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OLÁ,

Criação de vagas de Zona Azul no Centro Histórico gera polêmica

Entre outras coisas, eles dizem que medida pode favorecer acidentes no entorno do Teatro Municipal; pedido partiu do maestro João Carlos Martins

Por Clayton Freitas
27 jan 2023, 06h00
Calçadões: marcas no piso
Calçadões: marcas no piso (Rafael Calabria/Arquivo Pessoal/Reprodução)
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Faixas brancas (algumas contínuas, outras pontilhadas), similares às que delimitam espaços de veículos nas ruas, foram pintadas no chão de calçadão na região central, primeiro na Rua Marconi, depois na Conselheiro Crispiniano, e causaram estranhamento depois que as imagens foram parar nas redes sociais. Procurada, a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) confirmou que está criando 275 vagas de Zona Azul para disponibilizar ao público que acompanha a programação noturna do Teatro Municipal de São Paulo, localizado na Praça Ramos de Azevedo. Essas vagas são especiais, já que um crédito de 6,08 reais dá direito a duas horas, e dois créditos (12,16 reais), a quatro horas de permanência, o dobro de tempo das outras 54 000 vagas comuns.

A ação, prevista para funcionar de forma experimental por sessenta dias, é criticada por especialistas em mobilidade, que prometem acionar entidades e recorrer à Justiça para barrar a medida. Entre outras coisas, eles alegam que a criação dessas vagas pode favorecer acidentes no entorno do Centro Histórico. “Você está estimulando que pessoas usem o carro para ir ao teatro. Da mesma forma poderiam ser criadas linhas noturnas de ônibus para atender essa população, por exemplo. Isso (vagas de Zona Azul) contraria a legislação que fala em ampliar o espaço viário para outros modos, tais como bicicleta, ônibus e a pé”, afirma Rafael Calabria, coordenador do Programa de Mobilidade Urbana do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).

Onde ficam as vagas

Serão 275 vagas de Zona Azul Especial, que funcionarão apenas à noite
Serão 275 vagas de Zona Azul Especial, que funcionarão apenas à noite (Arte/Veja SP)

A CET informou que 200 das 275 vagas serão criadas nas ruas Barão de Itapetininga, Conselheiro Crispiniano e Marconi. Outras 75 serão em vias do entorno. As vagas só poderão ser usadas das 18h às 2h, por meio do aplicativo da Estapar, concessionária que administra o serviço na capital. “Haverá orientação dos condutores para que o acesso seja restrito às vagas, para o momento de chegada e saída, não sendo permitida a circulação veicular nos calçadões em nenhuma outra circunstância”, afirmou.

Para Daniel Guth, mestre em urbanismo, a criação das vagas é contraditória do aspecto de mobilidade, principalmente pelo fato de a região da Praça Ramos de Azevedo ser uma das mais privilegiadas da capital para acesso via ônibus, trem, metrô e bicicleta. “Essa medida compromete completamente os calçadões. Vai gerar insegurança, conflitos e desertificação do espaço para uma finalidade privada de quem está em carro. Ela vai aprofundar a desigualdade e é altamente elitista”, diz Guth, também diretor executivo da Aliança Bike.

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Vagas de Zona Azul em rua lateral do Teatro Municipal
Vagas de Zona Azul em rua lateral do Teatro Municipal (Pedro Piai/Veja SP)

Ainda segundo a CET, a medida leva em conta a “baixa circulação de pedestres pelos calçadões do Centro no período noturno e a alta demanda por vagas de estacionamento do público do teatro em dias de apresentações”. Leticia Sabino, mestre em planejamento de cidades e design urbano pela UCL, em Londres, discorda dessa justificativa, afirmando que essa decisão contraria o fato que desde os anos 1970 a região é aberta para pedestres. Para ela, a função do órgão público deveria ser justamente o contrário, a de ampliar a restrição de circulação de veículos e permitir que mais pessoas circulem a pé nos calçadões. “Colocar carros nesse espaço vai diminuir ainda mais a circulação a pé e gerar muito mais insegurança. O espaço precisa de vitalidade. Isso vai na contramão de uma tendência global das cidades de serem cada vez mais amigáveis para as pessoas e para a convivência”, diz. A especialista também atua como diretora-presidente do SampaPé, uma ONG que estimula a mobilidade urbana a pé e também melhorias nas cidades para tornar isso possível. “Existem outras soluções, tais como os (carros por) aplicativos (Uber, 99 etc.). Essa medida não vai beneficiar a cidade nem elevar a receita. Só degradar o Centro”, opina Leticia. A CET afirma que a implantação das vagas não tem nenhuma relação com o projeto de requalificação dos calçadões, já que o serviço é feito entre os largos São Francisco e São Bento, e Praça da Sé.

Maestro pediu criação de vagas

Quem saiu em defesa da criação das vagas foi o maestro João Carlos Martins. Ele diz que desde 2002 teve contato com prefeitos para sugerir o serviço e nunca foi atendido.

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Maestro João Carlos Martins, defensor da criação das vagas de estacionamento rotativo no entorno do Teatro Municipal
Maestro João Carlos Martins, defensor da criação das vagas de estacionamento rotativo no entorno do Teatro Municipal (Alexandre Battibugli/Veja SP)

O objetivo, segundo o maestro, é o de atender sobretudo pessoas mais idosas que deixaram de ir ao Teatro Municipal por questões de segurança e mobilidade. Um ano atrás ele diz que apresentou a ideia para o prefeito Ricardo Nunes (MDB), e há um mês recebeu uma mensagem de Nunes informando que criaria os espaços.

“Pode ser que eles (especialistas) tenham total razão, entendem se uma calçada comporta ou não os carros. Aceito as críticas, mas minha especialidade é subir no palco e não defendo prejuízo algum aos calçadões. Fiquei feliz dele (prefeito Ricardo Nunes, do MDB) ter tido a preocupação com o Teatro Municipal”.

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Publicado em VEJA São Paulo de 25 de janeiro de 2023, edição nº 2826

 

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