Há muitas décadas, o movimento dos teatros de grupo se espalhou no ambiente cênico de São Paulo. Destoante daqueles montados por amadores pela cidade, surge uma companhia, em 1990, vinda diretamente das aulas da primeira turma do curso de artes cênicas da Unicamp, criado cinco anos antes: a Cia. Razões Inversas.
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Capitaneada pelo diretor e professor Marcio Aurélio, 73, e pelo ator Paulo Marcello, 57, a trupe não parou mais. Trinta e dois anos depois segue atuante, em cartaz até 10 de junho com o espetáculo O Fazedor de Teatro, de Thomas Bernhard, no Sesc Pompeia. Trata-se de uma celebração, atrasada pela pandemia, dos trinta anos.
“A companhia sempre foi um espaço aberto. Nos anos 90, o teatro de grupo era muito forte em São Paulo, mas nós não queríamos ter um núcleo fechado. Por isso optamos por ser uma companhia, que sempre acabava se renovando com os alunos que se formavam”, explica Marcello. Ao lado do diretor Marcio Aurélio, ele compõe o pilar de um elenco que já teve mais de sessenta nomes.
Atores e atrizes como Débora Duboc, Walter Breda, Lavínia Pannunzio e Joca Andreazza fizeram parte do grupo, que recebeu mais de quinze prêmios ao longo de uma vitoriosa trajetória, entre os quais oito APCA, dois Shell e um Governador do Estado de São Paulo, em 2010.
Encontrando na companhia um espaço de experimentação, Marcio Aurélio, a mão segura por trás de encenações prestigiadas como Agreste (2005), Senhorita Else (1998) e A Ilusão Cômica (2012), conta que “a Cia. foi criada com o princípio de fazer a releitura dos grandes textos clássicos”.
E, sobre a peça em cartaz, Paulo Marcello diz que era um desejo antigo. “Fazia anos que a gente vinha com vontade de trabalhar esse texto, que fala sobre o próprio teatro, a cultura, mas de um ponto de vista muito diferente — não é uma exaltação, porque o personagem é uma pessoa narcisista. E, ao mesmo tempo, ele mostra toda essa paixão, essa realidade do teatro, o que nos interessa muito.” O espetáculo ainda conta com dois atores convidados, Ana Souto e Zédú Neves, que fizeram parte das primeiras turmas da Unicamp e das montagens iniciais da companhia.
Abalados não só pela pandemia mas também por problemas de saúde, os últimos anos trouxeram ainda mais desafios para a extensa trajetória da parceria entre Paulo Marcello e Marcio Aurélio no teatro — que, após a paralisação em 2020, encenou uma adaptação do poema Enoch Arden, de Alfred Tennyson, no fim de 2021, com o apoio da Lei Aldir Blanc.
“A gente tem uma vontade de existência, por acreditar no trabalho. E, na companhia, Marcio criou um espaço de pesquisa, de aprofundamento da linguagem”, diz o ator. Questionado sobre o significado de estar fazendo teatro no Brasil há mais de trinta anos, Marcio foi conciso: “O sentimento é de vitória. É de passar por um campo de batalha, rasgado, e conseguir se manter”.
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Publicado em VEJA São Paulo de 1 de junho de 2022, edição nº 2791