O Tribunal de Justiça Militar de São Paulo (TJM-SP) determinou que o policial militar João Paulo Servato, que pisou no pescoço de uma mulher durante uma abordagem realizada em 2020, na Zona Sul da capital, deve cumprir sua pena em regime aberto. Mas na prática, a pena de prisão não precisará ser cumprida pois foi substituída por medidas mais leves, como a obrigação de continuar trabalhando, não frequentar locais que vendam bebidas alcoólicas e não mudar de cidade nem de casa sem autorização prévia da Justiça.
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Na última terça-feira (31), ele foi condenado a um ano, oito meses e 12 dias de prisão pelos crimes de abuso de autoridade e falsidade ideológica. Já o cabo Ricardo Morais, que estava com Servato na ocasião e era responsável por supervisionar a ação, foi condenado a um ano, dois meses e 12 dias de reclusão, também em regime aberto. Nesta quinta (2), foi publicado o acórdão do julgamento, que mostra que o tribunal concedeu aos agente a suspensão condicional da pena por dois anos, em que ele terá de cumprir as medidas e, só em caso de descumprimento, é que deverá cumprir a pena de prisão.
A advogada Alzira Teixeira explica que essa suspensão condicional está prevista na legislação penal comum e militar. “Neste período de dois anos, o réu fica sujeito a um período de prova, nesse prazo ele vai ter que cumprir algumas condições previstas no Código de Processo Penal Militar. O instituto existe para evitar o encarceramento. A pessoa é condenada, mas é concedida a ela uma suspensão da pena, não no sentido de afastar a condenação, mas que ela fique em um período de prova com algumas proibições e para que ela demonstre que não vai voltar a delinquir. É algo aplicado tanto para militares quanto para civis”, aponta.
Geralmente, quando a pessoa ganha o benefício da suspensão condicional da pena, é proibida de andar armada. Porém, neste caso o tribunal autorizou que os agentes portem armas “em razão da condição funcional” de policiais militares.
Histórico
Em 30 de maio de 2020, a polícia foi chamada após um carro com som alto parar em frente a um pequeno comércio em Parelheiros, no extremo Sul de São Paulo. Naquela época, bares e restaurantes estavam proibidos de funcionar por conta de medidas restritivas impostas em razão da pandemia da Covid-19. A dona do comércio, uma mulher negra mãe de cinco filhos, havia aberto o local porque precisava manter seu sustento.
A polícia chegou e, de acordo com a comerciante, um PM estava agredindo um amigo seu, ela tentou intervir, mas aí foi agredida também. “Eu pedi para o policial para parar e ele me empurrou na grade do bar, me deu três socos, me deu uma rasteira para me derrubar, ele quebrou minha tíbia”, disse à época. “Ele ficou pisando no meu pescoço com meu rosto encostado no chão.” A mulher ainda foi arrastada algemada pelo asfalto até a calçada. Ela conta que desmaiou quatro vezes durante a ação.
Os PMs, porém, deram uma versão diferente: afirmaram que apenas reagiram a uma agressão da mulher e de seus amigos. Um vídeo que mostra o agente agredindo a mulher foi veiculado pelo Fantástico, da TV Globo, em julho daquele ano.
Os agentes foram denunciados. Na denúncia, o Ministério Público narra que a mulher tentou impedir que o policial João Paulo Servato largasse seu amigo, e que neste instante o policial foi até ela, deu três socos em seu tórax e um chute em sua perna. Ela então disse ao agressor: “você quebrou minha perna”, ao que ele respondeu: “quebrou porra nenhuma”. Na sequência, o agente pegou a vítima pelos cabelos e a jogou na frente de um carro, e depois pisou em seu pescoço. Ainda segundo o MP, ele e Ricardo Morais mentiram em seu depoimento à Polícia.
Em agosto de 2022, o Conselho Permanente de Justiça da 4ª Auditoria Militar, por três votos a dois, absolveu os dois PMs. O Ministério Público recorreu e, na última terça, o Tribunal de Justiça Militar paulista decidiu pela condenação.
O advogado João Carlos Campanini, que defende os PMs, afirmou que irá recorrer da decisão.
“Situação vexatória”
O juiz Fenando Pereira, relator do caso, afirmou em seu voto que o crime de abuso de autoridade ficou caracterizado após o PM João Paulo Servato, ter submetido a comerciante “a situação vexatória” no momento em que colocou seu pé sobre o pescoço dela, que já estava caída no chão com a perna fraturada, “arrastando-a na sequência até a viatura”.
O magistrado ponderou ser compreensível que o policial militar, durante sua atividade, “muitas vezes se veja obrigado a empregar a força necessária para conter a ação de pessoas que resistem com violência ao cumprimento da lei”, mas disse ser “inaceitável o comportamento do policial que faz uso indevido da força e passa a empregar a violência que tem o dever de combater”. “O policial militar é instruído e treinado enfrentar situações de estresse e provocações de toda ordem, de modo que era exigível da parte dos apelados uma atitude diversa da que foi por eles adotada”, acrescentou.