona Lindu, mais inspirado no paulistano Buenos Aires, em Higienópolis. Ou no Central Park. Com prédios residenciais e de escritórios ao redor, com vista eterna para o verde (pagando bom IPTU por isso), faculdades, lojas e restaurantes. Criando empregos e atrações para Santana e região, sem a necessidade de atravessar o Tietê. Quem se anima?
Publicado em VEJA São Paulo de 21 de outubro de 2020, edição nº 2709