Escritor lança livro de poemas sobre o cotidiano de São Paulo
Alberto Martins lançou a coletânea de poemas 'Em Trânsito', formada, em sua maioria, por reflexões sobre o transitar em uma grande cidade
Para o escritor e artista plástico Alberto Martins, ônibus ou trem não representam apenas meios de locomoção, mas também uma fonte fértil de inspiração. Isso fica claro na recém-lançada coletânea de poemas ‘Em Trânsito’ (Companhia das Letras, 112 páginas, R$ 33,00), formada, em sua maioria, por reflexões sobre o transitar em uma grande cidade — no caso, São Paulo. Os textos surgiram de observações realizadas no percurso de Martins entre sua casa, em uma rua pacata do Alto de Pinheiros, e o trabalho na Editora 34, cuja sede se localiza na Marginal Pinheiros, próximo à Ponte Cidade Jardim.
“Quando tiro o carro da garagem, vou até lá consumido em meus próprios pensamentos”, explica ele. “De trem, consigo captar as pequenas atitudes dos outros passageiros, as conversas, os gestos.” Os versos começaram a ser escritos em 2000, quando o autor era funcionário da Cosac Naify. Naquela época, a editora ainda funcionava no Edifício Esther, na Praça da República. “Conseguia observar as mesmas pessoas pegando ônibus nos mesmos horários e fazendo as mesmas brincadeiras com os mesmos motoristas”, diz. “Vejo relações entre o ato de ler um livro e o de transitar. A leitura é outra forma de transporte público, um percurso que vai do autor a todos os leitores daquela tiragem.”
Nascido em Santos, Alberto Martins mudou-se para a capital aos 17 anos, para estudar letras na USP. Estranhou o tamanho da cidade, mas tempos depois foi passar alguns meses em Nova York. Ao retornar, tudo parecia bem mais natural, em comparação com o gigantismo ainda mais expressivo da metrópole americana. Hoje, aos 52 anos, diz ter aprendido a gostar daqui. “Ao mesmo tempo em que convivemos com a megalópole tão cosmopolita, tropeçamos em resquícios de provincianismo, de uma vida de bairro”, afirma.
Não por acaso, ‘Em Trânsito’ recorre constantemente a cenários paulistanos, a exemplo de estações de trem e metrô, da Marginal Pinheiros, de bairros como Pompeia e da Praça da República. A condição urbana também é abordada por narradores em situações reconhecíveis: comprando bala de um menino no semáforo, caminhando com o cachorro até a padaria ou, na madrugada, escutando “o ruído insone da marginal” e “os tanques da Sabesp bombeando água”. Para o também poeta Fabrício Corsaletti, os versos estabelecem “uma tentativa de convivência entre as pessoas, o modo encontrado para nos relacionarmos nas grandes cidades”.
Em 2009, Martins publicou ‘Uma Noite em Cinco Atos’ (Editora 34, 112 páginas, R$ 30,00). Na peça de teatro, São Paulo hospeda um encontro fictício entre os poetas Álvares de Azevedo (1831-1852), Mário de Andrade (1893-1945) e José Paulo Paes (1926-1998). Nos cenários percorridos por eles estão o Largo São Francisco e a Barra Funda — o encontro termina no limite entre os rios Tietê e Pinheiros. “Em qualquer cidade europeia esse local teria um monumento público”, afirma o autor. “Pouca gente sabe que há uma comporta entre os rios.”
Além da dedicação à escrita, o santista mantém uma carreira sólida como artista plástico. Expôs em abril no Gabinete de Arte Raquel Arnaud e, no fim de 2007, mostrou trabalhos na Estação Pinacoteca. Suas gravuras, esculturas e relevos possuem uma inflexão construtivista e deixam escapar a influência do escultor mineiro Amilcar de Castro (1920-2002). Segundo Corsaletti, é possível traçar analogias entre as produções literárias e visuais de Alberto Martins. “Nos relevos, ele se aproveita bastante da corrosão do aço, em sintonia com a condição urbana. Nas xilogravuras, explora o contraste entre o preto e o branco. A cara de São Paulo.”
ALGUNS VERSOS
Working day
dar adeus
a este dia azul
se embrenhar
nas trevas do metrô
morrer
quem sabe
num descarrilhar de trilhos
no entrechoque dos vagões
lá fora as estações deslizam
Consolação
Paraíso
Liberdade
enquanto meu pensamento se perde
em catacumbas
como Álvares na taverna
no fim do trajeto
uma brecha de céu:
saio do túnel
para entrar no elevador
Xadrez no centro
indecisa
entre a banca de jornais
e o garoto que vende bilhetes de metrô
a moça para um segundo
no meio-fio
depois
levanta a cabeça
e avança pela calçada de pedras
pretas & brancas
pisando o mosaico torto
ela sabe
que cada passo é um erro cada passo
é um logro — mas quem não joga
perde a vez e nunca mais
volta pro jogo
Estação Pinheiros
no meio do rio
a draga escava
o fundo lodoso
do canal
da plataforma
os passageiros observam
— gratos à máquina
que todo dia revolve sua carga
diante de nossos olhos
antes da partida