Na década de 30, dois terços da população paulistana moravam de aluguel (o oposto de hoje, quando dois terços vivem em casa própria). Era muito comum, de produtores rurais do interior a pequenos empresários italianos, judeus ou portugueses, investir em “edifícios de rendas”. Quando a bolsa de valores mal existia, nem a caderneta de poupança era popular, alugar imóveis era um belo investimento. Todos os (poucos) apartamentos dessas construções eram alugados, daí o nome de “rendas”. Pergunte a seu avô ou bisavó, se tiver a sorte de ter a companhia deles, e vão dizer como era comum ter parentes que alugavam até um único quarto em áreas bem centrais da cidade.
Essa foi uma decisão da família de Gregori Warchavchik em 1936. O arquiteto pioneiro do modernismo no Brasil fez algumas poucas casas muito modernas nos dez anos anteriores, mas as encomendas escassearam. A crise de 29, o ostracismo paulista durante a ditadura Vargas e até mesmo a morte de seu sogro fizeram a rica família de sua mulher, Mina Klabin, querer otimizar alguns de seus terrenos.
E, assim, Warchavchik aproveitou para voltar a ser moderno no predinho de rendas que leva o nome de sua mulher. Tinha doze unidades: uma de 90 metros quadrados na frente, com dois quartos, e uma de um dormitório, de 55 metros quadrados nos fundos, em cada um dos cinco andares, mais o térreo. O terraço curvo demonstra como, para um arquiteto de talento, dá para fazer uma fachada marcante mesmo em um edifício sem recuos e colado a outros imóveis nas laterais.
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Em 1941, quando autoridades ainda se preocupavam com a estética da paisagem urbana, o prédio recebeu o primeiro prêmio de arquitetura para edifício residencial da prefeitura paulistana.
Pouco depois, ele já viraria uma relíquia: o ditador Getúlio Vargas decretou a Lei do Inquilinato, que congelava os aluguéis por dois anos e dificultava quase qualquer tipo de despejo. Pequenos investidores ficaram com medo de empatar suas economias nesse negócio, o que acabou fomentando o nascimento dos primeiros prédios para condomínio — não mais alugar, mas vender. Quem não tivesse economias para comprar um teria de se mudar para loteamentos mais distantes, onde o metro quadrado era mais barato. E, dessa forma, a cidade foi se espraiando. A escassez desse tipo de imóvel fez o aluguel ficar mais caro, para poucos.
Uma década depois, o próprio Warchavchik criaria sua construtora e levantaria ali perto um edifício para venda, o Cícero Prado, na Avenida Rio Branco, em 1953.
O Mina Klabin ficou de 1940 a 2013 nas mãos da família de Warchavchik, mas aquela região dos Campos Elíseos passou por tanta decadência que o predinho foi se deteriorando. O próprio Warchavchik foi sendo escanteado como o verdadeiro pioneiro da arquitetura moderna brasileira. A história, porém, teve final feliz. Seu neto, o também arquiteto Carlos Warchavchik, restaurou impecavelmente o edifício, na Barão de Limeira. A casa do avô, showroom modernista pioneiro no Pacaembu, também foi recuperada pelo orgulhoso neto.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 17 de junho de 2020, edição nº 2691.
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