Já pensou no esforço que temos de fazer para definir ou materializar felicidade? De acordo com Freud, o estado de saúde e bem-estar de uma pessoa está diretamente ligado à sua capacidade de amar e trabalhar.
As questões de trabalho nos entrelaçam, dedicamos muito tempo de nossos dias às atividades profissionais, então é imprescindível pensar que a felicidade também deve estar lá, no trabalho.
Imagine esta cena comum no mundo corporativo: a empresa reúne os times e anuncia que vai implantar tecnologias 4.0 e inteligência artificial, reestruturar as unidades de negócio ou, ainda, passar por um processo de fusão. Silêncio no auditório, barulho só dos batimentos cardíacos acelerados. Notícia digerida, palmas e sorrisos oportunos, em público.
Individualmente, um misto de excitação e medo, companheiros do desconhecido, e a pergunta não verbalizada: “O que vai acontecer comigo?”. Cenas como essa são constantes e podem gerar incerteza e angústia. Medo da inovação, de não conseguir acompanhar as mudanças, de perder o emprego, preocupações familiares que passam a habitar o mesmo espaço mental com a visão de oportunidades de decolar na carreira, adquirir novas habilidades ou surfar na onda digital.
Enfim, quando alguma mudança se instala gerando sentimentos ambíguos, a parte mais preciosa de qualquer empresa, o fator humano, precisa de cuidado.
Quando afetos são tamponados, eles se deslocam para o território do “não dito”. Matéria humana que não aparece nos relatórios e indicadores povoados de algarismos. Os números muitas vezes não batem com comportamentos reais pelo simples fato de que números não expressam sentimentos. Essa tarefa está a cargo das palavras.
A “rádio corredor” vive em paralelo com a “rádio oficial”, silenciosa, robusta e agora mais veloz do que nunca, trafegando digitalmente nuvem afora com um clique. A empresa que propicia um espaço seguro para que esse patrimônio humano venha à tona sai na frente na prática da inovação. Viabilizar o par palavra-escuta em tempos de algoritmos é se diferenciar.
A civilização digital pede novas formas de acolhimento e incentivo para que as pessoas se expressem, convidando-as para experiências individuais e em grupo onde há interesse genuíno de troca humana para fortalecimento de laços, oferecendo a possibilidade de serem ouvidas em sua percepção de mundo, vestidas de sua própria identidade.
People skills acima de hard skills.
Em um grupo, se descobrem fazendo parte de algo maior, saem da solidão angustiante e se sentem mais fortes. Fortalecendo-se, atualizam suas identidades para o novo, deslocam-se para a etapa seguinte com coragem e entusiasmo.
Às vezes é necessário haver uma escuta individual, atenção exclusiva àquela pessoa que passa por um momento delicado da existência. Essa soma de afetos é estruturante de um sentimento de felicidade no trabalho.
O novo mundo demanda que os entraves corporativos do dia a dia venham à tona saudavelmente, pois o que não aparece não é trabalhado. Ali estão pessoas com suas nuances humanas verdadeiras — e não somente profissionais politicamente corretos, tecnicamente impecáveis e ecologicamente sustentáveis — representadas pela fala e escuta que a linguagem nos permite enquanto Homo sapiens desta era.
Há felicidade no mundo corporativo, mas ela não está dada, é construída minuto a minuto com segurança, cooperação e confiança. É construção de todo o organograma, a começar pelo topo.
Se nossa saúde e bem-estar estão ligados à capacidade de amar e trabalhar, também é possível ter esse sentimento genuíno relacionado ao próprio ofício. É quando descobrimos que o investimento em pessoas capitaliza a força de existir do indivíduo e deste no coletivo.
A curadoria dos autores convidados para esta seção é feita por Helena Galante. Para sugerir um tema ou autor, escreva para hgalante@abril.com.br.
Publicado em VEJA São Paulo de 22 de setembro de 2023, edição nº 2860