O teatro é a arte do instantâneo, e, fechado o pano, aquele momento pode não causar efeito algum em uma reedição. Ainda mais no caso de O Rei da Vela, texto de Oswald de Andrade que ganhou emblemática encenação do Teatro Oficina, dirigida por Zé Celso Martinez Corrêa, em 1967. Pois Zé Celso abre a cortina do passado e remonta o espetáculo cinco décadas depois com o mesmo protagonista, o ator Renato Borghi. O resultado, pasmem, deixa a plateia atônita diante dessa resistente crítica ao capitalismo.
Escrita em 1933, logo depois da derrocada dos barões do café, a peça foi consagrada como opositora ao regime militar no fim dos anos 1960 e, hoje, reflete o país polarizado e desigual de 2017. O agiota Abelardo I (interpretado por Borghi) enriqueceu emprestando dinheiro aos endividados a juros altíssimos. Chegou a se casar com Heloísa de Lesbos (papel da vigorosa Sylvia Prado), oferecida como moeda pela família falida. Abelardo ainda mantém seus devedores em jaulas e pisoteia quem ousa desafiá-lo.
O caráter emotivo de ver um clássico tem força inegável, mas não se sobrepõe, neste caso, à mensagem pertinente sobre os contrastes sociais e políticos. A irreverência típica do Oficina se faz presente, principalmente na composição de Zé Celso como a virgem Dona Poloquinha.
O espetáculo, porém, fica de pé graças à dramaturgia bem estruturada que abre espaço para múltiplas leituras e citações, envolvendo personalidades polêmicas, e propicia interpretações afinadas — algo raro nas montagens do Oficina. Aos 80 anos, Borghi demonstra energia e carrega de ironia o protagonista, dividindo o estrelato com Roderick Himeros, Elcio Nogueira Seixas, Ricardo Bittencourt e Tulio Starling, entre outros (220min, com dois intervalos). 16 anos. Estreou em 21/10/2017.
+ Sesc Pinheiros — Teatro Paulo Autran. Rua Paes Leme, 195, Pinheiros. Sábado, 19h; domingo, 18h. R$ 50,00. Até 19 de novembro.
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