Ana “Animal” deixa Ibirapuera e vai inaugurar alojamento no Baby Barioni
Atleta temia voltar às ruas com ordem de saída; mudança ocorreu após comoção por forma como ela diz ter sido tratada por integrantes da gestão Tarcísio
Enquanto falava com a reportagem na tarde de sexta-feira (4), Ana Luiza dos Anjos Garcez, 60, mais conhecida como Ana “Animal”, dobrava as suas roupas recém-lavadas e disse estar preocupada em saber onde compraria plástico bolha. A atleta máster, que é uma das mais conhecidas e queridas pela comunidade running da capital (de quebram, a mais vitoriosa), estava preparando suas malas e queria acondicionar nelas os vários troféus conquistados nas provas que vem disputando há quase 30 anos. “Eu não posso quebrar nada, vou colocar tudo direitinho”, disse.
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Nos próximos dias ela será a primeira atleta a ser abrigada no alojamento do Complexo Esportivo Baby Barioni, na Água Branca, Zona Oeste, após a reforma concluída no final de 2022. Ela ficará sozinha em um quarto com “padrão de hotelaria”, segundo a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), após assessores dele terem comunicado a saída forçada da atleta (leia-se despejo) do local onde ela vive há 23 anos, as arquibancadas do Complexo Desportivo Constâncio Vaz Guimarães, no Ibirapuera, na Zona Sul.
Apesar de não ser um local adequado para moradia, o espaço no Ibirapuera era e é considerado pela corredora o seu lar, onde ela dorme, pendura suas medalhas e tem sua pequena TV, já que o único endereço que conhecia antes ali era outro bem inóspito: as ruas, onde se rendia às drogas e crimes. Depois de dizer à Vejinha que não sairia do seu lar, ela se entusiasmou depois de ir conhecer a sua nova casa. “É legal, eu vou ficar sozinha lá”, diz a atleta, figura que tem, na mesma medida, um jeito brincalhão e sincero, e que tem uma forma bem peculiar de se vestir, com roupas coloridas. Apesar de não ter problemas de visão, ela usa óculos. Sem lentes. Resumindo: uma figuraça.
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Conforme revelou a Vejinha em no dia 11 de julho, o governo estadual havia determinado à atleta a sua saída até o dia 31 daquele mesmo mês. Ela mora no Ibirapuera por um motivo bem simples: é colado ao local onde ela treina e atua como uma espécie de auxiliar informal de seu treinador, Wanderlei Oliveira, um dos principais mestres do atletismo do país. A ameaça de despejo, palavra que incomodou a gestão Tarcísio, era encarado pela ex-moradora de rua e com passagens pela Cracolândia um risco para voltar às ruas. A relutância dela sair do local era justamente essa, já que o remédio que encontrou para parar com os crimes e drogas foi a corrida de rua.
O que incomodou a corredora foi a forma como ela diz que foi abordada para sair do local. Em uma das oportunidades, ela diz que o novo diretor do Conjunto Desportivo Constâncio Vaz Guimarães, visitou a “casa” da atleta e diz que o ambiente se assemelhava a uma “favela”. Em outra oportunidade, duas profissionais de saúde a visitaram. Ana as recebeu e elas tiveram uma conversa. A atleta diz que o que a deixou indignada foram informações passadas pelas profissionais de que Ana estava vivendo num local sujo e não tinha o que comer. A “cereja do bolo” dessa receita indigesta de abordagem foi a proposta de leva-la para um asilo público, local que definitivamente não é o mais adequado para quem é atleta de alto rendimento, e que, apesar da idade, brilha nas corridas pelo Brasil e mundo afora.
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Mudança de abordagem
Com a tempestade perfeita formada e após a péssima repercussão do caso, o governo Tarcísio mudou de tática. Em vez de abordar diretamente a atleta, falou com seu treinador e com amigas próximas dela. Isso abriu espaço para que Ana fosse conhecer o Complexo Esportivo Baby Barioni e, depois de conferir o que teria à sua disposição, topar em sair do Ibirapuera.
Dizendo-se um fã da atleta, Estevan Rodrigues, chefe de gabinete da coronel da PM Helena dos Santos Reis, secretária de Esportes do Estado de São Paulo, afirmou que desde o dia 16 de janeiro tentou encontrar uma solução para acomodar a atleta. Segundo explica, o complexo está interditado desde 2020 por vários problemas estruturais provocados pela falta de manutenção. “Temos todo os tipos de problema: mofo, infiltração, hidráulicos, elétricos. Ela [Ana] vivia muito adaptada lá e toda a situação dela era tentativa de sobrevivência”, afirma.
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Ele disse que desde o início do ano disse à atleta que poderia acomodá-la no Baby Barioni, o que Ana nega. Segundo Estevan, Ana sempre foi receptiva a receber as pessoas, até o dia do encontro com as profissionais ligadas à Secretaria de Defesa Social. Ele explica que a proposta de asilo era o que as profissionais tinham a oferecer, embora reconheça não ser o melhor local para abrigar uma atleta de alto rendimento. O chefe de gabinete questionou o diretor do Conjunto Desportivo Constâncio Vaz Guimarães –o que Ana diz ter chamado o local estava de favela, de forma pejorativa– e que em nenhum o contato foi descortês. Procurada de novo, Ana diz que isso é mentira.
Estevan afirma que não localizou nenhum documento oficial que permitisse à atleta viver onde vivia. Agora, um documento está sendo elaborado para que ela não corra novos riscos de não ter um local para dormir e guardar as suas medalhas. Ana poderá ficar no espaço quanto tempo quiser, desde que se dedique aos treinos.
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Questionada como fará para sair do novo alojamento até o local onde treina, pontos que são distantes quase sete quilômetros um do outro, Ana diz que fará o que sempre fez: correr.