No início, o nosso planeta era um lugar inóspito, com lava fervente por todo lado e desprovido de oxigênio respirável. foi só depois de muita experimentação, melhoramento e colaboração entre diversos seres que encontramos as condições ideais para existir.
Somos parte da história da evolução, que seguiu dando passos, iniciando e encerrando ciclos. A vida como a conhecemos emerge da interdependência profunda entre agentes humanos e não humanos que geram condições uns para a vida dos outros. Essa rede abundante e generosa cria a harmonia e o equilíbrio necessários para a existência. O planeta evolui enquanto nós evoluímos como indivíduos e comunidades vivas. Nosso bem-estar individual, o bem-estar social e o bem-estar ecológico não estão separados. São interconectados.
Desde que saímos das cavernas muita coisa mudou. Ao construirmos nossas metrópoles e avançarmos na lógica do consumo, nossa felicidade e bem-estar estiveram cada vez mais associados ao que podemos ou não comprar. A modernidade trouxe consigo inúmeros avanços, mas também a desconexão do ser humano com ele mesmo, com a comunidade humana e com o planeta. Chegamos ao ponto em que não nos reconhecemos parte do todo, competimos uns com os outros e nos sentimos vazios. Algo está acontecendo, a quarentena nos diz. Nosso sistema cultural, pautado principalmente pelo individualismo e consumismo, parece ter encontrado seus limites — e os do planeta. Assumir e viver esse luto talvez seja o primeiro passo para reencontrar o equilíbrio interior e exterior.
“Um novo mundo não só é possível como já está a caminho”, diz Arundhati Roy. e para que esse novo mundo nasça promovendo o encontro e a reconexão, trazendo bem-estar e abundância individuais e para todas as nossas comunidades vivas, precisamos abrir espaço para que a evolução siga seu caminho.
O acolhimento do medo, o desenvolvimento de habilidades como a escuta profunda e a comunicação sensível, o reconhecimento da importância da diversidade para a resiliência, o resgate dos conhecimentos ancestrais, o desbloqueio do fluxo de colaboração, a compreensão profunda da nossa relação com a natureza e a reflexão individual e coletiva acerca dos valores são passos que devemos dar.
Acredito que precisamos de uma evolução cultural que traga em seu coração o desejo de criar mais condições de vida. estudo uma cultura regenerativa que promove o encontro entre cultura e natureza e deseja devolver ao planeta mais do que retira. É um lugar em que sabedoria e ciência caminham juntas. Onde mente e corpo se reencontram. Um mundo que acolhe a diversidade e honra todas as formas de vida nasce quando abrimos diálogo para viver as nossas questões juntos.
Esse é um momento para novas perguntas. Aquelas que você guarda escondidas no seu coração. Daniel Wahl, um dos expoentes de culturas regenerativas, nos diz que a sabedoria emerge da coletividade e que os problemas que vivemos são complexos demais para ser resolvidos por indivíduos isolados. Por isso, hoje convido você a refletir sobre seu nível de engajamento nas comunidades de que faz parte: na sua cidade, no seu trabalho, no seu bairro, na sua rua. convido também a se perguntar sobre a sua relação com o planeta e consigo mesmo. talvez o bem-estar de que estejamos tanto à procura seja o bem-estar do planeta vivo do qual fazemos parte.
Lua Couto é idealizadora do Futuro Possível (@futuropossivel), plataforma de pesquisa, tradução e disseminação de narrativas regenerativas. Pesquisadora, estudiosa da espiritualidade, facilitadora de processos de aprendizagem e comunicadora com experiência em direção criativa, escrita imaginativa e planejamento estratégico, é cofundadora da consultoria Ovelha Negra. Natural de Belém, é mãe do Matheus, da Sophia, do Ben e da Helena.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 10 de junho de 2020, edição nº 2690.
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