É sempre bom ouvir o que Denise Weinberg tem a dizer. Depois de uma disputada temporada no Sesc Pinheiros, a atriz de 60 anos reestreia o monólogo “O Testamento de Maria” no Teatro Aliança Francesa para sessões de quintas a domingos, até 12 de junho, com ingressos a R$ 50,00. No palco, sob a direção de Ron Daniels, ela dá o pungente texto do irlandês Colm Tóibin sobre Maria, a mãe do cara lá de cima. Então, vamos falar, Denise?
Você é uma atriz de grupo, de criação coletiva, e pela primeira vez faz um monólogo. Está se sentindo bem assim (risos)?
Nada mais solitário que um monólogo. Por ter feito sempre teatro de grupo, eu nunca me interessei em protagonizar um solo. Há três anos, porém, esse livro caiu em minhas mãos e fiquei apaixonada pelo autor, o irlandês Colm Tóibin. Li tudo o que achei dele, fiquei muito impressionada e até comentei com amigas, também atrizes, que alguém tinha que montar aquele texto. Algumas pesquisaram e, logo, descobriram que os direitos para encená-lo no Brasil já tinham sido comprados. O tempo passa e, em novembro, me telefonaram com o convite para esse monólogo. Acho que foram os deuses. Como diz Maria no final da peça, “eu sei que estou sendo vigiada e protegida pelos deuses desse lugar”. E acho que eu sou mesmo (risos).
Precisou recorrer a algum “truque” para chegar a um determinado resultado nesse processo solitário?
Não há truques. Ou você faz ou não faz. Eu trabalhei na minha solitude, na minha casa, antes de Ron Daniels chegar a São Paulo, para preparar meu equipamento o melhor que pudesse e que melhor funcionasse para receber sua direção. Fui trabalhando a compreensão do texto, a simplicidade, mas sempre solitária, sempre. E também sempre sentindo falta de contracenar com alguém, que é o meu maior prazer. Mas o teatro, se você for fiel, ele será sempre fiel e solidário a você. E, hoje, tenho um prazer enorme em apresentar “O Testamento de Maria” ao público.
Já deu para sentir a reação do público sobre o caráter religioso que envolve Maria?
Então, eu acho que o fato de ter ido por esse lado humano da mãe de um ser diferente, inteligente e sensitivo, faz com que o público entenda tanto a relação mãe e filho deles que até esquece se tratar da Divina Maria. Creio que o espectador a perceba simplesmente como uma mãe que teve um filho um tanto problemático, delicado, anos luz à frente de seu tempo, e se desliga da figura da mãe de Jesus. Essa é a maior sacada do Tóibin sobre essa história da humanidade. Ele trouxe um ponto de vista feminino inédito nesses dois mil anos. Ali está uma mãe que perdeu seu filho crucificado aos 33 anos.
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Pesa na hora de criar essa Maria o fato de ser mãe?
Claro que ser mãe me ajudou, sem dúvida alguma (Denise é mãe do músico João Gabriel, de 38 anos). Desde o início dos ensaios, Ron Daniels defendeu a ideia de que o viés humano da mãe era o melhor caminho que poderíamos seguir. E para mim também foi o lugar que mais me seduziu. Eu sempre cito o exemplo contemporâneo dessas mães europeias, cujos filhos adolescentes se agregam ao Estado Islâmico, por um fanatismo ou sei lá o quê. Imagina o que essas mulheres passam? Só de pensar que “meu filho foi conviver com um bando de desajustados”, como a Maria fala na peça, é a mesma coisa que qualquer mãe diz quando vê o filho se afastando e indo viver com um bando de pessoas diferentes, “desajustadas” ou “fanáticas”, não é?
Ao escolher a carreira de atriz, você desafiou os seus pais e talvez tenha gerado neles um sentimento de angústia semelhante ao que Maria vive no espetáculo. O seu filho, por sua vez, é músico e já trilhou um caminho desbravado por você. Pode ter se espelhado na sua mãe para reproduzir o sentimento de Maria?
Quando vou compor um personagem, eu esqueço minha família, meu filho, meus amigos. São meus recantos secretos. Foco no que eu sentiria se eu fosse outra coisa, outra pessoa. Claro que todos os dados da minha vida pessoal estão lá, amorosamente na caixa preta, como chamo divertidamente, mas na criação de um personagem, eu procuro me livrar de tudo isso, de todos os conceitos, estereótipos, de todos os adjetivos, de tudo que eu acho ou não acho. É tudo para poder voar, ser outra coisa, sem muita coerência, mas profundamente humana. Isto é que me interessa na representação. Busco a possibilidade de ser outra coisa diferente da Denise e, ao mesmo tempo, refletir sobre tudo isso, experimentar outras sensações, ver por outro ponto de vista, experimentar no caso a maternidade em outra situação. É isso que o teatro traz de uma forma tão absoluta, que é impossível não ser grata aos “deuses desse lugar”.
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