No fim do dia, estamos sempre falando sobre os indivíduos
Maria Fernanda Quartiero, fundadora do Instituto Cactus, quer fomentar uma discussão mais intensa sobre saúde mental na sociedade
Por que cuidamos uns dos outros? Como posso estender esse cuidado de forma sustentável a mais pessoas? A certa altura, foi inevitável me questionar sobre o que é essa capacidade de cuidar (de nós e dos outros), de nos adaptarmos, de experimentar a vida, de conviver com o que pensamos e sentimos, e de como podemos contribuir de forma mais significativa para a sociedade.
Esse assunto entrou em pauta na minha vida há muito tempo, mas esse entendimento não foi óbvio. O caminho até aqui foi longo: desde a infância estive envolvida nas ações de cuidado com o próximo por meio de minha família, primeiro com minha avó paterna e minha mãe, depois com minha sogra e amigas, gerações diferentes de mulheres que apostaram no cuidado. Mas algo sempre me incomodou, aquele apagar de incêndios que se repetia ano após ano não era o suficiente e me sentia impotente ante os problemas estruturais que geram essa demanda por necessidades básicas.
Sempre que chegava em casa eu pensava: “tantos setores recebendo investimento social, mas no fim do dia a gente está sempre falando sobre pessoas, né?”. Queremos elevar os índices de aprendizado escolar, diminuir a violência, aumentar a taxa de emprego, escalar o acesso à saúde e tantas outras necessidades que acabamos esquecendo que o protagonista dessa história toda é o indivíduo. Comecei a acreditar que as pessoas precisam ter acesso a ferramentas socioemocionais que as tornem capazes de tomar melhores decisões na vida. Por isso, em 2019, comecei a me aprofundar mais sobre impacto social no Brasil e no mundo e a desenhar o Instituto Cactus, organização pioneira na causa da saúde mental, olhando especialmente para mulheres e adolescentes.
Acabamos de comemorar um ano e o processo de nascimento do instituto foi influenciado por minhas experiências no setor filantrópico e por essa herança familiar em apostar no cuidado. Realmente é preciso ser muito criteriosa para falar sobre saúde mental, temos de considerar todos os atravessamentos da questão, como educação, trabalho, moradia, cultura e mais inúmeros determinantes que constituem nossa singularidade. Mas sabemos que não tem como melhorar índice de nada na vida sem enfrentar o desafio de abordar esse “elefante branco”, por isso apostamos em atuar com saúde mental.
De lá pra cá, muita coisa aconteceu e já foi transformada por aqui, além de pensar sobre o cuidado: por que, como e com qual nível de assertividade estamos cuidando de nós e dos outros? Também tenho me questionado muito sobre o poder das narrativas e quanto elas contribuem para o pensamento crítico das pessoas. Como queremos que a importância sobre a saúde mental seja contada? Por quem ela deve ser contada e de que maneira ela pode ser contada?
O poder está na narrativa de cada um de nós, ora ouvintes, ora agentes ativos. Como nós, como sociedade, podemos dar a centralidade que a saúde mental já ocupa, ainda que silenciosamente, no nosso lar, trabalho e relacionamentos? Acredito que, com a diversidade de olhares, sotaques, gerações e ecossistemas contando essa história, estaremos mais próximos da mudança de cultura em relação à saúde mental que queremos.
Maria Fernanda Quartiero é diretora-presidente do Instituto Cactus, organização que trabalha para a promoção da saúde mental por meio da geração de conhecimento, multiplicação de boas práticas, incidência em políticas públicas, articulação de ecossistemas e conscientização.
+Assine a Vejinha a partir de 8,90.
Publicado em VEJA São Paulo de 8 de setembro de 2021, edição nº 2754