A cozinha foi libertadora para a vovó Palmirinha, que nos deixou neste domingo (7) aos 91 anos. A primeira vez que me encontrei com ela, já famosa por causa dos programas de TV, éramos jurados em um concurso de receitas das leitoras da revista Ana Maria, realizado em um longínquo 2012.
Embora nunca tenha perdido a ternura com a qual conquistou uma legião de fãs, hipnotizados por aquela vovó cozinheira de sotaque caipira, sua vida não foi nada fácil. Mas era só doçura como você pode ver nesse vídeo em que estou com ela em 2019.
Nascida Palmira Nery da Silva (o Onofre foi somando ao nome depois do casamento), em 29 de junho de 1931 em Bauru, no interior de São Paulo — por coincidência, pertinho da cidade onde nasci — teve quatro irmãos, que, como ela, presenciavam a violência sofrida pela mãe em casa.
O pai, Felipe Nery, passou a guarda de Palmirinha a uma francesa chamada Georgette. A garota veio para São Paulo e se tornou dama de companhia da senhora, que depositava um salário para Nery. Virou um arrimo de família. Na capital, começou a estudar mas não chegou a completar a educação básica.
Com a morte do pai, retornou à sua cidade natal, onde trabalhou na loja Americanas. Nessa época, as dificuldades em casa era tantas, que a mãe a vendeu por cinco mil réis a um fazendeiro.
Aos 19 anos, Palmirinha se casou, mas era vítima de um marido agressor, que não a permitiu terminar o supletivo por causa de alegados ciúmes já que ela só tinha o horário noturno para os estudos. Em entrevista a Marília Gabriela em 2012, contou que ia trabalhar com manchas arroxeadas pelo corpo.
A culinarista teve três filhas, Tânia, Sandra e Nancy, e relacionamento abusivo durou até que a segunda delas se casasse. Para se manter e educar as filhas, foi inclusive empregada doméstica.
Tudo começou a mudar quando a independente Palmirinha se dedicou a fazer o que sabia de melhor: cozinhar. Em sua casa, na Vila Mariana, passou a vender quitutes para a vizinhança. Posteriormente, cozinhou para a extinta Viação Aérea de São Paulo (VASP) e, depois para a Nestlé, onde permaneceu por uma década.
Ao aceitar dar uma entrevista para Silvia Poppovic na TV, foi vista por Ana Maria Braga, que a convidou para fazer parte do programa Note e Anote, em 1993, na Record. A partir desse momento, a vovó doçura virou unanimidade por quem gostava de cozinha afetiva — e a dela era de verdade.
Palmirinha começou trinta anos atrás no programa Note e Anote. Ou seja, tinha mais de 60 anos. E fazia uma coisa linda: mostrava para donas de casa como ganhar uma graninha com as guloseimas que ensinava na telinha.
Com a saída de Ana Maria Braga da emissora, Palmirinha recebeu uma proposta para ter um programa na TV Gazeta. Manteve por lá o TV Culinária até agosto de 2010.
Nesse mesmo ano, Palmirinha assinou contrato com a Fox Life, na qual apresentou o Programa da Palmirinha no canal pago Bem Simples. Ficou por lá até 2015. Em 2019, Palmirinha retornou à TV como consultora do Chef ao Pé do Ouvido, atração de outro canal pago, o GNT, com apresentação de Thaynara OG.
Seu espírito empreendedor a levou a fazer uma parceria com uma uma rede de cafeterias em 2017. Surgiu o quiosque Casa Vovó Palmirinha, que funciona no térreo de um edifício comercial (Avenida Paulista, 1636, tel. 2371-1955), ao lado do Masp.
Entre os livros lançados pela culinarista, está A receita da minha vida, no qual conta parte de sua história em 176 páginas.
Tive o prazer de estar com Palmirinha no final de 2019 para uma degustação de panetones, feita com exclusividade para a Vejinha. A avaliação, gravada neste vídeo, mostra uma vovó doce, divertida e afiada.
O ícone culinário da TV venceu um câncer no útero na década de 1980. Nos últimos dois anos, teve um agravamento de problemas renais crônicos e estava internada na Unidade Paulista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, desde 11 de abril, onde morreu hoje. Palmirinha já faz muita falta.
Além das filhas, ela deixa genros, seis netos e seis bisnetos. Marcado para esta segunda, 8, o velório no Cemitério do Morumby, é aberto ao público somente das 11h às 13h.