Teatro de Contêiner resiste na Cracolândia com prazo para desocupação
Prefeitura determina saída até o dia 10 de junho para construção de um "hub de moradia social"

No número 43 da Rua dos Gusmões, no perímetro do fluxo da antiga Cracolândia, onze contêineres abrigam programação musical e teatral diária sob a direção da Companhia Mungunzá de Teatro e são endereço do coletivo Tem Sentimento, que acolhe mulheres cis e trans em situação de vulnerabilidade social. Mesmo operante, o Teatro de Contêiner, assim como endereços na região dos Campos Elíseos e da Santa Efigênia, recebeu em 28 de maio uma ordem extrajudicial da Prefeitura de São Paulo para a desocupação, em até quinze dias, do terreno municipal onde será construído um hub de moradia social.
A notificação foi realizada quinze dias após o desaparecimento do fluxo de usuários e de pessoas em situação de rua que ocupavam as áreas das ruas dos Gusmões, dos Protestantes, Mauá e General Couto de Magalhães. “Protocolamos um pedido de cessão do terreno e vamos protocolar a resposta ao ofício de despejo. Estamos também articulando com deputados e vereadores de vários partidos, porque é uma pauta suprapartidária”, afirma Marcos Felipe, artista e representante da Companhia Mungunzá de Teatro, que tem sede no Teatro de Contêiner e participou na terça-feira (3) de uma reunião com os secretários Totó Parente, da Cultura, e Edsom Ortega, de Projetos Estratégicos, e com o subprefeito da Sé, Marcelo Vieira Salles.

No encontro, a gestão apresentou uma sede alternativa para o equipamento cultural na Rua Conselheiro Furtado, 150, na Liberdade, não aceita pelos representantes do espaço. Procurada pela reportagem, a prefeitura enviou uma nota oficial na qual afirma “promover desde o ano passado reuniões com as lideranças do teatro, a área será destinada a atendimento de famílias cadastradas em serviços municipais e moradores da região no âmbito das ações integradas que vêm recuperando toda a região central da cidade”.
Responsável pelo coletivo incubado desde 2018 no Contêiner, o Tem Sentimento — que oferece oficinas de costura, bordado, crochê e outras atividades artesanais para a geração de renda de mulheres —, Carmen Lopes indica a importância da permanência da iniciativa. “As meninas que atendemos acompanho desde 2013. Eu conheço as pessoas do entorno. Nesse espaço, que tem ar livre e é aberto para o fluxo, elas conseguem aprender ferramentas para autonomia financeira”, garan te a ex-assistente social. O coletivo, que atende 75 mulheres, foi o primeiro a receber uma indicação de despejo pela Secretaria de Direitos Humanos, que em abril apresentou um outro local para sediá-lo: uma sala em um prédio na Rua Maria Borba, na Consolação. Essa mudança também foi negada pela entidade.

“Esse projeto de revitalização da área central elimina um território popular e vulnerável, assim como a rede de equipamentos e serviços que dão suporte a essa população. Os cortiços das quadras 36 a 38 nos Campos Elíseos foram desapropriados e agora a saída do Teatro de Contêiner também está inserida nesse processo, supostamente em nome da habitação de interesse social”, diz a urbanista Raquel Rolnik, integrante de um levantamento realizado em 2018 com o Fórum Aberto Mundaréu da Luz, que mapeou 5 000 endereços desapropriados e ociosos na região.
A situação gerou uma reação da classe artística, que defende a importância do teatro e da companhia, ganhadora de prêmios como o Shell e o APCA, além de ter circulado com peças em Portugal e participado do International Theatre Engineering & Architecture Conference (ITEAC) em 2023, evento em Londres que destaca projetos em espaços de atuação e produção artística em áreas vulneráveis. No último dia 3, mais de quarenta teatros e espaços culturais paulistanos assinaram uma carta pela manutenção do Contêiner. Entre os signatários estão o Oficina, o Itália, o J. Safra e o Bibi Ferreira. Com prazo de desocupação para o próximo dia 10, o Contêiner segue com a agenda prevista até dezembro, enquanto luta pela sua permanência.
Publicado em VEJA São Paulo de 6 de junho de 2025, edição nº 2947