Distantes dos amigos e da família — especialmente dos parentes que pertencem aos grupos de risco na pandemia e precisam se proteger —, paulistanos enfrentam os efeitos psicológicos de morar sozinhos, sem poder sair de casa por tempo indeterminado. “Vivemos uma epidemia… de solidão”, declara Avelino Luiz Rodrigues, professor do Instituto de Psicologia da USP. Diferentemente da solitude, cujo significado define o prazer de ficar a sós consigo mesmo, a solidão representa o sentimento de exclusão forçada, de estar sozinho contra a própria vontade. “Prevalece a sensação de desamparo, tanto para quem vive sozinho como para quem tem companhia mas ainda se sente só.” Para a aposentada Eliana Carpinelli, 67, o isolamento em casa começou gerando medo e ansiedade. Após se inscrever e ser aceita em uma pós-graduação no fim do ano passado, ela precisou interromper o curso. “Não consegui me concentrar nos estudos, fiquei tomada pelo problema”, confessa. Sem as rodas de leitura que organizava em casa aos sábados, hoje ela estuda com a prima por videoconferência, passou a ler mais e continua a fazer análise, agora pelo celular. Com o tempo livre, também começou a cozinhar. “A solidão por si só não é ruim e pode ampliar o estado cognitivo”, ressalta Rodrigues. Por isso o professor aconselha encarar o isolamento com atividades estimulantes. “Aproveite para investir em expressões artísticas, como leituras, cursos e os muitos museus disponíveis na internet.”
Daiane Nicoletti, 29, sempre teve uma vida social agitada e trabalhava com muitos eventos. Agora só sai para ir ao mercado e sobe ao terraço do prédio onde mora para tomar sol. Os encontros virtuais com amigos, que no início da quarentena eram frequentes, também diminuíram e Daiane teve de suspender as sessões de terapia, já que sua renda mensal diminuiu bruscamente. “Quando começo a ficar preocupada, penso que tem muita gente em situações piores e acabo me sentindo culpada”, desabafa. As incertezas sobre a duração do isolamento na cidade são outra fonte de angústia (oficialmente, a quarentena foi prorrogada até 10 de maio). “Não ter dinheiro para seguir me sustentando aqui e o fato de ser uma mulher lésbica, o que complica meu retorno à minha cidade, no interior, por causa do meu pai, é algo que me deixa muito abalada emocionalmente.” Apesar de viver há dez anos sozinha em São Paulo, a ausência de encontros ao vivo nesse período tem causado ansiedade. “Sinto muita falta de conversar e, nos últimos dias, quando recebia mensagem no WhatsApp, meu coração até disparava”, admite. Ela passou a praticar um exercício inusitado: mandar áudios em que conversa consigo mesma. “É como um diário que diz a Daiane como ela se sente e uma forma de ‘sair de mim’, me visualizar.”
Registrar o que se está sentindo, afirma a psicóloga e terapeuta de casais e familiares Rosalina Moura, é uma boa alternativa para fazer planos para o futuro após a pandemia e deixar de encarar a quarentena como uma prisão. “Não é um momento para grandes mergulhos internos”, pondera. “Mas precisamos desses tempos de parada para transformar o isolamento em conexão.” Ter menos acesso a “válvulas de escape”, como a liberdade de sair para passear, pode acentuar a solidão de quem já não tinha muitas companhias e agravar os sintomas de quem sofre com transtornos mentais, segundo Rosalina. Se as sensações de desânimo e tristeza causadas pelo isolamento persistirem, recomenda-se buscar grupos de atendimento psicológico on-line e redes de apoio como o Centro de Valorização da Vida (CVV). “Sofrer algum impacto emocional agora é normal, pois a vida mudou e planos foram interrompidos”, tranquiliza. “Mas é importante ficar atento a sinais como oscilações de humor, dificuldade para dormir e abuso de substâncias, indicações de que a pessoa não está bem.”
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Mis Santana, 26, começou um tratamento psiquiátrico na semana da quarentena, embora já tivesse recebido o diagnóstico de depressão antes disso. Com o namorado trabalhando fora o dia todo, ela enfrenta o acentuamento dos sintomas devido ao tempo que passa sozinha em casa. “Sinto o medo constante de infectar alguém que amo”, resume. Com o contrato suspenso por dois meses na empresa onde trabalhava, Mis ocupa o tempo livre com serviços de streaming, a companhia de seu cachorro de estimação e jogos para celular que estimulam a cognição. Na semana da Páscoa, quando completou 26 anos, Mis lamentou não ter comemorado o aniversário com a família. “É doloroso não abraçar ninguém.” Com o aumento no número de mortos pela Covid-19, ela decidiu parar de assistir ao noticiário com frequência e agora só lê notícias sobre os casos em São Paulo a cada três dias. Para controlar esse estado psicológico, que pode ficar ainda mais abalado com o excesso de informações sobre a doença, é fundamental estabelecer uma rotina. “A produção constante de cortisol, hormônio do stress, cria um estado de tensão e a hiperatividade dos sistemas de alerta”, explica Avelino Luiz Rodrigues. “E a nova realidade do isolamento tirou muitos dos parâmetros que usávamos para nos organizar.” Sem essas referências, ter hora certa para dormir, trabalhar e conversar com os amigos ajuda a manter um ritmo saudável.
Há mais de dez anos sem ter trinta dias de férias, Andre Florindo, 32, aproveita o isolamento para retomar atividades como estudar francês e atualizar-se nos filmes que sempre quis ver. “Agora estou numa lista dos Oscar e acabei de ver o do Freddie Mercury… Acordei no dia seguinte escutando o Queen”, conta. Andre respeita alguns rituais, como manter contato com os pais de manhã, e separa dias específicos para arrumar a casa e cuidar de si mesmo. “Este é o dia da beleza, dia de passar um hidratante”, diverte-se. Como seu trabalho na área da beleza exige contato presencial, ele ainda troca mensagens com clientes, para dar dicas. Se acorda sentindo falta de sair, pratica ioga e dança. “Às vezes me sinto numa montanha-russa, subindo, sentindo a brisa e em desespero quando ela começa a se distanciar do chão”, brinca. “Ainda não dei um looping nessa montanha, mas, se esse dia chegar, quero estar bem e preparado.”
“Este momento pode ser uma chance para criar vínculos e procurar as pessoas”, reforça Rosalina. Ter em mente que todos estão passando por esse período ajuda a dar um significado menos pessimista à quarentena. “Vale pensar que, mesmo isolado, você está cuidando das outras pessoas, e essa humanidade em comum já é uma conexão.”
5 dicas para viver bem em isolamento
> Estabeleça metas curtas. Faça um planejamento diário para organizar a rotina. “No fim do dia, checar as pequenas tarefas cumpridas vira motivo de satisfação”, explica Christiane Hegedus Karam, psicóloga do Hospital Albert Einstein.
> Obedeça a horários. Separar os momentos de lazer do período de expediente em home office é importante para não misturar os afazeres profissionais com a vida pessoal. Ter um local reservado ao trabalho, mesmo que seja apenas uma cadeira diferente, ajuda a criar essa divisão física dentro de casa.
> Retome prazeres antigos. Reconectar-se com hobbies dos tempos de infância ou descobrir novos gostos é uma alternativa para ter mais estímulos quando todos os dias tendem a parecer os mesmos: tente cozinhar, jogar videogame ou começar um curso.
> Controle o uso do celular. Sem contato humano, o celular às vezes é a única companhia. Ao usar o aparelho, dedique um tempo a ligar para os amigos (em vez de mandar mensagens) e aproveite para organizar almoços e happy hours virtuais em vídeo.
> Faça atividade física. Dança, ioga ou uma caminhada no quarteirão (de máscara): qualquer exercício serve para evitar os efeitos do sedentarismo por estar em casa.
Para ficar de olho: Sinais de alerta para cuidar da saúde emocional durante o isolamento
Alterações no sono
Mudanças drásticas na qualidade do sono são um dos possíveis sintomas provocados pelo stress ou pela depressão.
Oscilações de humor
Irritabilidade e descontrole emocional podem estar relacionados ao desgaste psicológico causado pelo isolamento.
Consumo de álcool e drogas
Com a sensação de solidão, o consumo de bebidas alcoólicas e outras substâncias pode indicar insatisfações emocionais.
Perda ou aumento de apetite
Transtornos psicológicos e stress podem desregular o apetite e até provocar perda de peso ou alimentação compulsiva.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 29 de abril de 2020, edição nº 2684.