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OLÁ,

Ciao, Marquinhos: um adeus a Marcos Bassi

Como um ex-pipoqueiro e ajudante de açougueiro revolucionou o mercado de carnes a cidade. Vamos sentir saudade dele

Por Thomaz Souto Corrêa
Atualizado em 1 jun 2017, 17h47 - Publicado em 28 mar 2013, 19h29
Ed. 2315 Marcos Bassi - Memória - Templo da Carne
Ed. 2315 Marcos Bassi - Memória - Templo da Carne (Arquivo de Família/)
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“Minha história é assim: dos três, eu sou o irmão mais novo. Cresci na Rua da Alfândega, uma travessa da Benjamim de Oliveira, no Brás, no coração de São Paulo. Aquele era o meu mundo. De casa para a rua, da rua para o Mercado Municipal, o Gasômetro, o Clube Tietê, os jogos de futebol com a turminha. Eu era o goleiro, um bom goleiro, posso dizer. Porque desde pequeno eu era grande. Nunca fui estudioso, mas tirava ótimas notas, acho que era o segundo da classe. Prestava muita atenção nas aulas e era o aluno que apontava os lápis para a professora. Todo mundo gostava de mim lá, menos o bedel, que tomava conta da molecada no recreio. Volta e meia eu brigava e causava tumulto no pátio, e sempre com algum menino mais velho. A escola era o Grupo Escolar Romão Puiggari, na Avenida Rangel Pestana, em frente à Igreja do Brás. Toda a meninada da região estudava lá. E, aos domingos, a gente ia à missa, para assistir ou para ajudar como coroinha na Igreja de São Vito. As brincadeiras eram mais nos parques ou nos campinhos de futebol, jogando bola, bola de gude e bola casinha, um jogo com tacos e bolas. Porque não dava para ficar brincando na rua, no Brás. Não era como hoje, claro, era muito mais tranquilo, mas ali era uma zona cerealista, movimentada, cheia de caminhões descarregando e carregando sacarias, carrinhos indo e vindo entre os armazéns e o Mercado.

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“Brinquei bastante com a turma do bairro, mas não por muito tempo, porque logo comecei a trabalhar. Meu pai, João, era alfaiate, minha mãe, dona Mafalda, cuidava da casa, e o dinheiro era contado. Se eu quisesse ter alguma coisa diferente, tinha de conseguir o meu próprio ganho. Foi assim que eu tive o meu primeiro trabalho, um bico, na verdade, escondido dos meus pais. Eu tinha uns 6, 7 anos. Queria comprar meu material escolar, uns lápis diferentes, coisas que meus pais não podiam me dar. Então comecei a vender pipoca no Parque Shangai e no Cine Glória, aos domingos à tarde. Comprava as pipocas de um pipoqueiro do Brás e revendia por um preço maior. Vendia tudo e não comia uma pipoca sequer. Aquelas eram para vender, se eu ficasse com vontade, pedia à minha mãe para fazer pipoca em casa. Foi o primeiro dinheiro que ganhei. Sempre encontrei alguma coisa para fazer, o trabalho está no meu sangue.

“Com 9 anos tive uma experiência que foi muito legal e importante para o que vim a fazer depois, mesmo sem pensar nisso naquela época. Comecei a vender miúdos para o seu Praxedes, um açougueiro do bairro. Era o seguinte: ele separava o que não tinha muita saída no açougue e me dava para vender na rua. Então, eu saía com as carnes em uma sacola de lona. Levava faca, tábua de corte e papel celofane. Batia nas portas e oferecia para as donas de casa. ‘Bom dia, dona Maria, quer alguma coisa para o almoço? Fígado? Dobradinha?’ Eu mesmo cortava os bifes antes e apresentava tudo limpinho, bonitinho. Em vez de vender por quilo, vendia por pacote. Um pacote com dez bifes, por exemplo. Com isso, eu conseguia tirar um bom dinheiro, ganhar mais do que se vendesse por peso. Já nesse período eu comecei a trabalhar pesado, o dia todo. Saí do grupo escolar e fui para um curso noturno, na 30 de Outubro. Mas logo tive de deixar a escola. Não dava mais para conciliar.

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“Não foi só isso, vender carne, que eu aprendi com o seu Praxedes. Ele era uma pessoa muito limpa e organizada, um homem alto, magro, narigudo e bravo. Você não podia pôr a mão na carne. Se fizesse isso, ele batia com a faca. O seu Praxedes trabalhava com o irmão dele, o seu Armando. Os dois brigavam o tempo todo. O açougue ficava na Rua da Alfândega, esquina com a Fernandes Silva, e eles moravam no conjugado, ali mesmo. Além de venderem os cortes, fabricavam linguiça artesanal. Lembro de vê-los lavando o açougue todo dia. Era um estabelecimento limpo, sem aquele cheiro forte de carne, uma coisa que eu achava bárbara. Nunca vi o seu Praxedes sujo de sangue. Foi ele quem me deu uma das primeiras facas que eu tive, uma Policarpo portuguesa, de cabo grande e lâmina pequena, para limpar osso. Tenho essa faca até hoje, mas a lâmina está muito pequena, porque foi desgastando com o tempo e o uso. No açougue do seu Praxedes, a carne nunca ia embrulhada no jornal. As pessoas levavam o prato ou pirex de casa, ele separava a carne, colocava dentro e cobria com papel-manteiga, que era caro, coisa fina. Um açougue totalmente diferente dos outros que eu conhecia, e, quando fui abrir a Casa de Carnes, mais adiante, em muita coisa me espelhei no seu Praxedes. Ele era o modelo de açougueiro para mim. Um açougueiro chique.”

Ed. 2315 Marcos Bassi - Memória - Templo da Carne
Ed. 2315 Marcos Bassi – Memória – Templo da Carne ()

Começa assim, contada por ele mesmo a este amigo, a história do menino que, aos 7 anos, já era um empreendedor. A história de Marcos GuardaBassi, o “artesão da carne”, como gostava de ser chamado, que foi embora no domingo, vítima de um câncer contra o qual lutou fortemente nos últimos seis anos. Inovador e pioneiro, o pipoqueiro mirim se tornou um dos maiores especialistas brasileiros no mercado de carnes. O talento para fazer um dinheirinho na pipoca foi usado para desenvolver um negócio de açougues, centrais frigoríficas, restaurantes, fornecimento de carne para hotéis e restaurantes no país inteiro.

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Amava trabalhar. Incansável, ajudou a construir uma história que influenciou a própria história da pecuária no Brasil. Uma história de conquista, de generosidade e de superação. Nos últimos tempos, dedicava-se somente ao restaurante Templo da Carne, nome dado por um velho cliente que, cada vez que cruzava a porta, dizia, solene: “Estamos entrando no templo da carne”. Recebia grupos de convidados para divertidas aulas sobre como fazer o bom churrasco. Conquistava todo mundo. “Sou um açougueiro”, dizia. Sabia destrinchar um boi inteiro. Tinha tanta intimidade com a carne que desenvolveu cortes especiais, que grelhava com um cuidado perfeccionista. E o resultado era sempre um prazer.

É como ele aparece na foto da página anterior que nós, os amigos que chamávamos aquele homenzarrão de Marquinhos, queremos nos lembrar sempre dele. Não havia como impingir àquela figura expansiva, gostosa, qualquer nome que não fosse um carinhoso Marquinhos.

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