Não conhecia o trabalho da cia Vagalum Tum Tum até que, na semana passada, fui assistir ao espetáculo “Othelito”, no Teatro Folha, com minha filha de quatro anos e um amigo de oito. Difícil saber qual de nós três se divertiu mais, tornando evidente a competência do trabalho em palco. Entreter adultos e crianças em idades tão diferentes para mim é coisa de gênio.
Ao fim da peça, os atores anunciaram que a companhia estrearia, no fim de semana seguinte, sua quarta adaptação de Shakespeare para crianças, “Bruxas da Escócia”, baseada no texto de Macbeth – antes, além de “Othelito”, encenaram Rei Lear em “O Bobo do Rei” e Hamlet em “O Príncipe da Dinamarca”.
Interessada em saber mais sobre esse trabalho, conversei com o Angelo Brandini, diretor e adaptador da companhia e que também é um dos coordenadores artísticos do Doutores da Alegria, que explicou sua fidelidade ao autor inglês e seus desafios para adaptar textos tão dramáticos para crianças. Veja a seguir alguns trechos da conversa:
Como surgiu a ideia de adaptar Shakespeare para crianças?
Veio da minha paixão pelo autor. Tive formação na Escola de Arte Dramática da USP e estudei muitos textos dele. E ele já fez de tudo, acho que tudo o que a gente faz hoje é uma derivação do trabalho dele e do Molière. Eu também queria contar essas historias para crianças porque eu estudava e contava para os meus filhos, fazendo, claro, algumas adaptações.
Na primeira adaptação levada aos palcos você sentiu alguma resistência?
Quando eu falava para as pessoas que ia fazer as adaptações elas logo pensavam em Romeu e Julieta. E eu dizia “não, vou fazer as tragédias”. Falavam que eu estava louco. E eu fiquei com medo, tanto que escrevi “Othelito” nos anos 90, mas deixei na gaveta até ter coragem de botar em cena em 2007.
Quais cuidados vocês têm na hora de montar a versão infantil tanto na questão de manter a história original como de não chocar as crianças com alguns trechos?
A essência esta sempre lá, faço questão de contar a história original, nem que seja de uma forma simbólica. As mortes que existem nas tragédias, por exemplo, são mostradas como uma transformação. O personagem não precisa ser apunhalado, pode ser catapultado e essa cena, inclusive, ficar muito divertida. O objetivo é fazer uma tradução da peça que todos entendam. Em “O Principe da Dinamarca” até mesmo vários adultos vieram falar comigo que finalmente tinham entendido o monólogo do “ser ou não ser”.
“Bruxas da Escócia” tem algum elemento novo que a difere das anteriores?
Teve uma mudança, não de linguagem, mas uma evolução, claro . “Othelito” ainda tem muito texto, para uma criança pequena pode ter dificuldades de compreender alguns trechos. Passei a introduzir mais o jogo do palhaço, que tem uma comunicação muito rápida com as crianças.
Qual a fórmula para agradar a idades tão diferentes?
Fazer um teatro para todos sempre foi meu sonho. Eu lembro que quando levava meus filhos ao teatro infantil era uma chatice. Às vezes eles até curtiam, mas pra mim era um porre. Eu sempre olhava para o lado e via ao menos dois adultos para cada criança e ficava pensando que aquelas pessoas também deveriam se divertir. Para chegar lá eu uso a linguagem do palhaço, mirando nas crianças e na criança que existe dentro de cada adulto.
Você acha que de maneira geral as peças desenvolvidas para crianças subestimam esse publico?
Teve uma evolução enorme no teatro infantil nos últimos dez anos em São Paulo. Mas ainda tem aquela coisa de “tudo bem, é pra criança”. “Tudo bem” fazer cenário de EVA, “tudo bem” fazer playback. E eu trabalho exatamente no sentido contrário: quero fazer teatro paras crianças com o mesmo rigor do teatro adulto, acho que elas merecem ver peças de qualidade. Estamos formando uma plateia, um gosto por uma arte. Mas ainda há muito trabalho a ser feito nesse sentido.