No próximo dia 4 (sábado), a Bienal de São Paulo inaugura sua 34ª edição, com o título Faz Escuro Mas Eu Canto, retirado do poema Madrugada Camponesa (1965), do amazonense Thiago de Mello. A mostra coletiva, com 91 participantes e mais de 1 100 obras, ocorre em sua tradicional casa, o Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque Ibirapuera.
“Um dos pontos altos da exposição é entrar em contato com trabalhos do Jaider Esbell e outros artistas indígenas contemporâneos brasileiros e se deslumbrar com a riqueza poética que eles trazem”, afirma o curador-geral, o italiano Jacopo Crivelli. “Mas também é importante notar a relação entre essas obras e peças de nomes vindos de outros lugares, o que nos permite ter visões de mundo diferentes daquelas que tínhamos, tanto sobre assuntos conhecidos quanto sobre aqueles que ignoramos.”
Essa defesa da rearticulação de sentidos e significados parece estar em consonância com a produção do evento. Desde que Crivelli e o paulistano Paulo Miyada, curador adjunto, tiveram seus nomes anunciados, muita coisa mudou, incluindo a data de abertura.
Com a pandemia, a mostra prevista para 5 setembro de 2020 passou para 3 de outubro e depois, finalmente, para setembro de 2021 (e vai até 5 de dezembro). A alteração fez o intervalo entre edições aumentar de dois para três anos, o que também ocorreu em 1993, para evitar coincidir com outra mostra, a Bienal de Veneza. A mudança ainda fez esta edição paulistana coincidir com os setenta anos da mostra. 34.bienal.org.br. Grátis.
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ARTISTA AQUI, CURADOR ALI
Segundo o curador-geral, Jacopo Crivelli, e o adjunto, Paulo Miyada, um dos primeiros artistas a serem convidados para a mostra foi Jaider Esbell. Ele participa com quatro trabalhos, entre eles uma instalação, denominada Carta ao Velho Mundo (2020), e uma série de pinturas, chamada A Guerra dos Kanaimés (2020), que se relaciona aos conflitos que seu povo, os Macuxis, e outras etnias indígenas travam. Esbell ainda faz a curadoria no Museu de Arte Moderna (MAM) da coletiva Moquém_ Surarî, com trabalhos contemporâneos dos povos Huni Kuin, Krenak, entre outros.
SEM MEDIAÇÃO DO OUTRO
Daiara Tukano tem voz e olhar firmes. Ao falar de quatro das dezesseis obras que expõe na Bienal e que trazem quatro aves — o gavião-real, o uruburei, a garça-real e a arara-vermelha —, ela mostra novas perspectivas de mundo e frisa de onde elas viriam: “São de povos que estavam aqui antes da grande invasão do território. Por favor, escreva essa expressão, grande invasão, ela precisa ser usada”, pede.
Seus trabalhos estão em diálogo no último piso com obras de Lygia Pape (1927-2004), a maioria pertencente à série Amazoninos. “Para os modernistas brasileiros, a ideia do indígena já estava na pauta, mas de maneira muito distinta da forma como aparece na produção de Lygia, muito mais interativa, que quebra com a tradição do concretismo”, explica Crivelli, autor desse encontro. Um próximo passo nesse processo é dado por Daiara: “Ela é o último capítulo dessa linhagem, traz sua voz agora, sem mediação do outro”, assegura o curador.
AS PELES DO PAVILHÃO
Conversar ou confrontar a arquitetura do Pavilhão Ciccillo Matarazzo, desenhado por Oscar Niemeyer, é uma decisão com a qual se defrontam, a cada edição, os arquitetos que pensam a expografia da mostra. A resposta dada por Andrade Morettin, responsável pelo projeto em 2021 que busca criar uma escala intermediária entre os visitantes e o prédio monumental, é construir galerias dentro da construção, cujas peles são tecidos de juta, placas de policarbonato e painéis de madeira de reflorestamento. Ao final, tem-se um sentimento mais acolhedor, que se apropria do grandioso, por sua face idílica.
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LABIRINTO FEITO COM TEMPO
No segundo andar do pavilhão, o visitante se depara com a instalação Paisagem (2021), de Regina Silveira, que é uma veterana e já participou da Bienal nos anos de 1957, 1981, 1983 e 1998. A obra é uma espécie de labirinto, em que as placas de vidro que a compõem parecem estilhaçadas por balas.
Sobre as consequências do adiamento da mostra para o processo de produção do trabalho, o curador adjunto Paulo Miyada diz: “Mesmo quando estávamos em dúvida sobre a data, a conversa entre curadores e artistas não cessou. Nesse tempo estendido, a obra da Regina, por exemplo, foi se consolidando, achando a forma, a escala, o material.”
PAISAGEM CONSTRUÍDA
Uma das obras que Daniel de Paula leva para a Bienal é Circulação (2019). O suporte utilizado nela são 24 painéis de LED, que têm seu funcionamento ditado por um processador, que endereça a cada tela um “pedaço” da imagem. O caráter fragmentário, que se desdobra para o que é visto, nos leva a pensar sobre a ideia de paisagem, o discurso advindo de sua construção e também as consequências de admiti-la como simplesmente uma extensão da realidade.
NO MAR, ENTRE VOZES
Na terça (24), Arjan Martins estava a mil no pavilhão da Bienal na montagem da exposição, na qual ele apresenta dois trabalhos, Complexo Atlântico — Cordas (2021) e Complexo Atlântico — Oceano (2021). O primeiro é uma instalação, composta por uma âncora com 1,3 tonelada e um cordão que corta o pavilhão, formando um triângulo, em referência ao comércio entre América, África e Europa no período colonial e que, por conseguinte, abarcava a travessia forçada de pessoas escravizadas. O segundo é uma pintura, que traz uma mulher incógnita: “Ela não tem uma identidade, pode representar várias pessoas que foram forçadas a fazer esse percurso”.
DENTRO E FORA
Percorrer o térreo do Pavilhão da Bienal pode ser motivo de surpresa na 34ª edição, isso porque ele foi seccionado por uma estrutura, a dita pele, de mais de 7 metros de altura, com faces de policarbonato. De fora dela, nota-se o aspecto difuso do material, quando em contato com a luz, seja ela artificial ou natural. De dentro, vê-se Boca do Inferno (2021), série com 150 monotipias, com Carmela Gross, junto ao meteorito de Santa Luzia e outros dois objetos que resistiram ao incêndio e destruição do Museu Nacional, no Rio, em setembro de 2018.
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Publicado em VEJA São Paulo de 1° de setembro de 2021, edição nº 2753