✪✪✪✪ Algumas sinopses escondem o que um filme pode entregar por completo. A de Afire definitivamente esconde seu tesouro. Isso porque o filme, que se inicia com uma viagem de férias entre amigos, aparenta não evoluir tanto num primeiro momento – quando, na verdade, o diretor Christian Petzold já está fabricando camadas profundas e existenciais.
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É só uma questão de tempo para o espectador entrar em contato com tantas reflexões. Na trama, Leon (Thomas Schubert) e Felix (Langston Uibel) são grandes amigos e cada um tem sua relação com a arte. Leon é um escritor prestes a finalizar seu segundo livro, enquanto Felix está se inspirando para produzir um portfólio de fotografias.
Quando a dupla viaja até a casa de verão da família de Felix, descobre que uma mulher já está se hospedando lá. É a graciosa Nadja (Paula Beer, em mais uma colaboração ao lado de Petzold), mulher que está aproveitando o litoral do Mar Báltico. Essa liberdade que Nadja exala (em especial, com seus acompanhantes noturnos) imediatamente incomoda Leon, que é extremamente metódico e foi viajar para finalizar seu livro – não para relaxar.
Leon não é nem de longe um protagonista perfeito. Ele é egocêntrico, não admite críticas sobre seu trabalho e não é uma companhia que deixa o amigo feliz. Mas é esse o personagem que ganha o olhar principal. Petzold certamente faz isso para provocar o espectador, enquanto Felix, Nadja e o companheiro dela, Devid (Enno Trebs), são as pessoas mais cativantes.
Acompanhar Leon de perto é justamente o que faz com que Afire ganhe complexidade com o passar dos minutos. Fora a atenção dada ao quarteto que passa a dividir a casa, um grande incêndio florestal acontece no momento da viagem, mas bem ao longe. Os personagens não estão preocupados, mas assim como alguns conflitos podem acontecer a qualquer momento (o que de fato acontece), o fogo também pode se aproximar rapidamente.
Nadja desafia Leon a encarar seus próprios medos, justamente em um momento de decisão profissional. Seu novo livro pode não ser tudo aquilo que ele imaginava, mas existem coisas mais importantes acontecendo naquele momento. Basta ele olhar um pouco para o lado.
Petzold é extremamente talentoso em encaixar todas as peças da história com o maior cuidado, mantendo o espectador no mesmo ambiente e observando tudo mudar de forma repentina. E as atuações de Paula e Schubert tornam tudo ainda mais intenso.
Filme visto na 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Publicado em VEJA São Paulo de 10 de novembro de 2023, edição nº 2867