A rotina dos quase 166 000 moradores de Itu, cidade a 101 quilômetros da capital paulista, mudou no final de 2013. Os constantes cortes do abastecimento de água prenunciavam a estiagem que afetaria os principais reservatórios no ano seguinte, levando à beira do colapso o abastecimento de água no estado. Passar dias com as torneiras secas tornou-se algo cotidiano na cidade, algo que os paulistanos também passaram a enfrentar nos últimos tempos, embora o governo negue que haja racionamento.
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Algumas regiões de Itu, como o bairro Parque Industrial, chegaram a ficar cerca de 50 dias sem água. A situação extrema revoltou os moradores da cidade. Em setembro do ano passado, um grupo se organizou e invadiu a Câmara Municipal para protestar contra o desabastecimento. Durante a manifestação, o prédio chegou a ser atingido por pedradas e o presidente da Casa, o vereador Marco Aurélio Bastos (PSD), foi atingido por um ovo.
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A pressão dos ituanos resultou na criação do Comitê de Gestão da Águam, que pressionou a concessionária responsável, Águas de Itu, para que medidas imediatas fossem colocadas em prática. “A comissão atuou como se estivesse em um campo de batalha. Era preciso abastecer a casa das pessoas urgente”, explica o Coronel Marco Antonio Augusto, secretário municipal de Segurança, Trânsito e Transportes, nomeado porta-voz da iniciativa.
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As medidas paliativas somavam mais caminhões-pipas nas ruas e caixas de 20 000 litros em pontos estratégicos da cidade. Mesmo assim, muitos moradores contam não terem sido atendidos por nenhuma dessas ações. “Liguei para o número que a concessionária disponibilizou mais de três vezes para conseguir que o caminhão-pipa chegasse até a minha casa”, conta a moradora da Rua Patrocínio, Maria de Fátima, de 58 anos.
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“Ficamos sessenta dias sem água e não tínhamos condições de ir pegar em outro lugar, pois meu marido tinha acabado de amputar os dedos do pé”, lamenta. Para contornar a seca, a população ficava horas em filas de bicas e poços artesianos, ou compravam água de fornecedores que mantinham fontes em suas propriedades, normalmente pagando cerca de 100 reais por 1 000 litros.
ESCOLTA
A situação do pequeno município ficou crítica a ponto de acontecerem roubos e ataques a caminhões de abastecimento. Quando os caminhões-pipas foram para as ruas, a partir de setembro do ano passado, transportando três milhões de litros de água por dia – quantidade comprada em cidades próximas – a população não ficou menos apreensiva.
“O caminhão esvaziava seus 15 metros cúbicos e precisava abastecer novamente, mas os moradores não permitiam que ele saísse com medo de ele não voltar”, comenta o diretor da Águas de Itu, Almir Bittencourt Pacelli Jr. “Chegaram a fechar ruas, o que fazia com que nós tivéssemos de mandar outro carro”, completa. Para contornar essas dificuldades, carros da Guarda Civil Municipal passaram a escoltar os veículos em todas as rotas diárias.
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“PASSA A ÁGUA”
Além dos relatos de cidadãos que enfrentaram mais de uma hora nos pontos de distribuição de água e assistiram a assaltos durante esse período, o comércio também foi alvo de saques. Melissa Santos, dona de uma padaria no centro da, teve uma média de 6 000 litros roubados diretamente de seu reservatório. “Uma vizinha viu dois rapazes chegando com uma caminonete e ligando uma bomba na minha caixa d’água”, lembra a empresária. O jeito foi construir uma barreira de madeira para evitar novos roubos.
O prejuízo financeiro para manter o comércio aberto girou em torno de 4 000 reais por mês durante todo o ano passado. A proprietária lamenta que a situação não esteja totalmente controlada e prevê o pior para 2015: “O racionamento não foi totalmente extinto. No período da tarde é muito comum não ter mais pressão nas torneiras”, lamenta. “Não quero passar pelo desespero de não poder oferecer coisas básicas como dar descarga para os meus próprios funcionários”.
Segundo o Coronel Marco Antonio Augusto, não há nenhum racionamento em Itu no momento. “Se parar de chover hoje, teremos reservatório para os próximos três meses”, declarou. Já a concessionária responsável, prometeu entregar a adutora Mombaça, às margens da estrada rural do Pau D’Alho, até o final de março. A obra deve captar 280 litros de água por segundo.