O sonho de Alexandre Bitencourt, de 13 anos, é ser ator. Após aparecer em dezenas de comerciais publicitários e fazer curso de atuação, ele se prepara para uma oportunidade inédita: participar da novela juvenil Chiquititas, que o SBT exibirá a partir do dia 15. Além do talento, outra característica foi determinante para que Alexandre conquistasse o papel. Assim como seu personagem, o garoto adora comer e luta contra a balança para perder os quilos a mais. Até bem pouco tempo atrás, sua rotina era pontuada por copos de refrigerante, doces e porções exageradas. “Seu prato de almoço poderia alimentar duas pessoas”, conta a mãe, a enfermeira Kely Bitencourt. Além de Alexandre, ela tem outros dois pequenos glutões: Leonardo, 10, e Nicolas, 6. Para entrar na linha, a turma perdeu o livre acesso à despensa lotada de guloseimas e há um ano vem frequentando aulas de natação cinco vezes por semana.
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O trio de irmãos, que aparece na foto acima, representa o retrato de um problema que vem crescendo na cidade: a obesidade infantil. Segundo levantamento recente do programa Meu Pratinho Saudável, projeto de esclarecimento e prevenção feito em parceria do Instituto do Coração (Incor) com a editora LatinMed, um total de 45% das crianças da capital enfrenta dificuldades com a balança (contra 30% da média nacional). Dentro desse grupo, 19% apresentam excesso de peso (ou seja, possuem índice de massa corporal, IMC, entre 25 e 30). E 26% delas estão obesas (IMC acima de 30). A pesquisa em questão avaliou quase 500 paulistanos entre 2 e 9 anos de idade.
Os números ajudaram a quantificar um fenômeno para o qual os especialistas já vêm chamando atenção há algum tempo. Pouca atividade física, falta de tempo para brincar, alto consumo de produtos industrializados, como refrigerantes e sanduíches de fast food, e pais que trabalham fora e não acompanham a alimentação dos filhos são os grandes complicadores. “Nas últimas décadas, trocamos o medo da desnutrição pelo exagero e descontrole que resultaram na obesidade”, afirma Ieda Jatene, chefe do departamento de cardiologia pediátrica do Hospital do Coração (HCor).
Algumas das principais causas de morte por infarto, derrame, câncer e diabetes têm como base a (má) alimentação. De acordo com projeções da Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil liderará até 2040 o ranking de países com o maior número de óbitos por problemas cardiovasculares, seguido por China e Índia. O excesso de peso na infância está relacionado a essa estatística sombria. “Se nada for feito, esses jovens viverão cerca de dez anos menos do que seus pais”, alerta o cardiologista Mauricio Wajngarten, do Incor.
A obesidade infantil pode ser desencadeada por vários fatores, incluindo questões psicológicas, como uma crise de ansiedade às vésperas de um evento importante, a exemplo de uma prova na escola. Aos poucos, porém, fica cada vez mais claro que o comportamento dos adultos representa um dos maiores problemas. “Os filhos refletem o que os pais fazem, para o bem e para o mal”, diz Eduardo Calliari, endocrinologista pediátrico da Santa Casa e do Hospital São Luiz. Para ele, o crescimento do número de mulheres com sobrepeso está diretamente relacionado ao aumento da taxa infantil, pois costumam ser elas as principais responsáveis pela alimentação dos rebentos. Segundo a médica Maria Edna de Melo, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrone Metabólica (Abeso), a falta de sensibilidade dos familiares também prejudica os tratamentos de emagrecimento e reeducação alimentar. “Comer guloseimas na frente de quem está encarando restrições é uma forma de tortura”, exemplifica.
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Na tentativa de virar esse jogo, a Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp) criou recentemente um fórum permanente de prevenção voltado a crianças e adolescentes e coordenado pelo cardiologista Wajngarten. O grupo, que fez sua primeira assembleia no congresso da Socesp no fim de maio, reúne representantes da indústria alimentícia, jovens, pedagogos, pesquisadores e médicos em busca de soluções para o que já é considerado uma pandemia.
Os erros começam ainda nos primeiros meses de vida. “Vemos farinhas ricas em açúcar e refrigerante na mamadeira”, relata a nutricionista Karine Durães. Já as crianças em idade escolar precisam driblar a tentação dos lanches da cantina. Nas escolas da cidade é possível encontrar da tradicional coxinha a quiosque de fast-food. Um estudo da Sociedade Brasileira de Cardiologia coordenado pelo médico Carlos Alberto Machado mapeará a partir de agosto os hábitos alimentares dos estudantes de 128 colégios estaduais em vários municípios paulistas. Com base no levantamento, os salgadinhos serão gradativamente substituídos por alimentos naturais e integrais. Para chegar a esse objetivo, que deve começar a ser posto em prática no ano que vem, uma equipe está por videoconferência treinando diretores, professores e merendeiras. Algumas instituições de ensino particulares têm seguido essa mesma linha. A Escola da Vila, com unidades no Morumbi e no Butantã, depois de ter banido recentemente da cantina frituras e hambúrgueres, planeja dar fim também à oferta de refrigerantes.
Outra frente de batalha envolve a publicidade direcionada aos jovens. Em 2011, o Procon multou o McDonald’s em 3 milhões de reais e, no ano passado, o Habib’s em 2 milhões de reais por fazerem propaganda de lanches com brinquedos. Neste ano, o governador Geraldo Alckmin vetou um projeto de lei que proibia a venda casada de alimentos pouco saudáveis, como fast-food, com brindes. Iniciativas semelhantes seguem em tramitação. A mais emblemática delas, que amplia a restrição das peças publicitárias para o público infantil, espera por aprovação desde 2001.
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A ampla presença de alimentos industrializados na rotina dos pequenos é o tema do documentário Muito Além do Peso, da cineasta pau listana Estela Renner. Ela foi estudante de nutrição e pilotou o fogão nos sete anos em que viveu com seus filhos — de 6, 9 e 11 anos — nos Estados Unidos. Após um mês em cartaz no fim de 2012, o longa segue no ar na internet (www.muitoalemdopeso.com.br), na qual já teve mais de 500 000 exibições. No começo do filme, as crianças são desafiadas a reconhecer frutas e leguminosas como mamão, manga, abacate, pimentão, beterraba e mandioquinha. Ninguém acerta. Quando a charada é identificar a marca por trás das tarjas colocadas em pacotes de salgadinhos e bolachas, todas sabem de cor o nome do produto.
Em outra cena, a bióloga Maluh Barciotte mostra um bolinho que foi servido a ela durante uma excursão escolar há um ano e meio. Passado todo esse tempo, o doce continua intacto, sem nenhum bolor. “Nem fungo se interessou por ele”, diz. A fabricante do doce é a mesma que fornece os bolinhos da merenda municipal, distribuída em 2 600 endereços, entre escolas, creches e entidades conveniadas — por dia, a prefeitura serve 1,8 milhão de refeições a crianças.
Quando soube da coincidência, Erika Fischer, diretora do Departamento de Merenda Escolar da prefeitura paulistana, solicitou à empresa fornecedora uma nova fórmula com menos açúcar e com ingredientes integrais. “Somos responsáveis pelo que está acontecendo agora e pelo que acontecerá no futuro”, justifica Erika, que comanda uma equipe de cinquenta nutricionistas.
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Cardápios infantis compostos de salsicha, macarrão e pedaços de frango empanado são comuns na cidade. Nos Estados Unidos, é igualmente facílimo encontrar um lugar que ofereça essas iguarias ao paladar infantil. No best-seller Crianças Francesas Não Fazem Manha (272 páginas; 29,90 reais; editora Fontanar), a americana radicada na França Pamela Druckerman questiona esse hábito. Surpresa com os bons modos à mesa dos pequenos franceses, ela investiga os pilares da maneira local de criar filhos. Descobre que a mesma refeição, em casa ou no restaurante, é oferecida tanto a adultos quanto a crianças. “Aceitei que é meu dever ensinar meus filhos a gostar de uma variedade de sabores e a fazer refeições equilibradas”, escreve a autora.
Os hábitos à mesa impactam até a formação da personalidade da garotada. Um estudo da Universidade Columbia, em Nova York, revela que fazer ao menos quatro refeições por semana com a criança reduz o índice de consumo de drogas na adolescência, a agressividade, a depressão e a obesidade. “Criança não deve fazer dieta temporária, e sim reeducação alimentar”, resume o endocrinologista pediátrico Eduardo Calliari. “Sem que os pais entrem na dança, essa tarefa se torna impossível.”
DE OLHO NO ESPELHO
Algumas regras que os pais devem seguir para garantir a saúde dos filhos
1. Tire da rotina refrigerantes, sucos prontos, salgadinhos, fast-food, enlatados, embutidos e carboidratos em excesso. Nos fins de semana é possível abrir exceções, mas sem perder o controle.
2. Saiba ler o rótulo dos alimentos. O primeiro ingrediente da lista é o que existe em maior quantidade no produto. O açúcar pode aparecer descrito como carboidrato.
3. Para escapar das tentações das festinhas de aniversário, sirva um lanche antes de sair de casa. Combine com seu filho a quantidade máxima de docinhos, salgadinhos e refrigerantes a ser devorados.
4. Sempre que puder, inclua os pequenos na compra de alimentos e em seu preparo. Levá-los à feira e ao supermercado e fazer receitas junto com eles ajuda a despertar a consciência sobre a alimentação.
5. Ensine a seu filho o que faz bem e o que faz mal à saúde, para que ele possa fazer escolhas corretas quando você não estiver por perto, como na escola e no shopping com os amigos.